quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Efeito estufa na minha cabeça

Sinceramente, minha paciência com essas discussões climáticas estão se esvaindo quase tão rapidamente quanto a calota polar ártica. A diferença é que em vez de um processo de derretimento, a minha complacência em ser mero assistente deste embate, está sendo violentada todo dia.
Não é possível que subestimem tanto o poder de racionalizar de, pelo menos, metade da Humanidade, em fazer crer que vai sair algum acordo factível, sem divergências e sem faltas de assinaturas, ao juntar numa mesma mesa, China, Estados Unidos e países africanos por exemplo. e estabelecer regras plausíveis.
Não são as fronteiras políticas que encerram o emporcalhamento do planeta.
Mais ou menos assim: a Europa foi totalmente desmatada já há uns duzentos anos, ou até mais, em países como Reino Unido e França. Burkina Faso continua sendo só floresta ( e pretende deixar de sê-lo, para se "desenvolver").
Os Estados Unidos emitem mais efluentes de combustíveis derivados de petróleo sozinhos do que as outra nove maiores economias do mundo. É toda uma economia, por sinal a mais forte, firmemente baseada em automóveis, gasolina, óleo Diesel, caminhões e termo-elétricas. No Brasil, em que pese nossos combustíveis serem muito ruins sob o ponto de vista ambiental (enxofre, benzeno e outras quinquilharias carcinogênicas e que promovem a dança da chuva ácida, por exemplo), usamos mais biocombustível ( etanol) do que gasolina.
A China que só tem 1,3 bilhão de pessoas saltando da Idade Média para o século XXI em apenas vinte anos, precisa de energia. Vai usar, claro, a mais emporcalhante forma de energia conhecida, o carvão, que não só tem malefícios dos combustíveis de petróleo, como é campeão de emissão de particulados esquisitos ( particulado é aquele negócio que você respira, se aloja num lugar de seu corpo, que não o absorve e dali vira um tumor ou um enfisema). Em contraponto, a Noruega, que já colocou sua meia dúzia de habitantes no século XXI e vendeu seu petróleo quase todo, agora só quer saber de "fontes de energia limpa".
Convenhamos, dá para convergir para algum ponto ?
E de mais a mais, volta e meia surge um estudo bombástico dando conta que arrotos e peidos de vaca e ovelha no mundo todo emanam mais gases que a frota de veículos alemã. Que a Rússia, apesar de um vasto parque de usinas nucleares construídas com tecnologia que vem sendo desenvolvida desde o Império Romano ( são usinas-ruínas), também usa carvão à vera, dado que fica difícil convencer um cidadão casaque ou siberiano a não se aquecer nesse inverno, quando o carvão está ali, no quintal de casa.
Outra coisa interessante. Nunca vi ninguém mais criticado que Thomas Malthus, economista que previu que a população cresceria geometricamente e os meios de produção aritmeticamente...."Ho, ho, ho, tolo Thomas, esqueceste da tecnologia que aumenta a escala e a eficiência"...o tolo Thomas só deve ter pensado num contexto mais amplo. De fato, maquinario agrícola e fertilizantes aumentam a produtividade, fazendo com que mais alimentos sejam produzidos em áreas menores. Só que o maquinário consumiu recursos em outro lugar e o fertilizante, seja de fósforo, potássio ou nitrogênio, ou dos três, emporcalhou um outro lugar longe da plantação. Tenho a leve lembrança de uma fábrica de fertilizantes em Bhopal, na Índia, que teve um probleminha de troca de turno e contaminou uns 3000 elencos de novela de Gloria Peres, que morreram mal, cegos, com peles queimadas.
Enfim, Malthus, esse maluco primata, previu o que está na cara. A Terra comporta com algum conforto uns 3 bilhões de seres humanos. Somos seis bilhões.
Um acordo interessante para Copenhague seria nomear o Hitler, o Stalin e o Genghis Khan da vez e fazê-los trabalhar coordenadamente para eliminar ( sem preferências estilísticas, raciais ou comportamentais, ok, Herr Hitler ?), metade da Humanidade. Fazendo sumir rapidamente 3 bilhões de pessoas do planeta, o consumo de tudo cairá bastante, então teremos menos carros na rua, menos carvão queimado, menos batata frita sendo consumida, menos coxinhas de galinha necessárias, enfim, tudo se ajustaria naturalmente. Adeus efeito estufa.
Mas por ser pouco razoável, que mesmo esse incrível trio trabalhando em conjunto, tenha alguma aprovação que dure, digamos, até o segundo genocídio promovido sob o nome pomposo de "redução de consumo natural por sequestro de consumidores", talvez seja mais prudente partir para outra solução.
E então entram em cena as soluções bodosas. Com metas de redução de emissão de gases e sequestros de carbono.
Vamos por partes. Metas de redução de emissão de gases...hmmm...ou seja, meu país chega a Copenhague com um estudo feito durante dez anos por pesquisadores multi-disciplinares e apresenta: vou reduzir a emissão dos gases do efeito-estufa em 28,333% em 96 meses, a começar em 2015. Tal redução será obtida com veículos híbridos ( tecnologia a desenvolver), uso de biocombustíveis ( efeitos maléficos ambientais em estudos) e sequestro maciço de carbono. E aqui, vamos a uma pausa.
O que raios quer dizer exatamente "sequestro de carbono" ? "Sequestro" eu sei o que é. Pega-se um desavisado da família Getty ou politicamente proeminente, enclausura-se o cidadão, apresentam-se pedaços de seu corpo para provar que está sendo morto aos pouquinhos, exige-se um resgate ou contra-partida e, se os sequestradores forem caras legais, devolvem o sequestrado, talvez sem uma orelha. Ministros brasileiros atuais usaram bastante esta tática na ditadura militar e como bons sequestradores, devolveram, sem muitos desmanches, os diplomatas sequestrados.
Agora, voltemos ao tal "sequestro de carbono". Florestões seriam responsáveis por retirar o excesso de dióxido e monóxido de carbono. Até aí não vejo configurado o delito penal "sequestro". E depois ? Do claustro da fotossíntese ao que os carbonos sofrerão, terão que confessar que formaram compostos mais limpinhos e serão devolvidos à livre circulação atmosférica, sob condicional. Só pode ser isso. Senão o termo técnico não seria sequestro e sim absorção de carbono.
Tudo me confunde, esquenta minhas sinapses e aumenta o efeito estufa particular. Se dessa COP-15, que já teve a Presidente renunciando, o Obama informando que não vai, o Lula lançando um factóide aparentemente genial, mas, que por ser impossível de ser cumprido, é só corajoso mesmo, e pancadarias de Ultimate Fight nas ruas da plácida Copenhague sair algo que seja minimanete conclusivo será uma baita surpresa.
Nesse meio tempo, sinto falta de mais presença do Al Gore, do Greenpeace, dos japoneses. Será que estão com um comportamento "low-profile" proposital, já prevendo que COP-15 corre o risco de um fiasco ?
Borbulham meu neurônios. Não vejo solução a não ser a tríplice entente Hitler-Stalin-Genghis Khan. 6 bilhões é gente prá chuchu, e para qualquer outro hortifrutigranjeiro, incluindo a mandioca.
Será que o documento final de COP-15 definirá regras de crescimento populacional ?
Como diz um amigo meu, ambientalista das antigas, talvez o resto da conversa seja "merda de boi" - "bullshit" - espressão em inglês para blá-blá-blá.
A propósito. O cocô das vacas poluiu mais que os gases emanados por motocicletas da Indochina em 2008/2009.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Momento Inesquecível

A Copa do Mundo de 1970, no México dificilmente será substituída nas minhas lembranças sobre futebol por outro evento ou episódio mais marcante. Nestes dias em que muito se falou de um fim de Campeonato Brasileiro eletrizante e vimos o sorteio dos grupo da Copa das Vuvuzelas de 2010, cheguei à conclusão que muita coisa mudou entre 1970 e 2009. Para começar, minha idade, claro. E, naturalmente, o próprio futebol.
A idade que eu tinha em 1970 ( 7 anos) me levava ao lúdico, à idolatria de Pelé, Tostão, Rivelino, Gerson, Jairzinho e até de alguns que apareceram menos, como Paulo César e Marco Antonio. Hoje, 40 anos mais velho, sou crítico, rabugento, vejo mais o erro que o brilho, enxergo más intenções onde elas provavelmente não existem e entendo como sensacional algo que em 1970 era mais visível que é o improviso, o jogador voluntarioso, o drible. Com toda a sinceridade, não consigo ver o Petkovic de 2009 sentado nem no banco de reservas do América da década de 70, que tinha no meio-de-campo Ivo, Thadeu, Braulio e Gilson Nunes.
Por isso, acho que a Copa de 70 foi o meu momento inesquecível no futebol em todos os tempos. Para começar a justificar isso, cabe ressaltar que, apesar de 7 anos de idade, registrei e nunca mais apaguei da memória alguns detalhes daquela Copa. Lembro, por exemplo, do sorteio dos grupos. Os cabeças-de-chave eram México (anfitrião), Itália (campeã européia), Inglaterra (campeã do mundo) e Alemanha Ocidental (vice mundial e europeia). O Brasil não era cabeça-de-chave. No sorteio, caiu no Grupo C, logo chamado de Grupo da Morte, com Inglaterra, Tchecoslováquia ( que seria campeã europeia dois anos depois) e Romenia, que tinha desbancado Espanha e França nas Eliminatórias.
João Saldanha foi substituído por Zagalo alguns meses antes. A campanha nas Eliminatórias tinha empolgado, sob o comando de Saldanha. O Brasil massacrou Colômbia, Venezuela e Paraguai numa sequência de jogos fabulosos de Tostão. Entre as Eliminatórias e a Copa, Tostão levou uma bolada no olho e quase ficou fora da Copa. E esse problema seria o que o iria tirar dos campos precocemente, em 1973. Pelé tinha tido um mau ano em 66, mas recuperara-se em 67 e 68. Em 1969, Pelé começou a dar sinais de esgotamento. Foi quando surgiu a notícia do problema de visão que ele teria. Hoje, sabe-se que Pelé era fisicamente mais bem preparado que 90 % dos jogadores de seu tempo e sua presença em qualquer jogo parava até guerra. Ele simplesmente estava esgotado fisicamente, porque tinha que jogar tudo que é jogo. Não parece muito hoje, mas o jogo de Pelé dependia de suas arrancadas, de uma velocidade impressionante e de uma impulsão que o fazia, com 1,70, subir mais que gigantes de 1,85. Haviam também nomes bons em profusão atuando no Brasil: Rivelino, Paulo César, Jairzinho, Edu ( do América - RJ), Ademir da Guia, Samarone, Dirceu Lopes, todos de meio-campo. O Brasil era pobre em zagueiros e goleiros. Volantes, como hoje vemos jogar então, nem pensar. Talvez Dudu, do Palmeiras fosse o mais próximo do que se chama de "volante de contenção" atualmente. Haviam Zanata, Liminha, Denílson, Zé Carlos, todos muito técnicos. E havia Piazza, que marcava mais duro.
Pois bem. Imagine-se no lugar de Saldanha para acomodar isso tudo no time. Ele avançou Tostão para centro-avante, deslocou Jairzinho para as laterais, recuou um pouco Gerson e colocou o ponta Edu, do Santos. Piazza era o meio-campo recuado. A zaga era Britto e Joel ( ou Fontana, do Vasco). Nas laterais, Carlos Alberto e Marco Antonio, um moleque promissor do Fluminense. No gol, problemaço: Felix, Leão e Ado ( Corinthians) disputavam quem seria titular, mas nenhum inspirava confiança.
Quando Zagalo chegou, resolveu fazer umas mudanças. Tirou Joel da zaga e recuou Piazza. Lançou Clodoaldo, jovem do Santos, habilidoso mas não muito bom marcador, como volante, e surpreendeu o mundo ao escalar Rivelino na ponta-esquerda.
O Brasil entrou em campo para a estreia contra a Tchecoslováquia com Felix, Carlos Alberto, Britto, Piazza e Marco Antonio ( substituído por Everaldo, que ganhou o lugar); Clodoaldo, Gerson e Pelé; Jairzinho, Tostão e Rivelino. Ou seja, eram cinco jogadores de meio-ataque no mesmo time, um cabeca-de área transformado em zagueiro, uma lateral-esquerda com dois novatos e um goleiro prá lá de inconsistente. Lembro que cheguei da escola e liguei a televisão, em preto-e-branco, hipnotizado para ver o jogo. Começou mal. Uma bobeada de Britto e Carlos Alberto e um tcheco faz 1 a 0 logo aos 15 minutos. Para completar, comemorou com um sinal da cruz. Como pode ??? País comunista aceita prática religiosa ??? Roí unhas 25 minutos. Aí Pelé cavou uma falta inexistente na entrada da área, O goleiro tcheco Viktor era considerado um dos melhores do mundo, mas quase tinha tomado um chapéu do meio-de-campo de Pelé a alguns minutos e parecia nervoso. Uns 5 estavam colocados para bater a falta, que pedia a clássica batida por cima da barreira, buscando o alto do gol. Nada disso. Rivelino deu um pique e soltou um foguete bem em cima do tal do Viktor. O cara estava na bola, mas não deteve o chute. 1 a 1 e Rivelino comemorando como se estivesse exorcizando traumas antigos, agitando os braços com força.
O segundo tempo começou com o time europeu medroso e aparentemente cansado. Aí, Gerson, como faria outras várias vezes na Copa, fez um lançamento de uns 5 quilômetros para Pelé, que estava marcado. Entra em cena o gênio. Pelé se antecipou ao marcador, com sua impulsão fenomenal aparou a bola no peito lá na cota dos três metros de altura, deixou cair no chão, e empurrou para o gol. Saí igual um louco correndo pela casa. Era um golaço. Eu não escondia o fascínio de ver o meio-campo do Brasil tocando a bola, de uma lateral a outra, sempre parando em Gerson. Numa dessas escalas forçosas no canhotinha, ele descobriu um Jairzinho tentando bater o recorde mundial dos 100 m rasos pela direita e pimba ! outra bola de 5 quilômetros. Jairzinho fez graça, jogou por cima do agora totalmente apavorado Viktor e emendou para o gol vazio. Fui para a janela, olhei a bandeira que tinha feito em verde e amarelo e que modéstia à parte era a maior da rua em que eu morava. Eu estava vibrando. Mas ainda tinha mais. Numa jogada individual, Jairzinho driblou a defesa adversária toda e fez o quarto. 4 a 1. Desci para a rua, festa na rua, com muito papel picado e a criançada se divertindo.
O jogo seguinte era contra a Inglaterra. O mais temido. Os 4 a 1 tinham me dado a falsa impressão que tudo seria fácil. Não lembro de detalhes do primeiro tempo, apenas do chute de um atacante inglês no rosto de Felix. Aliás, neste jogo, Felix justificou sua convocação. No tradicional chuveirinho inglês, Felix se virou socando bolas de tudo que foi jeito. Gerson não estava em campo. Paulo César, em seu lugar, meio isolado na esquerda. A defesa inglesa parecia a muralha de um castelo. Pelo menos, os ingleses não aprontavam muito com a bola no chão.
No intervalo fui para o quarto e rezei. Juro.
No segundo tempo o Brasil dominou mas nada de gol sair. Enfim, Tostão fez uma jogada maluca na meia-esquerda e cruzou para Pelé, que, com calma ajeitou para Jairzinho que, sem calma nenhuma, disparou um foguete para ver se aquele impressionante goleiro segurava. Gol. Não lembro do resto do jogo. Desci para a rua para comemorar de novo. Uma cena desse dia nunca mais esquecerei. Passou na minha frente um Opala pintado de verde e amarelo com o placar do jogo Brasil 1 Inglaterra 0. Pensei: qual maluco faria isso ? Acho que muitos. Havia uma euforia absoluta no ar.
O terceiro jogo foi contra a Romenia e o menos emocionante pois o Brasil já estava classificado e logo da cara fez 2 a 0, com o Paulo César arrebentando na ponta esquerda. Mas a Romenia fez um gol. Então, me lembro que, com raiva, me debati e bati com a cabeça numa mesa de tampo de mármore que meus pais tinham na sala. Na mesma hora, Brasil  3 a 1. Meu pai pegou gelo, botei na testa, doía prá burro, mas eu nem ligava para a dor. Mas a Romenia fez o segundo e meu pai, gaiato, me disse: enfia a testa de novo na mesa para ver se o Brasil faz mais um gol. Lembro como se fosse ontem.
No mata-mata, o Brasil caiu contra o Peru. A lembrança das Colômbias, Venezuelas e Paraguais arrasados me deixavam calmos. Desconhecia eu completamente que os peruanos haviam eliminado a Argentina e para falar a verdade, eu não sabia que o futebol argentino era forte. Ouvia-se muito do Uruguai na época, fruto do trauma de 1950, mas pouco da Argentina. Início de jogo, 2 a 0, Tostão fazendo gol, parecia tudo tranquilo até que Britto e Felix resolveram complicar. Mas no final, com uma atuação de gala de Tostão, ficou 4 a 2. Me lembro de encarar o resultado como normal. Estava ficando convencido.
Aí veio o Uruguai. Pela primeira vez na minha vida, virei de costas para um jogo. Quase fui para o quarto chorar. O Uruguai fez 1 a 0, num frango premiado de granja de Felix e o Brasil não jogava nada. Para completar, os uruguaios se impunham na porrada e na arrogância. Tremi. De repente, Clodoaldo, que eu já até tinha esquecido que era jogador, recebeu um passe de Tostão e mandou para o gol. 1 a 1. Curioso que fiquei quieto. Só pensei na hora: falta um gol do Gerson...vai ser hoje...hoje, nem sei se o Gerson estava em campo, pois estava às voltas com uma contratura.
E não vou pesquisar para ver se estava ou não porque no segundo tempo surgiu em campo um herói que depois fui ter enorme orgulho de ver jogando com a camisa do Fluminense: Rivelino. O cara resolveu encarar os uruguaios, com dribles, elásticos, tomado porrada e levantando e encarando os celestes. Rivelino fez o segundo tempo contra o Uruguai encarnando a raça e a categoria. Mas o gol demorou até quase 30 minutos do segundo tempo, quando Jairzinho deu uma disparada e recebeu passe de Tostão para desempatar. Aí o Brasil abriu a caixinha de maldades contra o Uruguai. Pelé tentou gol de tudo que foi jeito. Rivelino pisava na bola e provocava os uruguaios. Carlos Alberto e Pelé se revezaram em retribuir as "gentilezas" dos adversários no primeiro tempo. Uruguaios na roda. Para fechar o show, um gol de linha de passe de treino com Pelé ajeitando para trás e Rivelino soltando uma bomba no canto. Rivelino comemorava com raiva. Transbordava alívio do stress, de sua entrega em campo. Talvez essa comemoração tenha sido a cena que mais me marcou nessa Copa.
Fim de jogo e a televisão começa a passar a prorrogação de Itália e Alemanha. Terminou 4 a 3 para os italianos, mas tiveram umas cinco viradas no jogo...que jogão...e eu não desgrudava da televisão. Só quando acabou, desci para a tradicional comemoração na rua e de lá de baixo, olhar o bandeirão que tinha pendurado da janela e que a esta altura já provocava certa ira de vizinhos de três andares abaixo, mas que sentiam que não podiam pedir para retirar...
Entre o jogo do Uruguai e a final eu lembro de muita coisa. O clima era positivíssimo. Haviam dúvidas se Gerson jogaria. Felix iria optar por jogar de luvas pela primeira vez na carreira...umas coisas esquisitas eram ditas sobre uniformes da seleção ( só recentemente soube que tratou-se de uma briga entre Adidas e Puma para calçarem os pés do Pelé na final). Os palpites diziam que seria 3 a 0, 3 a 1. Mas a Itália tinha um belo time, misto de Inter e Cagliari.
O jogo começou e eu tinha um nome em mente: Luigi Gigi Riva, artilheiro do italiano 69/70 jogando pelo modesto Cagliari. No início, Felix fez uma defesa de tirar o fôlego, mas me lembro de ficar calmo. Pelé subiu num cruzamento improvável de Rivelino e fez 1 a 0. Aí o Brasil resolveu dar show. Ao contrário de Jairzinho que jogava mal, Rivelino colocava sangue na ponta da chuteira. Facchetti não tinha a quem marcar: ora era Tostão, ora era Jair, ora era Pelé. Mas numa troca de bola boba na defesa, Clodoaldo foi dar de calcanhar e o bom Boninsegna ( que depois fez dupla de ataque com o Fabio Capello, hoje técnico da Inglaterra, na azzurra) aproveitou e empatou. O time brasilero ficou nervoso ainda mais com um gol anulado no final do primeiro tempo pelo juiz, que apitou fim do tempo antes de Pelé chutar livre de dentro da área.
O segundo tempo começou calmo, mas lá pelos 25 minutos eu já estava com várias almofadas em cima escondendo o rosto. O jogo persistia 1 a 1. Mas, numa jogada de força de Jair após bom passe de Everaldo, Gerson emendou uma bomba de canhota. Do meio para a frente, era o único jogador que não tinha marcado. Pronto, agora tinha feito. Golaço, e ânimo quadruplicado na Seleção Brasileira, italianos cansados e de guarda-baixa...showtime...
Gerson, em outro lançamento de 5 quilômetros para Pelé escorar de cabeça e Jairzinho entrar com bola e tudo, comandava o toque de bola no meio e o show. Dribles desconcertantes de Rivelino, jogando de novo um partidaço. Itália na roda, com Gerson apontando e distribuindo o jogo. Na jogada mas bonita de toda a Copa, Clodoaldo se livra de 4 italianos no meio, joga para Tostão que lança para Jairzinho como ponta-esquerda. Bola para Pelé na meia-lua da grande área. Sem olhar, o toque para o lado onde entrava na velocidade do som, o capitão Carlos Alberto para soltar uma bomba num gol apoteótico.
O desfecho ideal. O estádio idolatrando o futebol brasileiro. Unanimidade internacional. Era o time dos craques. Nunca se vira domínio tão predominante em finais de Copa desde 1958. Para completar conquista definitiva da Jules Rimet.
No dia da final não desci para festa tradicional na rua. Lembro de deitar no sofá da sala e ficar olhando para o céu. Como criança, a conquista daquele time era minha também. Me senti no topo no mundo. Mas com um sentimento de tranquilidade, e não de dominância. Era bom ter vivido aquilo. Era como se eu estivesse estado em campo.
Vi muita coisa emocionante no esporte depois disso. No futebol também, nas vitórias de Senna, no vôlei, nas lutas de Muhammad Ali. Sempre me envolveram emocionalmente. Mas acho que só em 1970 eu entrei em campo com a seleção.
Talvez isso explique porque lembro mais da Copa de 1970, quando tinha 7 anos, do que da 1974, quando tinha 11.
No dia seguinte da final. Com o Brasil tri-campeão, fui conferir a minha super-bandeira. Uma ventania da noite a rasgara e ela tinha ido embora. Chorei porque queria guardá-la. Era o meu símbolo particular de ter jogado naquela Copa.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Eu ouso criticar Orwell

Quase todo mundo leu "A Revolução dos Bichos", de Orwell. Eu o fiz já meio entrado em anos, mais precisamente em um final de semana de 1998. Comecei no sábado à tarde e terminei domingo de manhã numa bucólica paisagem que lembrava uma fazenda, de fato, em Itaipava. Ou seja, o ambiente favorecia a leitura e vice-versa.
O tempo passa e sempre ouvi um monte de coisas sobre a fábula dos bichos que se revoltam contra um fazendeiro beberrão e mal-educado para tomar conta de uma fazenda eles mesmos.
Como não se criam macacos em fazendas, principalmente na Grã-Bretanha, Orwell deve ter tido dificuldade para escolher o animal que ocuparia as funções de liderança na nova sociedade neo-zoolista ( termo que acaba de ser inventado por mim mesmo, e que, desconfio, soa estranho). Escolheu os porcos. Porcos são espertos, é verdade, mas ariscos. Também, e mesmo aqueles porquinhos cor-de-rosa ingleses, não primam muito pela higiene. Logo, acho que faltou algo para Orwell. Um bicho inteligente, mas que posto no poder, aos poucos sucumbisse ao conforto e às tentações deste mesmo poder.
Mas, realmente, se a fábula estava pronta na cabeça de Orwell sem contar com os porcos como protagonistas de poder, o que pode ter lhe passado pela cabeça ?
Em primeiro lugar, devemos situar o autor. O livro foi escrito na década de 40 e é uma nítida crítica aos rumos do comunismo soviético. No entanto, a URSS ainda não havia dividido a Europa com os Aliados Ocidentais e invadiria a Hungria somente em 1956, ano em que muito comunista de primeira hora e de paixão começou a desconfiar do modelo russo estendido para os países vizinhos. Ou seja, Orwell anteviu, acertou na mosca, mas ainda não haviam tantos dados para que ele montasse sua narrativa. Haviam sinais claros de problemas e assassinatos em massa promovidos por Stalin nas reformas agrária e cultural das décadas de 20 e 30. Havia também um prazer indescritível de determinada classe pensante russa quando visitava ou se refugiava no Ocidente, sugerindo que lá dentro do mundo comunista, as coisas eram ruins. Mas não estava na moda entre intelectuais ser reacionário, e aí entenda-se reacionário por anti-reformista e anti-reformista por um sujeito que via como alernativa ao capitalismo do rombo de 1929 o comunismo inexorável.
Orwell teve que equilibrar isto tudo. O fez com maestria em toda a fábula, mas, desculpem-me se pareço idiota insistindo neste assunto. Porque os porcos como classe dominante ? Que não fossem os macacos já entendemos porque. Fosse uma fazenda sul-africana ou bôere, e certamente um grupo de mandris ou gorilas ou chimpanzés seriam candidatos mais fortes.
Bem, examinemos a predisposição do mundo animal, pelo menos no âmbito doméstico rural, espécie por espécie.
O gato, por exemplo. Não daria um bom líder. Muito preguiçoso, de hábitos noturnos, esquivo, distante...ficou bem no livro.
Vacas e ovelhas e seus pares machos castrados então não dá nem para pensar. Totalmente pacíficos, provedores de ovos, leite e carne, abatidos aos poucos, sendo que os que sobram veem claramente o destino final do indivíduo sacrificado para alimentar outrem há séculos e ainda não aprenderam nada com isso. O carneiro, reprodutor, é, com o perdão da expressão, a definição mais clara que me vem à cabeça para traduzir o adjetivo "bundão". Entenderam ? Pois é. Sem maiores explicações.
Touros são ou comilões ou totalmente anti-sociais, como se veem em rodeios.
O galo seria um líder estranho, pois transmite valentia até a hora que chega a raposa, quando bate asa como a mais afetada galinha. Também não prima por ser muito inteligente.
Os gansos são corajosos e barulhentos. Poderiam ser uma espécie de Hugo Chávez, se alçados ao Poder. Muito barulho por nada, e tudo do jeito deles. Sem contar que, com toda a valentia, um bom Rottweiler liquida um ganso sem muito trabalho.
E os cães ? os melhores amigos do homem, inteligentes, que sabem andar pela casa, fazer truques, farejam, vigiam... Porque não dar o Poder aos cães ? Pois bem, nessa Orwell foi genial: a fortaleza do cão é sua dependência do homem, que chega à subserviência. No livro, os cães passam a ser a "polícia" dos porcos. É perfeito. Se me fosse dado o fardo de ser Presidente de um País, escolheria um cão super treinado como Ministro do Interior. Mas não escolheria nunca um cão como assessor. Iria me aconselhar mal e me adular demais.
Vejam a sinuca. Não sobra ninguém. Ahhh.... os cavalos. Orwell colocou os cavalos como proletários, servis, obedientes e explorados. Mas os garanhões não são exatamente assim. Padecem da mesma anti-sociabilidade dos touros, o que os desqualificaria também. Mas são garbosos, nobres. O que me leva a crer que se um puro-sangue fosse eleito presidente sofreria processo de impeachment em, no máximo, três anos. E numa ditadura não se preocupariam com coisas práticas a não ser desfilar, e acabariam muito mal.
E, finalmente, chegamos ao burro. Que qualidade, ou melhor, que defeito teria o burro para não ser o líder ? Confesso que venho comparando porcos e burros e não cheguei à minha preferência ainda.
No lugar de Orwell, talvez eu elegesse os porcos mesmo, para sutileza do texto.
Mas, observando de fato a realpolitik, as ditaduras, os tropeços de revoluções e de como seus líderes se comportam ao longo do tempo, os socialismos de século XXI, o conservadorismo norte-americano e a preservação do bem -estar europeu acima de tudo, eu fico com os burros.
Os burros !!! Esses sim, deveriam ser a classe dominante na "Revolução dos Bichos" !!!

domingo, 8 de novembro de 2009

O Muro caiu, todo mundo viu, mas eu não

Fazem 20 anos da chamada "Queda do Muro de Berlim". Nestes 20 anos muita coisa foi analisada, estudada, reconstruída e elocubrada sobre o que poderia ter feito, num espaço curto de horas, aniquilar uma barreira política e ideológica que durava mais de 30 anos.
Como sempre, meu compromisso com precisão de dados, fatos e versões será pequeno. Simplesmente porque os dias compreendidos entre meados de outubro e o Natal de 1989 serão sempre inesquecíveis para mim.
Em outubro de 1989, minha ex-mulher estava grávida de nosso primeiro filho. A previsão do nascimento dava conta de algo entre 25 de outubro e 5 de novembro. No início de outubro tive de fazer uma viagem rápida a Londres. Quando cheguei lá, passado um dia ou dois, as imagens de alemães orientais lotando trens para a Hungria e de lá para o Ocidente passavam repetidamente na televisão. Um mês antes, a Polônia havia aberto a fronteira, com a vitória nas eleições do Solidariedade. Mas o êxodo de poloneses era pequeno.
Os húngaros então, deixaram a fronteira com a Áustria aberta. Poucos húngaros foram ao Tirol até porque nem passaporte tinham. Mas os alemães orientais vislumbraram um ardil. Orientais ou ocidentais, eram alemães. Hungria e Áustria eram escalas para os destinos na então Alemanha Ocidental.
Voltei ao Brasil com as imagens na cabeça. Aquilo não iria parar por ali. Num encontro de líderes do Pacto de Varsóvia, Gorbatchov ignorou solenemente Erich Honecker, da Alemanha Oriental e se esmerou em conversas  com húngaros, tchecoslovacos e poloneses.
Nesse meio tempo, nasceu o Guilherme, em 31 de outubro de 1989. Internado no "Spa para pais novatos" da Clínica São Vicente, na Gávea, Rio de Janeiro, acompanhando mãe e filho que passavam otimamente bem, não desgrudava os olhos dos noticiários.
Os trens cada vez mais abarrotados. Protestos de uma Alemanha unida cada vez maiores. Líderes comunistas calados e acuados.
Quatro dias depois, a recém incrementada família voltava para casa. E eu, ao trabalho.
Primeira notícia ao chegar em casa e ligar a televisão: todo mundo em cima do muro, celebrando o fim da divisão.
Primeira notícia ao chegar no trabalho: reunião em Haia, na Holanda. Fiquei dividido. Meu filho recém nascido e minha mulher em casa, sem muitos sintomas de síndrome pós-parto. Aceitei ir, com muito medo de dar a notícia para a nova mamãe. Mas vislumbrando a possibilidade de chegar perto daquele momento histórico.
Embarquei num vôo da Varig que fazia Rio-Paris-Amsterdam. No Galeão, as imagens eram daquele povo todo alegre em cima do Muro, e de caras entre consternadas e surpresas de políticos. Em Schiphol, idem
Nem me lembro do que fiz em Haia. Aluguei um carro minúsculo e fui para a Alemanha. Minha intenção era ir a Berlin. Tolinho. Quando cheguei a Dusseldorf soube que tudo estava bloqueado. Mas o mais impressionante não foi a frustração. Foi sentir o clima. A tradicional sisudez alemã dava lugar à euforia em alguns e a um pessimismo em alto grau surpreendente em outros. Os eufóricos celebravam a possibilidade de reunificação do País. Os pessimistas tinham medo de mudanças, bruscas, num país que as teve em sequência no século XX, sempre traumatizantes.
Lembrei de meu filho pequeno e da minha ex-mulher. Vi que não viria muito mais do que já havia visto. Quem conhece a Alemanha sabe que é impossível imaginar a Alemanha desorganizada, confusa, tumultuada. Pois estava. Fiquei preocupado e voltei ao Brasil no primeiro vôo, e passei a acompanhar os fatos pela televisão mesmo ( não existia internet, muito menos twitter, é bom lembrar).
Mas aqueles dias não terminariam na Alemanha. Como castelo de cartas, uma a uma das repúblicas comunistas ruíram. A mais marcante foi a da Romênia, bem no Natal de 1989. O ditador Nicolau Ceausescu foi discursar na sacada do Palácio Presidencial e recebeu estrondosa vaia. Se retirou da sacada e sumiu. Cinco horas depois, ele e a mulher estavam presos. Julgamento transmitido pela televisão. Ceausescu e a estranha mulher humilhados e surrados em frente às câmeras. Doze horas depois, estavam sendo encaminhados a uma sala para serem...enforcados ! E foram, ao vivo e a televisão ainda mostrou os corpos com pescoço quebrado e olhos esbugalhados. Chocante.
Aqueles dias não saíram da minha memória. Fiquei obcecado por visitar aqueles países. A primeira chance veio em 1993. Aluguei um carro e dirigi sozinho de Amsterdam a Berlin, em um tiro só.
Achei que, em quatro anos, já haviam despejado dinheiro suficiente para melhorar Berlin Oriental. Errei. Continuavam sendo duas cidades. O lado oriental povoado por veículos Trabant, pessoas com expressão sofrida, roupas velhas, sujeitos estranhos, vendedores de souvenirs comunistas ( até peça de blindado russo podia ser comprada). Por questão de tempo, passei poucos dias, mas era a minha primeira ida a Berlin e foi inesquecível.
Depois voltei em 1995. Mesmo roteiro automobilístico Amsterdam-Berlin, mas, desta vez, com um amigo. A estrada em antigo território comunista estava melhor. Mas Berlin Oriental continuava quase igual. A mesma gente com semblante sofrido, roupas surradas e os imortais Trabants. O metrô tinha sido interligado, mas quando se entrava no antigo lado oriental a velocidade do trem caía à metade. As estações eram cenários de filmes tipo "O Albergue". Do lado antigo ocidental, vi profusão de mansões, gente bonita, shopping centers novos, Mercedes-Benz e BMW novos.
Arriscamos uma ida a Dresden. A cidade com história trágica: já tomada e pacificada pelos soviéticos na II Guerra foi alvo do mais violento bombardeio aliado não-atômico. Pelo simples motivo de destruir o legado artístico e cultural da cidade que abrigou uma das mais afamadas Universidades da Europa e que foi simplesmente o centro da música durante 5 séculos. Só vi prédios cinzentos em estilo mesclado Stalin-Mobutu-Niemeyer. Ou seja, o planejamento do Niemeyer, a austeridade do Stalin e o acabamento do Mobutu. Terra arrasada. Identidade alemã inexistente e dinheiro, bem, dinheiro dos ocidentais. Os orientais continuavam em estado pré-capitalista.
Fui à recém criada República Tcheca. Apesar de Praga ter renovado minhas esperanças de que o legado comunista teria um fim não muito longo, nas estradas proliferavam prostitutas e tudo o que se pode imaginar ligado à pornografia.
Voltei mais vezes, principalmente entre 1996 e 2000. Melhoras daqui e dali. Mas não adiantava, a divisão era visível. Desde 1989, a população da antiga Alemanha Oriental encolheu em dois milhões de pessoas, mesmo com investimentos pesados em cidades como Dresden e Leipzig. A crise de 2008 atingiu em cheio os países da antiga Cortina de Ferro. Uma viagem de Londres a Beograd por exemplo, é quase tão chocante quanto ir da Zona Sul do Rio de Janeiro até o Complexo do Alemão.
Hoje surgem detalhes. O muro não caiu exatamente. Um oficial do "check-point" Charlie, aliás o ponto de passagem de um lado para o outro, e não o Portal de Brandenburgo, teria interpretado uma ordem de dispersar a multidão como deixar a multidão passar para o outro lado.
E que o colapso comunista era inevitável. O deficit do sistema comunista era financiado com dinheiro de abastados capitalistas ocidentais. E o dinheiro secava e a carestia no lado comunista crescia. Os governos precisavam ou exportar gente ou importar insumos para os países não pararem. E Reagan sabia muito bem disto, por isto teria discursado no mesmo ponto simbólico do Portal de Brandemburgo em 1987, ao alcance de rifles russos, exortando os alemães a derrubarem o muro.
Seja como for, talvez tenha sido o momento simbólico ( tipo "Queda da Bastilha" e "Grito do Ipiranga") da História que vivi mais de perto.
E, apesar de tudo, da emoção da hora, da adrenalina de tentar chegar a Berlin, de comprar bugigangas de  soldados russos mutilados, de viajar Eslováquia adentro vendo camponeses que talvez nunca tenham ido ao dentista, de ver soldados sérvios de 2 m de altura intimidando camponeses croatas, bósnios, albaneses e outros, enfim, de ir à Europa e ver miséria e drama, hoje posso contar que vi o episódio.
Mas não vi ainda a História mudar.

domingo, 1 de novembro de 2009

2012 e o Fim do Mundo

Estava hoje, ou melhor, ontem, em 31 de outubro de 2009, despreocupadamente fazendo umas comprinhas de supermercado quando me deparei com a capa de uma revista semanal (bons tempos em que se chamava isso de hebdomadário !!!) de grande circulação e o meu estado de despreocupação passou instantaneamente ao de inquietação, para logo depois virar preocupação mesmo.
Para completar a introdução visivelmente paranóica, hoje, ou melhor, ontem, 31 de outubro de 2009, foi aniversário do meu filho, e no jantar de comemoração o assunto dominante foi o mesmo da capa do tal hebdomadário. O fim do mundo em 2012. Mais exatamente em 21/12/2012. E cá estou sem sono porque estou realmente preocupado com o Fim do Mundo em 2012.
Não li muito a respeito, não vi o tal filme que traz imagens inéditas do fim do mundo, sequer comprei a revista para ler a matéria, mas estou em pânico quase.
Explico porque.
Tudo começa com uma coincidência de calendários desenvolvidos por civilizações antigas, como os maias e os chineses de muito antes de Mao-Tse-Tung, entre outros. Passa por uma linha comum em várias religiões que entendem que haverá inexoravelmente um momento de ruptura com o todo atual e algo evolucionista acontecerá, principiando uma nova civilizacão ou uma nova "raça". Segue passando por previsões de físicos, botânicos, biólogos, climatologstas e outros cientistas respeitados com indicadores de um colapso da Humanidade tal e qual a conhecemos hoje. Por exemplo, Einstein teria predito que o decréscimo populacional de abelhas no Hemisfério Norte seria um indicador de uma catástrofe ambiental e alimentar pois são as abelhas que respondem por 80 % da polinização de tudo que é vegetal acima do Equador ( se esses dados são válidos nem discuto). Pois bem: a população de abelhas acima do Equador despencou nos últimos dez anos e a continuar neste ritmo, haverão pouquíssimas em 2012.
Há a questão da mudança rapidíssima do polo norte magnético da Terra. Este pólo norte nada tem a ver com o Pólo Norte Geográfico. Mas era próximo, tanto que as bússolas guiaram todo mundo por muito tempo sem muitos erros grosseiros ( talvez tirando o de Colombo, que pensou estar na Índia quando, na verdade, estava passeando pelo Caribe ). E agora não está mais tão próximo assim. Disto sou testemunha e posso assegurar. Comparando uma boa bússola náutica e um aparelinho de GPS, no Rio de Janeiro, a diferença entre os dois já passa de 22 graus. Ou seja, quem olha uma bússola magnética e acha que achou o Norte, na verdade achou uma vila que fica entre Vancouver e o Alaska. E daí vem umas teorias que dão conta de que o teimoso polo norte magnético resolverá parar de passear e dará um salto, trocando de lugar com o polo sul magnético. E isto seria o fim do mundo, ou algo muito perto disto. O cálculo para isto acontecer aponta o mesmo ano de 2012.
Realmente, parece que, desta vez, depois de tantas previsões de fim dos tempos, há um acordo mais amplo entre religiosos de todas as orientações, místicos, cientistas, historiadores, curiosos e compradores de publicações espetaculosas. O fim do mundo será mesmo em 2012.
Não é mesmo um terrível motivo de preocupação ?
Eu estou muito preocupado. Afinal, tanta gente inteligente e sabedora de informação privilegiada está de acordo, porque eu que não estudei nada sobre o tema não deverei ficar também ?
Talvez porque esteja preocupado demais com a degeneração de valores de nossa sociedade, com as desigualdades entre ricos e pobres da Europa e da África, por exemplo. Porque estou preocupado com a falta de ética e de um mínimo de senso de coletividade de quase todos os membros de nossa classe política, porque Hugo Chávez aos poucos instala um regime neo-nazista pertinho daqui, com apoio do governo do meu país e isso me preocupa muito. Porque me preocupo demais com o que e como vamos deixar estas coisas para nossos filhos e netos. Enfim, porque minhas preocupações não estão baseadas em ligações complicadas entre arqueologia, religião, estatísticas parciais e pouco ilustrativas. Não são preocupações que vem de deduções elaboradas e elocubradas. São quase constatações.
Constatações simples, como ver uma publicação de grande circulação colocar o tema como matéria de capa, quando para mim , existem coisas muito mais sérias, que afetam o dia seguinte de todos nós e que mereciam ter espaço sim em capas de revistas, de jornais, de livros, de forma que se torne informação útil, que possa se traduzir em movimento contrário, em conscientização de problemas nos quais podemos interferir, tanto no comportamento diário, quanto na conduta geral, como na hora de pagar o imposto e escolher o seu candidato a qualquer cargo eletivo.
Por isto estou extremamente preocupado. Simplesmente porque o mundo não vai acabar em 2012. Há muito trabalho e muito estudo para ser feito para que tratemos disso como coisa séria.
Estou preocupado com balelas, com cataclismas que nunca acontecem. Eu habito a Terra há 47 anos. Já vi umas cinco previsões firmes de fim do mundo. Provavelmente, na história do homem depois de inventada a escrita, das primeiras civilizações, de uns 10.000 anos para cá, o mundo já teria acabado umas quatrocentas vezes.
Não me empulhem com esse assunto. Para mim a pauta do dia é outra.
Isso sim, para mim é o fim do mundo.

sábado, 17 de outubro de 2009

Viajar e conhecer lugares

Por dever de ofício em 90 % das vezes, e a turismo em 10%, tive a oportunidade de conhecer o Brasil quase todo. Curiosamente, só me faltam no currículo dois destinos bem turísticos: Natal e Fernando de Noronha. O resto, pelo menos por 24 horas eu já estive. Desde vilas ribeirinhas isoladas do mundo na mais remota Amazônia até cidades de fronteira com o Uruguay onde se atravessa a rua desavisadamente e, pronto, saiu do país!
Mas, isso não importa nada. Cada vez que viajo continuo observando e aprendendo os costumes de cada local. E vendo novidades, e procurando alguma coisa para comprar no local que seja ao mesmo tempo original  e me lembre da minha passagem por lá. E, principalmente, me lembre do que gostei e do que me incomodou.
E, recentemente, viajei bastante pelo interior dos estados de São Paulo e Minas. Já tinha ido várias vezes. Fui sem expectativas. Mas, no fim das contas, cheguei à conclusão que, para uma pessoa que passa a maior parte de seu tempo em uma área pequena da cidade do Rio de Janeiro, sempre há o que conhecer e, sobretudo, aprender.
As paisagens tem sua importância, naturalmente, mas nada como observar as pessoas, hábitos, comidas, costumes,  e detalhes que formam o que chamo de micro-culturas, se apropriadamente ou não, deixo para o semânticos de plantão.
O interior de São Paulo, por exemplo não pode ser agrupado em uma coisa só. Ribeirão Preto e Bauru podem ser até parecidas, mas a coisa toda funciona completamente diferente num lugar e no outro. Explico melhor: há diferenças de sotaque, a atividade econômica predominante impõe costumes e atrai pessoas de formação e lugares distintos, alguns nomes de pessoas são mais comuns em um lugar e outros nomes em outro, enfim, há um "jeito" de ser distinto nas duas cidades.
E entre Ribeirão Preto e Barretos, que estão separadas por uma hora de estrada, também. A primeira é sucro-alcoleira, a segunda, pecuarista. Ribeirão tem uma dinâmica própria. Barretos tem uma vida no ritmo dos eventos. E quis o destino que eu estivesse nestas duas cidades justo na semana da Festa do Peão Boiadeiro 2009, de Barretos, considerada a maior do mundo. Muita gente vai para a festa a partir de Ribeirão. Quem faz isso, normalmente chega de avião, vem em família, tem um poder aquisitivo maior.
Conforme Barretos fica mais próximo, o pessoal que vai para a festa muda. Mais ônibus de turismo, mais  gente jovem, pessoas que chegam para acampar, aventureiros, viajantes de moto, caroneiros.
O pavilhão onde se realiza a Festa é um capítulo à parte. Não dá para descrever em poucas palavras. Primeiro, porque é realmente muito grande. Segundo porque a festa não me pareceu ter um caráter único.    É tradicional, é rural, mas também é americanizada. É grandioso, mas é kitsch. Tem coisas muito interessantes e outras absolutamente sem sentido algum, como três touros clonados do legendário touro "Bandido" (aliás, há um memorial ao dito cujo, tão bonito quando o de Portinari, que nasceu na vizinha Brodosqui, e na minha modesta opinião merecia mais homenagens que qualquer touro) e uma estátua gigantesca do peão que seria o fundador e mentor do Rodeio e  de quem esqueci o nome completamente. Prova que tamanho de estátua não é documento.
Mas, o saldo final é muito positivo. A Festa é realmente um evento que devia ser visto e presenciado pelo menos uma vez na vida por todos os brasileiros. As pessoas que estão lá estão alegres, dançando, vibrando com os cavalos, touros e montadores.
Mas depois, quando se sai do Pavilhão, a impressão é a de voltar para um Brasil mais real.
Como também impressiona a realidade do Sul de Minas. Recentemente, passei sete dias viajando por várias cidades da região. Fiquei baseado em Varginha. Ali, concluí que não se deve confundir um tricordiano ( natural de Três Corações) com um varginhense (natural de Varginha). Vi que a complicada história ( ou estória) do ET de Varginha tem duas facetas. Uma, de ser utilizada como atrativo para a cidade. Tem uma praça com um boneco de um suposto ET verde e uma torre com um disco-voador em cima. Mais mau gosto impossível. E outra faceta, a de que os habitantes levam a coisa no maior espírito esportivo.
Descobri também que, com toda a simplicidade das pessoas do interior mineiro e com uma velocidade para fazer as coisas muito própria também, há uma ótica em Varginha artesanal que salvou um par de óculos que me custou os olhos que eles teoricamente deveriam ajudar a enxergar melhor, mas que quebrou de repente. Nesta ótica, um senhor muito idoso examinou as lentes por muito mais tempo que eu gostaria. Me mostrou umas 38 armações novas diferentes para tentar recortar e encaixar as lentes. Resolvi deixar as lentes, caríssimas, e apostar no trabalho do velho, atencioso, mas muito lento ( pensava eu) fabricante de lentes e óculos. Ele me pediu duas horas para o serviço. Não acreditei. Mas ele fez e fez um trabalho belíssimo. Como uso lente multifocal, se ele recortasse errado, era pegar o par de óculos, testar e usar ou jogar fora. Ficou melhor que na armação anterior, feita numa ótica bacana do centro do Rio.
Observei também as meninas. Muitas, bonitas mas deselegantes nas roupas, no andar, na maquiagem. Lembrei até do verso de Caetano para as mulheres e São Paulo ( "...da deselegância discreta de tuas meninas"). Mas, quem sou eu para julgar isso ? O forasteiro era eu. Aos olhos dos locais, o deselegante deveria ser eu. Talvez esquisito como o ET da praça de Varginha.
Como o deslocado em Barretos era eu.
Como, quando vou a Manaus, ouço sempre as lendas de botos, iaras, amazonas e me contenho quando alguma explicação parece sobrenatural demais. Lá, eu sou o sobrenatural. Sou eu que não compreendo o óbvio da vida ribeirinha.
Como, quando vou ao Rio Grande do Sul, aceito o chimarrão e como carne de ovelha.
Para mim, viajar e tirar fotografias não é o mesmo que viajar. Atualmente, eu tenho que conviver com as pessoas dos locais para poder dizer que realmente conheci o lugar.
Em uma dessas situações meio complicadas de explicar, certa vez me vi na cidade sérvia de Novi Sad. A guerra da Bósnia, ali do lado, estava a toda. No total, passei umas quatro horas na cidade e, depois embarquei num avião e nunca mais voltei. Vi a cidade nas margens do Danúbio, vi um imponente castelo, mas haviam, por todos os lugares, soldados sérvios de 2 m de altura e barbas por fazer. No ano passado um amigo meu esteve nesta cidade e me mostrou as fotos. Vi o Danúbio e vi o castelo, iguais. Mas vi uma foto com uma praça cheia de gente, com mesinhas espalhadas, e restaurantes abertos. Conclusão: eu não conheci Novi Sad.
E quando vou para algum lugar, atualmente, mesmo que já tenha ido, vou com espírito de primeira vez.
É mais divertido.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Blog e embromação

Pronto. Chegou o momento que eu temia. Tenho que atualizar o Blog, mas lamento profundamente que não tenho absolutamente nenhum assunto em mente - "assunto em mente", "assunto e mente", "mente, mentira"...poderia ser um início lacaniano, mas acho esse sujeito um porre - então vai ser uma enrolação só. Espero apenas que o estilo pouco formal e bem mais descontraído o que último texto que publiquei seja lido pelo Tutty Vasques e ele me chame para seu assistente.
Pensei em falar sobre verdadeiras provas olímpicas que os cidadão cariocas já são obrigados a cumprir todos os dias, mas o jornal "Extra" saiu na minha frente. Com trem parado, metrô funcionando mal e muita chuva, ontem e hoje tivemos material de sobra para concluir que os cariocas são decatetlas. Correm, pulam,  socam o do lado, são socados, se equilibram, enfim, cumprem tarefas de gincana para a simples atividade de chegar ao trabalho. Até 2016, o carioca terá muito tempo para treinar
E Herta Muller ganhou  Nobel de Literatura. Sensacional, não ? Ela só tem um livro traduzido para Português. Há un frisson nas rodas literárias do país. Comenta-se muito o que ninguém leu. Mas o pior foi alguém achar que o Paulo Coelho poderia ser premiado...ele estava na comitiva das Olimpíadas, em Copenhaguem e ficou por lá mesmo, já que o prêmio é anunciado em Oslo e/ou Estocolmo. Seria a tríplice coroa. Paulo Coelho ganhou a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Nenhum escritor nunca conseguiu os três títulos em menos de um ano.
E os prazos do Zelaya e do Micheletti ? Mudam todo dia !!! A Embaixada do Brasil em Tegucigalpa vai acabar sediando um encontro amoroso.
E o Obama com sua popularidade despencando ? Daqui a pouco, o McCain vira a voz da razão !!!
George Bush, o pai e Michael Jackson (post-mortem, naturalmente) podem ser os laureados com o Prêmio Nobel da Paz. O Bushão deve ser por ter controlado um pouco o filho e evitado o pior. Não consigo ver outra razão. Já Jacko deve ser por "We are the world", que já foi gravado há mais de 20 anos. Só pode ser também. Pelo resto do que fez, não deve ser.
E chega de enrolação. Espero estar mais inspirado na próxima atualização.

Dicas para a Primavera, ainda em tempo:


- Daqui a dois dias, regatas do Ciaga e Escola Naval, para todas as classes de Vela, até radio-controlados. A Escola Naval reúne o maior número de embarcações num único evento na América Latina.
- Curtir uns petiscos à espanhola e comidinha japonesa no Tapas & Japa, na Barra. Na terceira transversal da Olegário Maciel, entre à direita e onde tiver um barzinho é ali mesmo. Além dos petiscos e dos japinhas bem feitos, tem a simpatia do Malibu, o dono, velho amigo e grande figura.
- Shows do Exalta Rei, que se lançou no Carnaval carioca deste ano e bombou. Os shows são impagáveis, com as músicas do Roberto Carlos em ritmo de samba e uma super-improvável combinação Bohemian Rhapsody do Queen, com Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos...por vezes cantada em...japonês. Dispensa maiores detalhes.

domingo, 4 de outubro de 2009

O segundo convite, mas este é com RSVP

Já habito a Terra há algum tempo. E, na maior parte deste tempo, no Brasil. E confesso que nunca havia visto um sentimento de orgulho pelo Brasil e pelo Rio tão disseminado e com poucas divergências como foi a escolha da cidade como sede das Olimpíadas de 2016.
Na minha opinião, pouco estudada, mesmo deixando passar 48 horas da escolha para tentar entender um pouquinho do emocional da coisa e lendo algumas publicações que já abordaram o assunto, concluí que há um simbolismo por trás desta escolha. Há um convite. Um convite para o Brasil mostrar para o mundo os pré-requisitos para ingressar no que antigamente era chamado Primeiro Mundo. Para o Brasil mostrar sua alegria, receptividade, o bom clima do Rio de Janeiro, as paisagens espetaculares, enfim, coisas que sabemos. Mas, para além disso, mostrar seriedade, mostrar uma sociedade mais justa, tentar encontrar soluções para os cinturões de pobreza e o caótico transporte público. E, principalmente, passar por cima das brigas politico-partidárias, já que até 2016 haverão duas eleições gerais e duas municipais.
A estabilidade política do Brasil foi necessária para sustentar a candidatura. Sua evolução também o será. A tentação de transformar Olimpíada e Copa do Mundo em ítens de campanha é enorme. Até aí, vá lá. Mas se o viés começar a dar impressão de "Jogos Bolivarianos", ou os "Jogos dos Trabalhadores", ou os "Jogos dos Excluídos", ou como uma versão única do já muito chato e pouco importante "Forum Social" que é paralelo ao Forum de Davos...hmmm...sei não.  Hitler usou as Olimpíadas como propaganda. Os acochambrados Jogos de 1948, em Londres, foram, na prática, a celebração da vitória na guerra. Os Jogos de Moscou e Los Angeles, em 1980 e 1984, viram seu brilho embaçado por boicotes causados pela "guerra fria". Foram edições que ficaram claramente empanadas pelo conteúdo político que circunstanciou um evento que deveria ser só esportivo.
Mostrar ao mundo que o Brasil é capaz de iniciar a trilha de um crescimento sustentado, com distribuição de renda mais justa, com redução da violência nos grandes centros e, principalmente, a um nível de custos que não seja pornográfico, e, durante os Jogos deixar correr no tradicional clima praieiro-festivo do carioca, sem politizações, seria o salto triplo olímpico ideal.
Para mim, o recado foi claro. Vocês querem e acham que podem fazer Copa do Mundo e Olimpíada em dois anos ? Pois bem, concordamos, mas estaremos de olho se podem mesmo. E, se bem sucedidos, bem-vindos ao grupo de liderança mundial.
Frio assim ? Frio assim !
Porque lembro do início da década de 70. A geopolítica era outra, o governo era uma ditadura militar apoiada pela Otan. Havia um incipiente e pouco preocupante movimento guerrilheiro. Apesar da ditadura, o clima era de tranquilidade geral. Os indicadores eram de país pobre, agrário, sub-desenvolvido. Mas o Brasil exibia índices de crescimento exorbitantes. A classe média crescia, o brasileiro já não achava Paris um local para embaixadores e meia dúzia visitarem e depois contarem, orgulhosos, como foi a noitada no Moulin Rouge. Em 1972, o Brasil foi apontado como uma das forças econômicas da década seguinte. Naquela época, imaginar Rússia e China adeptas do livre mercado era coisa para doido mesmo. O Brasil seria um dos "grandes" do mundo capitalista, apesar de uma economia estatizante.
O historiador Eric Hobsbawn várias vezes insinuou não entender bem porque a América Latina não conseguia traçar a trajetória de modernidade da Austrália. Além da cultura européia, a América Latina teve uma rara miscigenação de raças, tem recursos naturais, teve centros de estudo entre os melhores do mundo. O que estava diferente ? Buscou no modelo oligárquico dos colonizadores ibéricos uma explicação. Como este flagelo perdura até hoje no Brasil, botar a conta neste problema é o caminho mais fácil. Mas ter um povo de índole ovina complementa a vocação da pobreza e do atraso, e isso é mais complicado analisar.
Mas, enfim, até 1973 o Brasil viveu um convite para a elite ocidental. E, então veio o primeiro choque do petróleo, recessão nos Estados Unidos, crise de liquidez e o "plano Marshall" silencioso para a América do Sul minguou. Na abertura da Copa do Mundo de 1974, o Brasil teve papel especial. Bem, era o campeão do mundo de futebol, mas o tratamento foi VIP, inclusive com a eleição improvável de um brasileiro para a Presidência da FIFA. Mas o governo ditatorial não soube reagir às mudanças na economia, fingindo que tudo ia bem, como convem aos regimes de força, e aos poucos, submergiu, encontrando seu fundo de poço no governo de João Figueiredo. Foram anos de vergonhas nacionais, cujo maior símbolo talvez tenha sido o roubo da Jules Rimet, derretida. Perdemos este convite.
Depois, o modelo econômico e político brasileiro foi para o brejo. Inflação alta, protecionismo exagerado, meios de controle de imprensa. Lembro com vergonha de ter que viajar pelo mundo com um maço de dólares ou francos suíços e os "travellers checks". Nada de cartão de crédito internacional. E ainda teve um período em que, se você quisesse viajar havia um depósito compulsório alto, restituído sabe-se lá quando. O Brasil se isolou.
Nossa redemocratização foi no mínimo engraçada. Primeiro numa eleição indireta, cujo eleito morreu e assumiu o vice que era o presidente civil do partido dos militares ! O sujeito, com seu vasto bigode, bem que tentou, mas mergulhou o Brasil num regime inflacionário que era motivo de piada no mundo todo...depois, a campanha baixa de 1989, que resultou num presidente que foi apeado do Poder dois anos depois. Ou seja, nossa estabilidade é recente, e como um adolescente, ainda carregada de hormônios novos, defesas ideológicas apaixonadas e tentações imediatistas.
Mas, sem entrar no mérito de quem fez ou quem não fez, o fato é que o Brasil de 2009 está se jogando na área, para, no caso de um pênalti, converter-se em liderança mundial. As coisas conspiram a favor. O Presidente tem carisma e apoio popular. A crise de 2008 foi uma cacetada nas economias do eixo central ( EUA, Japão, Europa, tigres, onças e assemelhados, e os "novos capitalistas" do Leste Europeu). A China vai bem, obrigado, e dos que aumentam sua importância no cenário mundial, o Brasil saiu  fortalecido. Indicadores da economia vão, com cuidado, melhorando. O Brasil vem com relativo sucesso sediando eventos internacionais, tanto esportivos como políticos. Por aqui, a violência é urbana e mesquinho-capitalista, não tem nada de ideologia política, o que minimiza o problema do terrorismo. Enfim, as condições estão aí.
E, na última sexta-feira, 2 de outubro de 2009, o Brasil caiu na área e foi dado o pênalti. Para ser gol, precisa ser bem cobrado. Não há espaço para discursos de desculpas. Se o pênalti for perdido, a torcida não vibra. Ninguém gosta.
Sendo assim, além do que precisa ser feito diretamente para sediar uma Olimpíada, os brasileiros precisam entender o que significa ter um IDH ruim. Precisam saber quantos analfabetos ainda temos. Qual o montante de dinheiro lavado em coisas escusas que permeiam o noticiário. Porque não há nas grandes cidades ( com a provável exceção de Curitiba) um planejamento urbano mínimo, com transportes de massa decentes. Porque a Baía da Guanabara continua poluída. Enfim, cabe aos governantes atuais e que vierem até 2016 trocar a retórica do "tudo vai bem" pela da realidade constatada, e o ataque claro aos problemas de raiz e não aos sintomas.
Porque a Olimpíada traz essa responsabilidade ? Pois, na minha visão, é um convite para entrar no Country Club. Desta vez, sem a motivação da política bipolarizada capitalismo-comunismo da década de 70. Desta vez, a opinião de todos os habitantes da Terra, com exceção dos brasileiros, dependerá dos sinais que o Brasil der.
Afinal, de que vai adiantar sediar tantos eventos de Primeira Divisão se continuarmos jogando como país de Segunda ?
O convite para o Brasil na década de 70 ficou sem resposta e quem convidou também não se importou. Agora é diferente, fomos convidados e temos que confirmar que podemos ir à festa.
E, deixando claro, não se trata de copiar modelos ideológicos, políticos, econômicos. Ou se engajar num receituário de um clube fechado. Trata-se de colocar a ética em tudo na pauta do desenvolvimento. Ética, etiqueta, como responder a um convite com RSVP, e claro, comparecer.

domingo, 27 de setembro de 2009

A primavera nos ensina. Aproveite !

Começou a primavera. Depois de uma friaca que há muito não se via no Rio de Janeiro, e por isso acho que carioca não acredita em efeito-estufa, há esperanças de tempos melhores. Este primeiro fim-de-semana que está acabando hoje foi um belo presentinho de São Pedro. Mas, estive pensando como esta estação promete e segue umas dicas, muito pessoais, de como aproveitá-la.
Pode ser que se o Rio for escolhido como sede olímpica de 2016,  o que será conhecido no próximo dia 3 de outubro, a primavera seja naturalmente muito festiva. De cara, a Prefeitura e o Estado já declararam ponto facultativo e programam muita festa no dia.
Como não costumo contar com ovo que ainda não saiu da galinha, ignorarei solenemente o dia 3 e o que poderá se suceder a partir dele, seja alegria ou tristeza. Então vamos ao que acho que merece ser feito antes do calorão do verão, das festas de fim de ano, e de 2010, que como se sabe, não terá primavera, pois coincidirá com o período de eleições.

Esportes Náuticos - Vou tomar a liberdade de incluir o surfe. A estacão promete períodos de mar grande, para felicidade dos surfistas. Deve rolar uns dias bons para tow-in, como foi hoje e como foi ontem. Também devemos ter períodos de terral. Os points tradicionais, tipo meio-da-Barra, Macumba e Prainha são as dicas. Para kite surf, é a estação de ventos variáveis, mas vai ser possível empinar a pipa quase todo dia, com um pouquinho de paciência, depois de 14:00. Para a Vela, calendário cheio: Regata do Ciaga e da Escola Naval, chegada da Santos-Rio e circuito Rio. Da metade de novembro em diante, começam as regatas festivas e de fim de ano. Para quem só curte passeio, vai a dica: observe a Baía da Guanabara e se pergunte: porque não despoluem logo isso aqui ?
Para os da Pesca, na primavera começa a alternância de correntes de águas quentes e frias e aumenta a variedade de espécies de peixes. Para quem gosta de barco a motor, passeios às Cagarras e Tijucas. Atenção às ondulações, principalmente embarcações pequenas e jetskis. Começa a ficar bom para planejar esticadas a Angra.

Happy-hour na Orla - Bom demais, seja no quiosque de sua preferência ou na varanda de um clube. Bate-papo com amigos na varanda do Iate Clube ou do Marimbás ou, atravessando a ponte, no Sailing e no Jurujuba, ou na Marina da Glória, pertinho do Centro, são meus locais preferidos, com os barquinhos dando o tom de bucolismo e tranquilidade.

Paineiras e Vista Chinesa - Estação ideal para caminhadas ou pedaladas nas Paineiras e subir a Vista Chinesa. Lá em cima fica mais fresco - no bom sentido, claro - e tem as duchas e as cachoeiras. E o visual sem igual.

Mulheres de Chico - As componentes se auto-intitulam como um "bloco". Para mim, é mais que isso. Trata-se de um conjunto bem afinado centrado nos arranjos de percussão, só de (belas) mulheres, com repertório selecionado do Chico Buarque. O alto astral é certo, e para os ouvidos mais apurados vale a pena ver o que as moças fizeram com músicas como "Tanto Mar", "Roda Viva" e "Construção". A agenda delas é cheia. Consulte o site www.mulheresdechico.com.br.

Tocar um instrumento - Nunca é tarde para aprender a tocar um instrumento. E, se for de percussão, consulte a programação de cursos e clínicas da Maracatu. O espaço fica em Laranjeiras, na rua Ypiranga. Veja o site www.maracatubrasil.com.br. Você poderá até pensar em ser ritmista no próximo Carnaval.

E se chover ? - E não se iludam, porque teremos fins de semana de chuva. Se a opção for ficar em casa, a dica é se associar à Super Video. A locadora tem duas lojas na Zona Sul do Rio de Janeiro: uma em Ipanema e outra no Humaitá, garantindo cobertura de leva-e traz do Flamengo à Gávea. Tem de tudo: lançamentos, filmes-pipoca, filmes-cabeça, filmes de autor, raridades, blu-ray e ainda "aluga" curtas nacionais gratuitamente. Informações no site www.supervideobrasil.com.br.
Outra opção é reunir amigos, fazer uma vaquinha e comprar um monte de coisas para comer no Talho Capixaba, no Leblon, ou em algumas lojas dos supermercados Zona Sul , como a da Dias Ferreira, a da Praça General Osório, a do Leme e a do Parque das Rosas.

Calçadão e ciclovias - Dia 19 de outubro começa o horário de verão. Aproveite a malha de ciclovias, do Santos Dumont ao Pontal, incluindo Lagoa e algumas ruas de Copacabana e Botafogo, e saia no horário do trabalho e dê uma pedalada. Se o negócio for andar, ande, e se for correr, corra. Além de saudável ( aliás, os cariocas não valorizam o fato de terem em sua orla o ar menos poluído de qualquer cidade com mais de 5 milhões de habitantes do mundo !), dá para ver e ser visto. Mas respeite as regras porque ultimamente as ciclovias estão virando terra de ninguém, de tanto abuso.

Off-Rio - Búzios e Angra valem se o cidadão estiver disposto a sair em horários esquisitos ou tolerar engarrafamentos. A Serra é a melhor pedida, antes que tudo fique tomado e reservado pelas férias de verão. Se você tem um carro bom de tranco, vá a Visconde de Mauá e ao Parque da Bocaina. Em Mauá não deixe de visitar o Alcantilado e na Bocaina, o Vale dos Veados. Se seu caso é ficar um pouco menos escondido e com acesso mais fácil, Itaipava e o trio Mury/Lumiar/São Pedro da Serra são as dicas. Em Itaipava, se esbalde nos restaurantes. Em Mury, idem. Em Lumiar e São Pedro se informe sobre as cachoeiras e os roteiros de aventura. Uma dica para os mais animadinhos é o Parque Estadual de Ibitipoca, perto de Juiz de Fora, com sua paisagem única e trilhas dentro, eu disse, dentro mesmo, de riozinhos do parque.

E aproveite a Primavera. Que como disse o Beto Guedes, "abre a janela do meu peito, porque a lição sabemos de cor, só nos resta aprender"...

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Zelaya e a falta de zelo

Em 28 de junho deste ano, escrevi aqui mesmo sobre a mudança abrupta no comando do Executivo de Honduras.
Me surpreendi ao reler o que tinha sido escrito. Na minha opinião àquela época, o assunto era merecedor de muito pouco interesse da opinião pública, mas eu, de alguma forma, havia me interessado. Na época li sobre a História de Honduras e cheguei a analisar dados da sua economia, de sua balança de pagamentos e de sua balança comercial. Concluí que um país tão pequeno, cuja população tem 45 % de jovens menores e 15 anos, e tão dependente dos Estados Unidos economicamente não poderia ter sido o cenário de um "golpe de estado" tão limpo quanto foi o afastamento de Manuel Zelaya do poder. Senão, relembremos: o tal Zelaya, à margem da Suprema Corte e do Legislativo, resolveu sustentar um plebiscito sobre a extensão do mandato presidencial, fato que não foi bem aceito nem pala Suprema Corte e pelo Legislativo, o que parece bastante óbvio, mas recebeu também a oposição das Forças Armadas. Pois bem, com o impasse criado e com o Presidente Zelaya descumprindo visivelmente o rito constitucional do País, um grupo se articulou e, em vez de mandar o Zelaya desta para melhor, como costuma acontecer na América latina, resolveu exportá-lo compulsoriamente para a Costa Rica. Sem uma gota de sangue derramado sequer.
Algum tempo depois, atendendo a apelos de Hugo Chávez e da condenação que o "golpe" recebeu da OEA é que começaram os distúrbios em Honduras. Zelaya foi recebido em alguns países. Inclusive no Brasil.
E então a história começou a despertar interesse por aqui.
Mas eu jamais poderia imaginar, em 28 de junho, que o Brasil se envolveria de forma tão intensiva, controversa e central em um imbroglio em um país pequeno e distante, que deveria despertar interesse menor ou pequeno na geopolítica racional de um governo brasileiro. Nem em meus piores pesadelos imaginaria que o que escrevi até com ironia tinha o profético tom de causar o embate ideológico que se sucedeu e culminar com a estapafúrdia situação atual. Senão, mais uma vez, relembremos: Zelaya, já na Costa Rica, recebeu primeiro o apoio incondicional do alucinado Hugo Chávez, e depois dos líderes adeptos da "democracia direta", o inca equatoriano e o bugre boliviano. Uma adesão pouco prudente e estranha, a da presidente do Chile, Michele Bachelet, depois veio o anúncio da OEA condenando o golpe, aí sim entrou em cena o Brasil. O retrado da entrada do Brasil no clamor internacional pode ter sido só resultado do caráter semanal do badaladíssimo programa de rádio "Café com o Presidente". Mas o tom do Brasil foi duro. Depois vieram os países do Primeiro Mundo, mais exatamente França e Estados Unidos, com manifestacões tímidas.
Bom, lamento profundamente dizer que todas estas manifestações estavam inundadas de salvas à democracia, mas vazias em conhecimentos básicos sobre o caso hondurenho. Primeiro, Zelaya é um populista, adepto da ideologia da democracia anti-democrática em voga no hemisfério, e pesavam sobre ele denúncias de corrupção e perepetuação no cargo. Em segundo, porque o bigode e o chapéu dele formam um figurino que é impossível associar a alguém normal. Em terceiro, porque manobrava para driblar a Constituição. Em quarto, porque ele se isolou dos dois outros poderes tradicionais da República, o Judiciário e o Legislativo. Em quinto, porque ameaçou as instituições todas com a elite da Polícia. E em sexto, porque a Constituição hondurenha, por mais esquisita que seja, prevê a remoção do Chefe do Executivo em caso de descumprimento de duas decisões da Suprema Corte, como Manoel Zelaya se achou capaz de fazer. Então, cabe a pergunta: foi golpe ?
Mas vá lá, o rito hondurenho é sumário demais. Para comparar, Collor teria perdido o timão do navio em duas semanas, se fosse hondurenho e, por aqui, só foi posto no bote salva-vidas uns meses mais tarde. E ninguém achou anti-democrático.
A ignorância então pareceu dar lugar ao casuísmo ideológico lulo-bolivariano. Afinal, Zelaya joga no time de Lula, de Chávez, de Morales, de Kirchner, do Ortega, do Correa. E ganhou visitas com status de chefe de Estado em todos este países, inclusive em Brasília.
Tentou voltar à Honduras uma vez. Ficou no Posto de Fronteria.
E tentou uma segunda, aparecendo na embaixada...do Brasil !!!
Agora que a coisa está esquentando é que resolveram analisar o caso com mais calma. Mas agora é tarde. E o mais triste de tudo: o Brasil  ocupa posição central e dúbia na questão. Afinal, o sujeito é hóspede da embaixada brasileira em Tegucigalpa.
Alega-se que Zelaya está asilado na Embaixada. Mas quem é idiota de acreditar nisto ? Asilo é matéria difusa no Direito Constitucional e no Direito Internacional. O cidadão que pede asilo em uma representação diplomática estrangeira, o faz porque não reconhece que suas garantias pessoais estão sendo respeitadas pela autoridade de seu país e nascimento. Mas cada caso é um caso. Um "serial-killer", um traficante ou um pedófilo, pode se sentir assim e pedir asilo, o que não quer dizer absolutamente que esteja certo. O Cesare Battisti, por exemplo: era militante do falido PCB italiano, e em sua ideologia cabia a praxis de atentados que subtraíam vidas de pessoas que nada ou pouco tinham a ver com o diálogo político. Ele merece a condição de refugiado político no Brasil ? Certamente não. Seja lá o que for decidido no Supremo, ele sabe, eu sei, o Tarso Genro sabe, e a Itália toda sabe que o sujeito matou gente.
Mas voltando ao Zelaya, asilado do quê ? De ter tentado entrar num país que, apesar de exótico, o inclui na pauta de exportações com pleno respaldo constitucional e com rara convergência de interesses, de tão fulminante que foi ? Mais uma vez, eu sei, o Lula sabe, o Zelaya sabe e todo mundo sabe que a forma certa era obter o respaldo da comunidade internacional. E ele estava conseguindo !!!
Voltar ao país parece pouco oportuno e, sobretudo, pouco patriótico, pois o confronto seria certo. Era óbvio que sua volta mergulharia Honduras numa confusão só. E o Brasil, salvo maiores explicações, parece ter patrocinado o tumulto !!!  Sinceramente, eu sei, o guarda da Embaixada brasileira sabe e o Amorim sabe que o sujeito não apareceu disfarçado, às duas da manhã, tocando a campainha da Embaixada e avisou pelo interfone:
- Hola, que tal ? Acá es Zelaya ? Tienes abrigo ?
E a porta se abriu e ele entrou.
E agora a batata assa à hondurenha. E está claro que o Brasil sozinho não resolve.
Ou seja, o asilo do Zelaya é questão de zelo. Ou de falta dele.

sábado, 19 de setembro de 2009

Uma pequena raridade em casa

Em uma noite de maio deste ano, estava a trabalho em São Paulo e não tinha nem programa nem disposição para sair à noite. Combinei então com um amigo de nos encontrarmos em horário de Jornal Nacional, comer alguma coisa, jogar conversa fora e, para unir útil ao agradável, num shopping, onde ele poderia substituir um celular avariado, e onde eu desejava ver uma lojinha de modelismo que já conhecia há tempos.
O acervo da lojinha estava muito fraco. Mas o balconista me ofereceu duas peças de colecionador que estavam em consignação. Eram duas miniaturas de carros pilotados por Ayrton Senna em sua carreira.
Depois da morte de Senna, duas fábricas de miniaturas européias lançaram coleções completas de todos os carros que Senna pilotou em vida, até karts.
Fui apresentado então a uma Williams antiga onde Senna fez seu primeiro teste na F1 em 1983 e a um Porsche 956 preto e amarelo. O Porsche me chamou a atenção. Desconhecia o fato de Senna ter pilotado protótipos do tipo Le Mans. Desembolsei a grana pedida pelo colecionador, digamos que tenha sido 10 contos de réis, e levei a miniatura.
Fui pesquisar sobre a história desta aparição estranha de Senna na categoria protótipos. Muita gente diz muita coisa. Juntei mais de dez fontes e concluí que as coisas aconteceram mais ou menos assim.
Em 1994, Senna era um novato na F1 e estava na Toleman. Foi o ano da célebre corrida submarina de Mônaco, que Senna ganharia caso não tivesse sido suspensa. Ele já era um fenômeno reconhecido, pela carreira na F-3 inglesa, mas duvidava-se de sua rápida afirmação na F1, que contava com um esquadrão de feras como Prost, Lauda, Piquet, Rosberg e o ascendente Mansell. Para completar, no início da temporada, Senna mostrou-se franzino e despreparado fisicamente para um longo GP num carro de ponta ( Senna percebeu isso rápido e tornou- se uma referência no preparo físico para pilotos de Grande Prêmio).
Antes do GP de Mônaco em que ele assombrou o mundo, Senna flertou com outras possibilidades. A primeira delas foi com a equipe Joest de protótipos, hoje a grande equipe da Audi, mas que na época era uma equipe independente da Porsche. Senna recebeu um convite para correr algumas provas pela equipe Joest, sendo que, uma delas, inclusive a tradicional 24 horas de Le Mans daquele ano. Como os calendários atrapalhavam a F1, Senna não podia aceitar.
Até que, logo após o GP de Mônaco, com fama de revelação confirmada, Senna recebeu um convite para participar de um festival da Mercedes-Benz em Nurburgring, que, além de marcar a reinauguração do autódromo teria uma competição com um formato especial: pilotos de várias épocas e categorias correriam duas baterias em Mercedes C190 idênticos. Pois bem: Senna pulverizou a concorrência e faturou o Festival, em cima de feras da F1, de Rallye e da categoria protótipos.
A Equipe Joest então insistiu para que Senna permanecesse mais uma semana em Nurburgring, para disputar os 1000 km, prova válida pelo Mundial. Senna aceitou, pois o calendário permitia e os comentários sobre sua performance o encheram de esperanças de ser bem sucedido nesta categoria também. Para completar, a Joest era a equipe a ser batida naquele ano, tendo vencido com o veterano Henri Pescarolo e Stefan Johansson em Le Mans. E Senna foi convidado para dividir o cockpit do Porsche 956, com número 7, exatamente com Pescarolo e Johansson.
Mas o resultado não foi bom. Largaram em nono lugar e logo após a largada, um defeito no carro o deixou nos boxes por oito voltas. A equipe terminou com um decepcionante oitavo lugar.
Senna disse ter gostado do carro, da potência do motor e da estabilidade em curvas, mas reclamou muito do peso do carro. Nunca mais pilotaria um carro da categoria Protótipo na vida.
Pois foi essa miniatura que adquiri, por curiosidade. O brinquedinho é de uma perfeição inacreditável como as fotos deste Blog ilustram. De quebra, aprendi uma história curiosa sobre este mito do esporte a motor do Brasil.
E, recentemente, fiz uma pesquisa para saber se muita gente tem uma miniatura semelhante. Um colecionador de Portugal me informou que esta miniatura não deve ter sido produzida em número maior que 100 unidades. Como ele divulgou lá para os amigos dele eu não sei, mas há cerca de quinze dias atrás, recebi um e-mail me oferecendo cinco vezes os dez contos de réis que desembolsei. Não vendi. Fiquei satisfeito de ter tido a sorte de ter uma pequena raridade em casa

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A onda das citações

E o Twitter muda os hábitos...
Tem uma verdadeira multidão que está utilizando os exíguos 140 caracteres para exalar aforismos, máximas, hai-kais, pensamentos, citações, reflexões.
E a consequência disto é que pensar muito e dizer pouco voltou a ficar na moda.
De repente, Confúcio, Balzac, Shakespeare, Oscar Wilde, Victor Hugo, Ralph Waldo Emerson, entre outros, estão sendo multiplicados, citados, twittados e até tendo seus direitos autoriais usurpados, posto que há muito pseudo-filósofo de plantão. A banalização das citações só encontra exceção, na minha opinião, em Millor Fernandes, que sempre se expressou assim e o continua fazendo em vários meios de comunicação, inclusive no Twitter.
No meu caso, e isto pode ser visto no meu perfil já há muito tempo, da mesma forma que não tenho talento para textos longos, não tenho vergonha nenhuma de dizer que curti muito mais "Além do Bem e do Mal" do que "A Crítica da Razão Pura". Ou seja, prefiro ideias explicitadas de maneira curta e espirituosa a tortuosos exercícios de retórica, sem tirar ou acrescentar mérito a um ou a outro. Apenas questão de gosto pessoal.
Assim sendo, sempre colecionei citações. Tenho uma prateleira inteira de livros só de citações, desde aforismos de Nietzsche a coisas menos intelectuais como "Sementes de Reflexões". E resolvi preencher este espaço com algumas delas que considero muito especiais, seja pela ironia, seja pela sabedoria ou seja por qualquer outro motivo. Afinal, existem máximas que servem apenas para provocar o raciocínio e a criatividade.

Seja moderado em tudo. Inclusive, na moderação. - Horace Porter

Falsa modéstia é o rabo escondido com o gato de fora. - Millor Fernandes

Amigo verdadeiro é aquele que nos quer apesar de nada. - Sofocleto

A única diferença entre o santo e o pecador é que o santo tem um passado e o pecador tem um futuro - Oscar Wilde

Ordem, contra-ordem, desordem - Napoleão Bonaparte

Consciência é uma voz interna que nos adverte que alguém possa estar olhando - H. L. Mencken

Eu achei que estava errado uma vez, mas estava errado - Lee Iacocca

Inveja é aquilo que sentimos quando um sujeito estea saindo do dentista quando você está entrando - Samuel Szwarc

Ironia é uma forma sutil de ser mau - Berilo Neves

De quantas infâmias se formam um êxito ? - Honoré de Balzac

Perdoar é divino e é um bom negócio. - Gustavo Capanema

Quem não envelhece, morre novo. - Moncelo Almuli

Quem tem hábito de não carregar mágoas, nem se lembra do perdão - Anônimo

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Cotidiano no. 3, no. 4, no. 5...

A versão original

Hay dias que no se lo que me pasa. Eu abro o meu Neruda e apago o sol. Misturo poesia com cachaça. E acabo discutindo futebol. Acordo de manhã pão com manteiga e muito, muito sangue no jornal...
Mas não tem nada não, tenho o meu violão.

Minha paródia

Hay dias que no se lo que me pasa. Eu vejo na internet que não há sol. Misturo tudo sem cachaça. E prefiro o Rubinho num velotrol. Acordo de manhã e iogurte sem colesterol, e muito, muito roubo no jornal...
Mas não tem nada não, estou com o cu na mão.


Peguei emprestado parte de Cotidiano no. 2, de Vinicius e Toquinho. Ficou muito pé-quebrado. Mas não era a ideia chegar ao nível do poetinha. A ideia era a substituição do espírito de conformismo do original pelo susto. Sim, em vez de pegar meu violão, reflito sobre o que está realmente acontecendo no mundo. Está tudo muito louco, desordenado, surpreendente. Os fatos e informações se sucedem, me bombardeiam diariamente e estão me deixando completamente estupefato. Será que há uma conspiração genial e abrangente para subestimar completamente meu discernimento e minha compreensão, e diante de tantas coisas absurdas, simplesmente me assustar e me deixar em estado de torpor por falta de poder de reação ?
Senão vejamos: Belchior sumiu, apareceu e, claro, sumiu de novo. Berlusconi promoveu orgias romanas, sem ser imperador romano e o país onde fica o Vaticano aceita. Na Venezuela, o governo de Chávez persegue órgãos de imprensa, e Oliver Stone faz um filme transformando o esquisito bolivariano em herói. Na Argentina, em plena discussão de um projeto de Lei vital para as já abaladas pretensões do casal K&K, a os fiscais da Receita, em massa, resolvem vasculhar o Clarín, veículo de imprensa referência do país. Rubinho condena Nelsinho por bater de propósito mas se esquece que deu passagem para Schumacher...de propósito. Quem formulou o marco do Pré-Sal, se esqueceu de ver se existe uma empresa chamada "Petrosal" e acha que em 90 dias, coisas um pouquinho mais complicadas que isto deverão estar discutidas. O Senado ultrapassou os limites de falta de nobreza, inclusive com farta distribuição de cartões amarelos e vermelhos e o assunto acabou em duas semanas. O bispo Macedo e sua igreja estão entupidos de denúncias e críticas, mas o Presidente não se sente encabulado ao aparecer do lado de notórios bispos da mesma igreja para introduzir mais uma festa religiosa no calendário oficial do Brasil. Todo os dias, no Rio de Janeiro, tem protesto que começa na Candelária, e termina onde a Polícia resolve baixar o sarrafo. Santa Catarina, que era atacada por furacões vindos do mar, agora é atacada também por tornados vindo da Argentina. Deu onda de 1 m ( honesto) no Tietê. O time do Dunga está jogando bem. O Brasil ia comprar 38 bilhões de dólares em balas dum-dum francesas anunciados em pleno 7 de setembro, mas ainda estuda gastar esta bagatela em garruchas norte-americanas ou armamentos eróticos suecos. O Serra tem 50 % nas pesquisas e o Aécio 10%, mas o PSDB não sabe ainda quem deve ser o candidato. O advogado do Collor aparece degolado, empalado e mutilado, junto com a família toda, e é apenas latrocínio. O Protógenes se filia ao PC do B. O Sarney acha que na internet não deve haver limites para os políticos ( como se tivessem algum...). O Mantega diz que quem não seguir o programa de Lula, depois de seu mandato, "vai apanhar muito". O Rio é favorito para sediar Olimpíadas. Um pombo entrega uma mensagem mais rápido que um e-mail na África do Sul, onde em 2010, deverá ter uma Copa, com vuvuzelas e tudo.
E querem que eu fique calmo...


sábado, 5 de setembro de 2009

Petróleo mal temperado

Em o "Cravo bem Temperado", Bach inovou em composição. Abusou de contrapontos, usou dissonâncias. Isso soava muito estranho na época de vida do célebre compositor alemão. Mas, a informação é introdutória e voltaremos ao Johann Sebastian lá pelo final do texto.
A formação geológica onde recentemente foram descobertas grandes reservas de petróleo alardeadas pela empresa estatal brasileira e pelo Governo Brasileiro foram batizadas de reservas da camada Pré-sal. O nome tem a ver com o posicionamento geológico destas reservas, que ficam em profundidades superiores a uma extensa e insistentemente inconveniente camada de sal que, por sua vez, está em profundidades maiores que as reservas de petróleo já encontradas no Brasil, notadamente na plataforma continental, em alto-mar.
Ao contrário do que dizem, não se trata exatamente de uma benção. Não gosto de Geologia e acho que meus 5,75 leitores também não devem achar interessante o tema. Mas me parece natural que, se essas acumulações de petróleo foram encontradas ao largo da costa da Lulolândia, também devem ocorrer em outros países e lugares. Por exemplo, Angola. Lá tem Pré-sal. No Golfo do México tem também. E em outras situações, descobertas similares devem ocorrer. Se são comerciais ou não, cabe avaliar caso a caso. As do Brasil, ao que parecem, são, salvo uma queda livre dos preços do petróleo no mercado internacional. O raciocínio é simples, e qualquer cidadão que tenha resolvido furar um poço artesiano no quintal de casa, sabe. Quanto mais profundo o lençol de água, mais caro é o poço. E este petróleo do Pré-Sal está bem longe da superfície habitada pelos terráqueos. Então custa mais caro que o petróleo que não está.
Se o preço do petróleo cair, trazer essa benção para a superfície pode perder o caráter divino e se tornar maldição.
Isto dito, de forma pouquíssimo técnica, partamos para relembrar Daniel Yergin, autor do primeiro compêndio histórico e econômico sobre o petróleo, de respeito e isento. Ele publicou seu best-seller "The Prize" em 1982 e ganhou o Pulitzer no ano seguinte. No livro está narrada com precisão de detalhes a história do petróleo desde 1861, ano que marca a introdução do "óleo de pedra" como mercadoria, na Pennsylvania, até a véspera da publicação. Depois foi reeditado e atualizado até o início da década de 90, quando George Bush, o pai, teve uma escaramuça com o Iraque, por causa da invasão do Kuwait, mas ao contrário do filho, alguns anos depois, em vez de varrer o Iraque e mandar desta para melhor a turma de Saddam Hussein, se deteve e lançou uma política de apaziguamento com os países do Oriente Médio.
Yergin nos conta bastidores das manobras que permitiram o desmonte do monopólio da Standard Oil, de Rockefeller. Conta também como Stálin, líder sindicalista georgiano, explodiu tudo na província petrolífera de Baku para contestar o regime monárquico russo, em 1905. Conta também como foi a criação da Opep. Enfim, nos dá o sentido que a história do petróleo é uma história de poder, de guerras, de raciocínios complexos de geopolítica, influências, controles econômicos das nações desenvolvidas sobre as nacões pobres em desenvolvimento e ricas em petróleo.
Pois bem. Logo após a publicação do livro, os preços do petróleo apresentaram uma queda acentuada. O perigeu foi em 1998 e 1999 quando o barril chegou a ser negociado a US$ 12,00.
Daí para a frente, e acompanhado por uma crescente preocupação sobre mudanças climáticas, o petróleo continuou estratégico, mas adquiriu um caráter de "commodity livre" cada vez mais acentuado. Com isto, provocará menos guerras, senão nenhuma, e o estratégico não é mais ser abençoado por Alá para ter grandes reservas.
Os preços passaram a flutuar ao sabor da oferta e demanda, já que os lados fornecedores e compradores, que sempre foram cartelizados, racharam, uma vez que não havia convergência de interesses. A OPEP não conseguia disciplinar seus associados a respeitaram a cotas de produção. As grandes empresas petrolíferas ( sempre acompanhadas da alcunha "'Sete Irmãs", embora o número possa ter variado de 5 a 20, dependendo do critério) começaram uma briga de foice pelas fatias de mercado, e buscaram fusões para sobreviver, como a Exxon e a Mobil, a BP e Amoco, a Chevron e a Texaco, a Repsol e a YPF, a Total/Fina/Elf.
Em 2008 o petróleo atingiu US$ 140, recorde histórico, mas despencou com a surpreendente crise de liquidez a cerca de US$ 35. Deve se estabilizar em torno dos US$ 70 a US$ 100. Mas começa a sofrer fortes pressões por ser o vilão na emanação de gases do efeito estufa. Além disso, seria de uma tolice absoluta supormos que grande economias como a japonesa, a norte-americana, a francesa e a alemã já não diversificaram, ou estão em vias de diversificar, suas matrizes energéticas para não ficarem reféns de hidrocarbonetos. Novas tecnologias limpas e renováveis surgem em velocidade assustadora. E é pouco provável e pouco prudente acreditar que o petróleo terá a mesma importância que tem hoje daqui a uns 30 anos. O petróleo bruto está virando uma "commodity livre" e, em breve, com outras substitutas para competir.
Mas, voltemos ao Pré-Sal. Diante disto, e considerando que o Brasil mudou seu marco regulatório monopolístico e anacrônico ( tinha sido estabelecido em 1953...) em 1997, seria necessária mesmo uma miríade de Projetos de Lei, confusos, estatizantes, que mexem com estruturas que se consolidam há somente dez anos no Brasil, demandam debates legislativos complexos e carregados de ideologias e pouco conhecimento técnico para mudar, de novo, o marco regulatório porque foi encontrada uma nova reserva ? Seria ?
Se fosse uma necessidade absoluta e urgente, seria interessante também, por equivalência de precaução, definir políticas e marcos regulatórios para o uso da energia nuclear, para o desenvolvimento de centros de pesquisas de fontes de energia das marés, de origem geotermal e de células de Hidrogênio, por exemplo, estas sim, mudando em técnica, e economicidade em grande velocidade.
Petróleo com sal, sem sal, com pimenta, com cominho, manjericão ou qualquer ingrediente deste tipo, ao entrar na Refinaria, sai como combustível do mesmo jeito. Ou como insumo para a indústria petroquímica, que, por sinal, reavalia seu portfolio de insumos também com bastante velocidade, buscando alternativas aos derivados de petróleo.
Se, há, de fato, preocupações sobre a distribuição da riqueza proveniente destas novas reservas, o marco regulatório que aí está atende plenamente, prevendo inclusive regimes excepcionais que poderiam ser aplicados em um caso ou outro. E, caso se mostrassem insuficientes, há formas menos bruscas e sem alteracão do texto constitucional, com previsão expressa em Lei que, já hoje, podem adequar as regras.
Na edição do marco regulatório do Pré-Sal sobrou acomodação de interesses e há senso de oportunismo político explícito. E é desnecessário e retrógrado. O petróleo caminha para um processo de "commoditização" livre, com preços e oportunidades fluindo conforme o mercado estabelece, e não conforme um governo ou uma empresa estabelece. Não é possível que isto não esteja visível.
Além do sal, o governo adicionou tanto tempero na nova Lei, que o prato está difícil de ser engolido.
E voltamos a Johann Sebastian Bach, que temperou seu cravo para produzir uma das peças clássicas mais importantes da Hitória da Música.
Essas novas regras do Pré-Sal são tão temperadas que, tal como um Bach às avessas, estamos correndo o risco de produzir um dos sistemas de regulação de uma atividade extrativista que deixará de herança a exposição das mentes que o elaboraram como patéticas, atrasadas, vistas aos olhos do mundo como excentricidades. E pior, deixar uma parte desta riqueza lá onde está, por excesso de tempero.
O dinheiro não gosta de lugares excêntricos. O mito do petróleo como garantidor de soberania e independência foi para o ralo há duas décadas. Petróleo é empreendimento, é atividade que gera lucro. Não tem pátria, não tem coração.
O cravo de Bach não era um fim em si mesmo. O cravo de Bach era um instrumento. Conhecemos o gênio de Bach pelo que ele fez ao tocar cravo. Não se conhecem gênios que fizeram alguma coisa na ordem inversa, ou seja, serem tocados pelos seus instrumentos.
Até a próxima descoberta geológica, que deve gerar outra extensa, espetacular e desnecessária discussão. E que a carga de tempero seja mais apetitosa.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Aceitar

Havia prometido aos meus cada vez mais numerosos leitores que escreveria um texto sobre a experiência de um carioca ir, sem estar devidamente preparado, à Festa do Peão Boiadeiro de Barretos 2009.
Mas os últimos dias foram atribulados e este escriba amador acabou envolvido em outras prioridades. Para não deixar a Sheilla e o Rubinho congelados no Blog, busquei em um dos textos que já publiquei qual estaria mais ligado aos meus sentimentos atuais, e que, por uma incrível sequência de coincidências, observei que está afetando também muitas pessoas próximas.
Então segue um texto que tem 45 dias de publicado sob o título Negação, Raiva, Negociação, Depressão e Aceitação, de volta à tela.

Eu gostaria de evitar, mas sou forçado a mencionar um episódio de uma série de TV como uma pequena obra-prima que aborda as reflexões humanas diante da inevitabilidade da morte. Trata-se do primeiro episódio do segundo ano de "House", chamado Aceitação. Nos 45 minutos do episódio há um intenso conflito de todos os envolvidos com o fato de que dois pacientes estão condenados à morte. Um deles, um prisioneiro do "corredor da morte", assassino quádruplo, que, na véspera de sua execução, tem alucinações e problemas cardíacos, e várias complicações estranhas. O outro, uma moça saudável e de conduta irrepreensível, que chega se queixando de cansaço e tosse. O Dr. House se interessa mais pelo caso do prisioneiro. Aqui, então, começa um conflito com quase toda a sua equipe e com a direção do Hospital. Afinal, para que salvar a vida de um condenado à morte ? E porque o pouco caso com uma paciente cujo raio X indica um tumor no pulmão ? A lógica e a ética começam a duelar. Seria lógico deixar o condenado morrer e concentrar os esforços na moça com diagnóstico precoce de câncer ? A evolução da trama expõe a improvável convergência entre a lógica e a ética. O condenado irá morrer, mas não deveria ser por problemas de saúde, e sim por determinação do Estado. Estranho, mas é ético e lógico, não se pode negar. Já a moça, pelo diagnóstico da biópsia, tem tumores malignos. O máximo que se pode fazer é prorrogar sua vida por alguns meses. Ambos estão condenados a morrer. Um, pela lei. Outro, pela doença. É difícil aceitar que o condenado merece sim, morrer, mas não daquela forma. Como é difícil aceitar que uma moça jovem e saudável esteja com um diagnóstico fatal. Neste ponto, a evolução dos sentimentos que surgem diante da certeza da morte vira o enredo do episódio. Negação, Raiva, Negociação, Depressão e Aceitação. O que é genial no roteiro enxuto, é que todos, não só os doentes, acabem percorrendo estes estágios. Inclusive o Dr. House. Ao saber ou lidar com uma morte iminente, vem a Negação, em primeiro lugar. Ou seja, o sonoro "não, aquilo não é possível". Em seguida vem a Raiva, a irritação com a condição, que toma conta das ações e faz com que as atitudes fiquem pouco racionais. Em seguida, a Negociação, ou Barganha, quando começam a aparecer contrapartidas, e aspectos que nada ou pouco tem a ver com a situação e são usados para obter piedade, ou regalias, ou, o mais importante, alguma coisa que sustente a esperança de reviravolta. A Depressão vem a seguir: velha companheira da Raiva, a Depressão se manifesta pela apatia, pela desistência da luta, pelo desânimo. Por fim, a Aceitação, que não significa resignação, mas um estágio de reconhecimento do fatal, do inevitável, e como lidar com isto, com qualidade e buscando o conforto. Toda a trama só converge no estágio da Aceitação. A propósito, o condenado sai andando do Hospital, voltando para o "corredor da morte". Uma última apelação seria tentada, mas sem o apoio do Dr. House. Já a jovem moça recebe a confirmação de pouco tempo de vida. Chora e desaparece. Na última cena, Dr. House, cuja conduta é tão controversa, se mostra coerente: deprimido, bebendo sozinho em seu consultório, se levanta e deixa no quadro da sala apenas uma palavra escrita: aceitação.

Aos olhos de nosso senso de justiça, pessoas más merecem destinos ruins e pessoas boas merecem destinos bons. Infelizmente, o curso da vida não é sempre assim, apesar do grande esforço que fazemos para isso acontecer. Ou será que é isso que acontece mesmo, mas nossos julgamentos é que estão errados ? O melhor é aceitar.

domingo, 23 de agosto de 2009

Domingo de Grand Prix, dos 8 aos 100

Hoje, 23 de agosto de 2009, num exílio forçado longe de casa, resolvi dedicar a manhã a um descanso no isolamento do hotel, e assistir com calma à final do Grand Prix 2009 de vôlei feminino, no Japão, e o Grand Prix da Europa de Fórmula 1, na pista urbana de Valencia, na Espanha.

Depois de um sábado de visita à gigantesca festa do Peão de Boiadeiro de Barretos resolvi que iria dedicar um texto a esta manifestação cultural estranhíssima para um carioca, mas que não foi uma experiência exatamente ruim. Isso será assunto de um outro Blog.

O adiamento da missiva sobre a festança caipiro-rural-sertanejo-pop-cult-kitsch foi decidido há minutos.

Quando liguei a televisão, às 7:00 não poderia imaginar que iria assistir a dois momentos marcantes do esporte brasileiro. Quatro horas depois, haviam dois assuntos mais urgentes que a festa de Barretos, e atendendo, por curiosidade, pelo mesmo nome: Grand Prix, ou Grande Prêmio, em francês.

Não faço a mais vaga ideia de porque o equivalente à Liga Mundial de Vôlei masculina, na versão feminina recebe o nome de Grand Prix. Na Fórmula 1, o nome remonta ao início do século passado, quando as corridas de automóveis não tinham exatamente campeonatos, mas uma corrida por país por ano, desde 1906, era chamada de Grande Prêmio do país. Como o primeiro foi na França, ficou Grand Prix. A Fórmula 1 quando se organizou como campeonato em 1950, firmou o nome de Grand Prix, ou sua rubrica GP, em cada corrida.

E o domingo começou com o jogo final entre Brasil e Japão, pelo GP de vôlei feminino. Com a vitória da Rússia por 3 a 0 sobre a Holanda, restava ao Brasil vencer, por qualquer placar, mas vencer. E o jogo começou complicado, com o time japonês sacando muito bem e demolindo a defesa brasileira. Perto do final do set, com uma inversão 5-1, a nissei Anna Tienne, que acabara de entrar, fez uma defesa daquelas de cinema, o time cresceu e...bola para a Sheilla, que virou tudo. O Brasil passou a frente no placar só na casa dos 19 pontos e faturou. O segundo set foi mais complicado ainda. Mari, aniversariante do dia, estava mal na recepção e no ataque. Jogo equilibrado e o Japão venceu por 27 a 25. No terceiro e quarto sets, o normalmente calmo José Roberto Guimarães coçava a cabeça num estilo Bernardinho, mas mexia no time de forma perfeita. Entraram Sassá e Fabiana, o bloqueio brasileiro cansou as japonesas e a líbero Fabi defendeu muito. E, para variar, Sheilla virou tudo. Sem sustos, venceu o jogo.

Foi a oitava conquista brasileira na competição. E Sheilla eleita a melhor do campeonato.

O vôlei brasileiro é um fenômeno. Domina as quadras e as praias e produz talentos como nenhum outro. Sheilla não é uma novata, mas há muito que vem jogando muito bem. Agora teve o reconhecimento devido. E foram oito conquistas da competição mais importante do vôlei, depois do campeonato Mundial e das Olimpíadas, mas que é a mais cansativa delas.

Aí, quase sem pausa, começa o GP de Fórmula 1, em Valencia, com Rubinho em terceiro. Era a primeira corrida depois que a mola do Rubinho foi parar na testa do Massa. Só tinha o Rubinho para torcer mesmo. Isso foi até motivo de comentários maldosos durante a semana. O velho Barrica largou em terceiro atrás das Mc Laren. Não ultrapassou nenhuma das duas, mas atualmente, sendo rápido na hora certa, e se o cidadão que vai à frente der uma bobeada, uma paradinha no posto de gasolina faz ganhar posições. E, a 19 voltas do fim, lá estava o Rubinho em primeiro. Só perderia por falta de sorte, coisa que, aliás, os brasileiros andam esbanjando.

Na hora pensei: e se o Schumacher tivesse corrido ? Ia cumprimentar o Rubinho ? E o Massa sendo homenageado no capacete do Rubinho ? E quem disse que o Rubinho era um piloto aposentado em atividade ? Estaria pensando o que ? Mas o mais importante nessas 19 voltas era a contagem regressiva para ver, pela centésima vez, um brasileiro vencer na Fórmula 1. E ver um esportista tendo a chance de mudar seu legado.

Se me dissessem, de 2006 para cá, que a honra da centésima vitória brasileira caberia ao Rubinho, eu certamente duvidaria. Mas o mundo gira, a Lusitana roda, e o circo da Fórmula 1 tem suas mulheres barbadas e seus palhaços. Estas 19 voltas separavam Rubinho de escapar da pecha de atração de circo, para fazer história. Foi tranquilo. 19 voltas controlando o Hamilton.

E tem Rubinho no lugar mais alto do pódio, o que era muito improvável há um ano atrás. Mas tem mais que isso. Ao subir lá em cima, o piloto brasileiro da Fórmula 1 mais ironizado de todos os tempos venceu a mítica centésima corrida para Pindorama. E de quebra, sua décima vitória particular. Rubinho deixou de ser o palhaço instantaneamente e foi o trapezista, foi o mágico, foi outra atração mais nobre do circo.

E façam as contas. Emerson Fittipaldi ganhou 14 corridas, José Carlos Pace ganhou 1, Nelson Piquet (pai) ganhou 23, Ayrton Senna ganhou 41, Felipe Massa ganhou 11. Com as dez do Rubinho: 100.

100 GP´s na Fórmula 1. 8 GP´s no vôlei feminino. Nos números, uma manhã marcante. Para alguns esportistas, um dia especialíssimo.

Sheilla, reconhecida. Rubinho, redimido.

O surgimento e a recuperação, aos 8 e aos 100.