sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Aceitar

Havia prometido aos meus cada vez mais numerosos leitores que escreveria um texto sobre a experiência de um carioca ir, sem estar devidamente preparado, à Festa do Peão Boiadeiro de Barretos 2009.
Mas os últimos dias foram atribulados e este escriba amador acabou envolvido em outras prioridades. Para não deixar a Sheilla e o Rubinho congelados no Blog, busquei em um dos textos que já publiquei qual estaria mais ligado aos meus sentimentos atuais, e que, por uma incrível sequência de coincidências, observei que está afetando também muitas pessoas próximas.
Então segue um texto que tem 45 dias de publicado sob o título Negação, Raiva, Negociação, Depressão e Aceitação, de volta à tela.

Eu gostaria de evitar, mas sou forçado a mencionar um episódio de uma série de TV como uma pequena obra-prima que aborda as reflexões humanas diante da inevitabilidade da morte. Trata-se do primeiro episódio do segundo ano de "House", chamado Aceitação. Nos 45 minutos do episódio há um intenso conflito de todos os envolvidos com o fato de que dois pacientes estão condenados à morte. Um deles, um prisioneiro do "corredor da morte", assassino quádruplo, que, na véspera de sua execução, tem alucinações e problemas cardíacos, e várias complicações estranhas. O outro, uma moça saudável e de conduta irrepreensível, que chega se queixando de cansaço e tosse. O Dr. House se interessa mais pelo caso do prisioneiro. Aqui, então, começa um conflito com quase toda a sua equipe e com a direção do Hospital. Afinal, para que salvar a vida de um condenado à morte ? E porque o pouco caso com uma paciente cujo raio X indica um tumor no pulmão ? A lógica e a ética começam a duelar. Seria lógico deixar o condenado morrer e concentrar os esforços na moça com diagnóstico precoce de câncer ? A evolução da trama expõe a improvável convergência entre a lógica e a ética. O condenado irá morrer, mas não deveria ser por problemas de saúde, e sim por determinação do Estado. Estranho, mas é ético e lógico, não se pode negar. Já a moça, pelo diagnóstico da biópsia, tem tumores malignos. O máximo que se pode fazer é prorrogar sua vida por alguns meses. Ambos estão condenados a morrer. Um, pela lei. Outro, pela doença. É difícil aceitar que o condenado merece sim, morrer, mas não daquela forma. Como é difícil aceitar que uma moça jovem e saudável esteja com um diagnóstico fatal. Neste ponto, a evolução dos sentimentos que surgem diante da certeza da morte vira o enredo do episódio. Negação, Raiva, Negociação, Depressão e Aceitação. O que é genial no roteiro enxuto, é que todos, não só os doentes, acabem percorrendo estes estágios. Inclusive o Dr. House. Ao saber ou lidar com uma morte iminente, vem a Negação, em primeiro lugar. Ou seja, o sonoro "não, aquilo não é possível". Em seguida vem a Raiva, a irritação com a condição, que toma conta das ações e faz com que as atitudes fiquem pouco racionais. Em seguida, a Negociação, ou Barganha, quando começam a aparecer contrapartidas, e aspectos que nada ou pouco tem a ver com a situação e são usados para obter piedade, ou regalias, ou, o mais importante, alguma coisa que sustente a esperança de reviravolta. A Depressão vem a seguir: velha companheira da Raiva, a Depressão se manifesta pela apatia, pela desistência da luta, pelo desânimo. Por fim, a Aceitação, que não significa resignação, mas um estágio de reconhecimento do fatal, do inevitável, e como lidar com isto, com qualidade e buscando o conforto. Toda a trama só converge no estágio da Aceitação. A propósito, o condenado sai andando do Hospital, voltando para o "corredor da morte". Uma última apelação seria tentada, mas sem o apoio do Dr. House. Já a jovem moça recebe a confirmação de pouco tempo de vida. Chora e desaparece. Na última cena, Dr. House, cuja conduta é tão controversa, se mostra coerente: deprimido, bebendo sozinho em seu consultório, se levanta e deixa no quadro da sala apenas uma palavra escrita: aceitação.

Aos olhos de nosso senso de justiça, pessoas más merecem destinos ruins e pessoas boas merecem destinos bons. Infelizmente, o curso da vida não é sempre assim, apesar do grande esforço que fazemos para isso acontecer. Ou será que é isso que acontece mesmo, mas nossos julgamentos é que estão errados ? O melhor é aceitar.

domingo, 23 de agosto de 2009

Domingo de Grand Prix, dos 8 aos 100

Hoje, 23 de agosto de 2009, num exílio forçado longe de casa, resolvi dedicar a manhã a um descanso no isolamento do hotel, e assistir com calma à final do Grand Prix 2009 de vôlei feminino, no Japão, e o Grand Prix da Europa de Fórmula 1, na pista urbana de Valencia, na Espanha.

Depois de um sábado de visita à gigantesca festa do Peão de Boiadeiro de Barretos resolvi que iria dedicar um texto a esta manifestação cultural estranhíssima para um carioca, mas que não foi uma experiência exatamente ruim. Isso será assunto de um outro Blog.

O adiamento da missiva sobre a festança caipiro-rural-sertanejo-pop-cult-kitsch foi decidido há minutos.

Quando liguei a televisão, às 7:00 não poderia imaginar que iria assistir a dois momentos marcantes do esporte brasileiro. Quatro horas depois, haviam dois assuntos mais urgentes que a festa de Barretos, e atendendo, por curiosidade, pelo mesmo nome: Grand Prix, ou Grande Prêmio, em francês.

Não faço a mais vaga ideia de porque o equivalente à Liga Mundial de Vôlei masculina, na versão feminina recebe o nome de Grand Prix. Na Fórmula 1, o nome remonta ao início do século passado, quando as corridas de automóveis não tinham exatamente campeonatos, mas uma corrida por país por ano, desde 1906, era chamada de Grande Prêmio do país. Como o primeiro foi na França, ficou Grand Prix. A Fórmula 1 quando se organizou como campeonato em 1950, firmou o nome de Grand Prix, ou sua rubrica GP, em cada corrida.

E o domingo começou com o jogo final entre Brasil e Japão, pelo GP de vôlei feminino. Com a vitória da Rússia por 3 a 0 sobre a Holanda, restava ao Brasil vencer, por qualquer placar, mas vencer. E o jogo começou complicado, com o time japonês sacando muito bem e demolindo a defesa brasileira. Perto do final do set, com uma inversão 5-1, a nissei Anna Tienne, que acabara de entrar, fez uma defesa daquelas de cinema, o time cresceu e...bola para a Sheilla, que virou tudo. O Brasil passou a frente no placar só na casa dos 19 pontos e faturou. O segundo set foi mais complicado ainda. Mari, aniversariante do dia, estava mal na recepção e no ataque. Jogo equilibrado e o Japão venceu por 27 a 25. No terceiro e quarto sets, o normalmente calmo José Roberto Guimarães coçava a cabeça num estilo Bernardinho, mas mexia no time de forma perfeita. Entraram Sassá e Fabiana, o bloqueio brasileiro cansou as japonesas e a líbero Fabi defendeu muito. E, para variar, Sheilla virou tudo. Sem sustos, venceu o jogo.

Foi a oitava conquista brasileira na competição. E Sheilla eleita a melhor do campeonato.

O vôlei brasileiro é um fenômeno. Domina as quadras e as praias e produz talentos como nenhum outro. Sheilla não é uma novata, mas há muito que vem jogando muito bem. Agora teve o reconhecimento devido. E foram oito conquistas da competição mais importante do vôlei, depois do campeonato Mundial e das Olimpíadas, mas que é a mais cansativa delas.

Aí, quase sem pausa, começa o GP de Fórmula 1, em Valencia, com Rubinho em terceiro. Era a primeira corrida depois que a mola do Rubinho foi parar na testa do Massa. Só tinha o Rubinho para torcer mesmo. Isso foi até motivo de comentários maldosos durante a semana. O velho Barrica largou em terceiro atrás das Mc Laren. Não ultrapassou nenhuma das duas, mas atualmente, sendo rápido na hora certa, e se o cidadão que vai à frente der uma bobeada, uma paradinha no posto de gasolina faz ganhar posições. E, a 19 voltas do fim, lá estava o Rubinho em primeiro. Só perderia por falta de sorte, coisa que, aliás, os brasileiros andam esbanjando.

Na hora pensei: e se o Schumacher tivesse corrido ? Ia cumprimentar o Rubinho ? E o Massa sendo homenageado no capacete do Rubinho ? E quem disse que o Rubinho era um piloto aposentado em atividade ? Estaria pensando o que ? Mas o mais importante nessas 19 voltas era a contagem regressiva para ver, pela centésima vez, um brasileiro vencer na Fórmula 1. E ver um esportista tendo a chance de mudar seu legado.

Se me dissessem, de 2006 para cá, que a honra da centésima vitória brasileira caberia ao Rubinho, eu certamente duvidaria. Mas o mundo gira, a Lusitana roda, e o circo da Fórmula 1 tem suas mulheres barbadas e seus palhaços. Estas 19 voltas separavam Rubinho de escapar da pecha de atração de circo, para fazer história. Foi tranquilo. 19 voltas controlando o Hamilton.

E tem Rubinho no lugar mais alto do pódio, o que era muito improvável há um ano atrás. Mas tem mais que isso. Ao subir lá em cima, o piloto brasileiro da Fórmula 1 mais ironizado de todos os tempos venceu a mítica centésima corrida para Pindorama. E de quebra, sua décima vitória particular. Rubinho deixou de ser o palhaço instantaneamente e foi o trapezista, foi o mágico, foi outra atração mais nobre do circo.

E façam as contas. Emerson Fittipaldi ganhou 14 corridas, José Carlos Pace ganhou 1, Nelson Piquet (pai) ganhou 23, Ayrton Senna ganhou 41, Felipe Massa ganhou 11. Com as dez do Rubinho: 100.

100 GP´s na Fórmula 1. 8 GP´s no vôlei feminino. Nos números, uma manhã marcante. Para alguns esportistas, um dia especialíssimo.

Sheilla, reconhecida. Rubinho, redimido.

O surgimento e a recuperação, aos 8 e aos 100.

sábado, 15 de agosto de 2009

Os Beatles do riso ?

O grupo inglês Monty Python pode estar para o humor assim como os Beatles estão para o rock. Atenção, escrevi "pode". Não afirmo.
Os Python estrearam em 1969, como uma reunião de seis comediantes britânicos provenientes de origens distintas. A diversidade do grupo talvez seja a razão para o resultado: um humor absolutamente "nonsense", mas nem por isso idiota ou sem pretensão. As críticas dos Python são de uma acidez incomparável, tendo o seu ápice no famoso longa-metragem "A Vida de Brian" que esculhamba de forma inteligente os filmes de reconstituição da vida de Jesus Cristo, e que só pode ser percebida como grosseira ou blasfêmia por aqueles que vem ameaça em tudo o que não podem compreender direito.
O programa dos Python na TV britânica chamava-se "Flying Circus". No Brasil, em fins da década de 70 surgiu um espaço cultural no Arpoador chamado "Circo Voador", uma clara referência. Sua principal atração, o grupo "Asdrúbal Trouxe o Trombone", tinha forte influência dos Python, bem como seus componentes e seus trabalhos posteriores, assim como a linhagam Casseta & Planeta. Nos Estados Unidos, o humor dos Python influenciou uma escola enorme de atores e roteiristas de humor, a começar pelo Saturday Night Live, e chegando ao South Park.
Além da TV, o Monty Python fez shows, filmes, roteiros para outros filmes e, quando chegou ao fim, seus integrantes continuaram influentes em várias áreas. Artistas do mundo todo colaboraram e fizeram aparições nos shows e filmes, incluindo Steve Martin, Ringo Starr, George Harrison, Rowan Atkinson (o Mr. Bean), John Belushi, Madeline Kahn, Tom Hanks, entre outros.
Quando o grupo foi acusado de homofobia, Graham Chapman, um de seus integrantes, assumiu publicamente ser homossexual. Outro membro, Terry Gilliam, tinha nacionalidade britânica e norte-americana e quando discordou publicamente das políticas de George W. Bush, recebeu uma moção de desconfiança da casa Branca. Não vacilou. Renunciou à sua cidadania norte-americana.
"A Vida de Brian" teve suas filmagens suspensas dois meses antes de seu início pois os produtores temiam a reação dos conservadores e da Igreja. O admirador George Harrison, ao saber disto, financiou e produziu o filme. Quando George morreu, em 2001, três componentes dos Python ( Michael Palin, Terry Gilliam e Terry Jones) resolveram conjuntamente com Eric Clapton, Jeff Lynne e Ringo organizar um tributo a George, um ano após sua morte.
Para além do sarcasmo, os Python foram, individualmente o que podemos chamar de "gente boa", sujeitos que gostaríamos de ser amigos.
O humor dos Python é "nonsense", mas provavelmente o mais erudito dos "besteiróis".
O quadro que considero o maior exemplo é o da final do Campeonato Mundial de Filosofia, disputado no Estádio Olímpico de Munique, entre Grécia e Alemanha. A Alemanha entra em campo primeiro, com a formação 4-2-4, com: Leibnitz, Kant, Hegel (capitão), Schopenhauer e Schelling; Beckenbauer ( surpresa de última hora) e Jaspers; Schlegel, Wittgenstein, Nietzsche e Heidegger. A Grécia vem com uma óbvia formação defensiva em 5-3-2, com: Platão, Epítecto, Aristóteles, Sófocles, Empédocles e Plotrino; Epicuro, Heráclito (capitão) e Demócrito; Sócrates e Arquimedes. Aristóteles é o líbero e considerado o melhor jogador do campeonato.
O trio de arbitragem é formado pelo juiz Confúcio, e seus auxiliares São Tomaz de Aquino e Santo Agostinho.
O juiz dá a saída e os jogadores deixam a bola parada e começam a pensar e filosofar em campo. Sócrates dá uma arrancada falando sozinho e sem bola. O goleiro Platão contempla o campo. Beckenbauer, como todos os outros, fica parado com a mão no queixo.
Perto do fim do jogo, o técnico alemão, Lutero, resolve escalar Karl Marx. Não há consenso sobre quem deve sair e Wittgenstein, voluntariamente, abandona o campo. Marx não consegue mudar nada no ataque, como esperado.
A um minuto do fim, Arquimedes grita Eureka ! e inicia a jogada do gol. Após o gol, há uma intensa discussão entre Hegel, Kant e Confúcio sobre se o gol é parte da realidade ou não é, enquanto Marx reclama de impedimento !
Isso tudo se dá em apenas 3`45" ! E há muito mais a ser visto e observado no pequeno filme que está disponível no Youtube, legendado em Português no link:
http://www.youtube.com/watch?v=S4cdLmHlNOk&feature=PlayList&p=D7374580480E3FA8&playnext=1&playnext_from=PL&index=8
Vale a pena.
Faltam duas observações. Dois dos componentes dos Python ainda não foram citados. Um é John Cleese, que já ganhou o Oscar de ator coadjuvante e escreveu junto com Palin "Um Peixe chamado Wanda", e atuou até em filmes de 007. E Eric Idle, talvez o mais versátil do grupo, também foi jogador de futebol profissional e músico, tendo escrito as versões para o teatro de musicais baseados em textos dos Pyhton. O quadro do Campeonato Mundial de Filosofia foi supostamente de sua autoria, isoladamente. Idle foi o único que brigou com o resto do grupo, recentemente, quando as coletâneas do "Flying Circus" foram remasterizadas e relançadas em DVD.
Se podem ser comparados aos Beatles, é difícil concluir.
Mas na apresentação do famoso show que fizeram no Hollywood Bowl, em meados da década de 80, o locutor os chama, ironicamente de John, Paul, George e Ringo.
Ninguém reclamou.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Ribeiro/Lula

O filme Frost/Nixon, baseado na peça homônima, reconstrói o que teria sido a história antes, durante e depois da fulminante entrevista que o jornalista britânico David Frost fez com o único Presidente da história dos Estados Unidos que renunciou, Richard Nixon. Era um encontro improvável.
Apesar de ter renunciado, Nixon ganhou o perdão do seu sucessor Gerald Ford e iniciava um esforço de reconstrução de sua imagem, com a intenção de voltar à ativa na política norte-americana. Além disso, muitos tinham medo de Nixon, pois seu discurso era firme, era um político sagaz, experiente, que tinha enfrentado debates extenuantes com JFK, Brezhnev, Mao-Tse-Tung, de Gaulle, entre outros.
Já Frost era um bom entrevistador mas também era um reconhecido festeiro e humorista, além de não ser americano. Frost pagou 600 mil dólares a Nixon pela entrevista.
O prognóstico era de que Nixon engoliria Frost. O que de fato aconteceu em 75% do tempo. Nixon não só conseguia fazer um marketing pessoal positivo, principalmente em cima das decisões tomadas sobre o Vietnam e a aproximação com a China, como Frost estava visivelmente sem condições de conduzir a entrevista.
Até que Frost percebe que aquilo é mais que uma entrevista. É um embate e ele está prestes a perder e ainda por cima tendo pago para Nixon voltar à cena política. Numa sequência fulminante de afirmativas e perguntas arrancou de Nixon a famosa frase "o que um Presidente decide não pode ser considerado ilegal" e a expressão atemorizada e deprimida do ex-Presidente num close, enquanto repetia fatos e dados sobre subornos e conspirações para intimidar os adversários após o episódio de Watergate.
Então, pode ser inferido que, de acordo com as características do entrevistado, talvez o entrevistador mais inusitado seja aquele que consiga extrair o que o público quer ver: verdades, histórias esclarecidas, semblantes de tristeza por ter sido flagrado faltando com a verdade, ou mesmo de alegria se comprovado algo a favor do entrevistado que o redimiu de um julgamento anterior.
Aqui no Brasil, as pessoas públicas não estão nunca dispostas a este tipo de exposição de entranhas. Alguém imagina Collor falando sobre o "impeachment" ? E, neste momento, sem a proteção do parlatório, Sarney falaria com algum jornalista ? E Renan Calheiros ? E FHC ? E Marcos Valério ?
Então fiz a seguinte inferência: se um entrevistador mal informado e que nem jornalista de profissão é pudesse falar com Sarney ou com José Dirceu, por exemplo, numa sessão de entrevistas com regras claras, o que aconteceria ? Para falar a verdade, não tenho a mais vaga ideia, mas aqui vão algumas sugestões:

Acelino "Popó" Freitas / Collor - Sem dúvida, um programa imperdível. Além de não entender algumas explicações do entrevistado, Popó iria perguntar a toda hora se o alagoano conhece a fundo a realidade de ser camponês no Nordeste. E, caso Collor lançasse aquele seu olhar de fronteiriço-violento, Popó não titubearia e daria-lhe logo um "upper" de direita. Na tomada seguinte, Collor estaria lá, com um curativo no queixo, respondendo às perguntas de Popó. Conteúdo talvez fosse o menos importante nesta entrevista.

Mainardi/FHC - O sujeito que escreveu um livro chamado "Lula é minha Anta" deve ser pró-FHC, certo ? Não. Diogo Mainardi enfrentaria FHC com uma retórica que seria simplesmente um deleite para os que gostam de citar outros autores e mostrar ostensivamente sua erudição e intelectualidade. FHC, grande sociólogo e estadista, doutor "honoris causa" de umas trezentas universidades mundo afora e Mainardi, que leu Wittgenstein aos 12 anos e Kant no original aos 17, fariam um duelo socrático. Com uma diferença: FHC não consegue ser ferino para ser levado a sério e Mainardi só consegue ser levado a sério quando é ferino.

Gonçalves/Rousseff - Imaginem...Dercy e Dilma ? Das duas uma, ou Dilma escancarava um sorriso e uma risada sincera em público, pela primeira vez na vida, ou Dercy começaria uma série de observações sobre sua vida sexual. Infelizmente, esta é uma entrevista impossível. Mas, no lugar da Dilma, eu consideraria seriamente a possibilidade, afinal ela precisa mostrar uma imagem mais descontraída. Riscos ? Bem, Nixon correu riscos também.

Luxemburgo/Sarney - Seria a maior guerra de egos possível no Brasil. O problema seria a entrevista descambar apara assuntos do tipo "a tinta que uso para tingir o cabelo pode melhorar o visual do seu bigode, o senhor já pensou nisto ?" Ou então, "minha manicure é ótima, mas estou procurando outra. O Senhor indica alguma em Brasília?". Sem dúvida, haveria um diálogo imperdível sobre alfaiates e figurinos de paletós.

Ribeiro/Lula - Não consigo imaginar ninguém melhor para um bate-papo com o Lula do que o Agildo Ribeiro. Alem do humor escrachado, Agildo reagiria de imediato com alguma careta ao primeiro plural errado do entrevistado. Lula tentaria ser engraçado, porque é de seu feitio, mas Agildo o botaria de joelhos com algumas imitações. Lula tentaria o contragolpe rindo e Agildo o fulminaria com uma piada mais elaborada. Lula se escora na sua popularidade e só se sentiria de fato "impopular" se alguém o expusesse no mais popular escracho.

Outras hipóteses interessantes seriam Dicró/José Dirceu, Galvão Bueno/Arthur Virgílio (os dois falando ao mesmo tempo o tempo todo), Pe. Marcelo Rossi/Senador Crivella, João Saldanha/Paulinho da Força Sindical ( grandes chances de terminar em briga) ou um programa internacional, Garotinho/Hugo Chávez (que poderia ser chatérrimo ou hilário, a risco do patrocinador).

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Filmes Esquecidos

Em 19 de julho, escrevi um texto sobre meus filmes preferidos. Um dos que selecionei, e algumas pessoas me perguntaram onde encontrar e que filme é este foi Local Hero, que no Brasil durou pouco tempo no circuito comercial e parece que foi totalmente esquecido por aqui, sendo impossível achá-lo em locadoras e, creio, nem a Patricia Kogut conseguiria localizar uma programação de canais de televisão por assinatura, numa varredura desde 1994 até hoje, onde e quando este filme foi exibido. O título em Português para o filme foi de uma infelicidade total: Momento Inesquecível. No universo web, no entanto, observa-se que o filme tem seus seguidores-cultuadores mundo afora. É possível comprá-lo em vários sites fora do Brasil, mas só existe na configuração de região 1, ou seja, não é compatível com a maioria dos aparelhos reprodutores de DVD no Brasil e não existem legendas em Português. O grande rastro deste filme é o CD de sua trilha sonora, composta por Mark Knopfler, líder do Dire Straits. O tema principal é bem conhecido pois também aparece em gravações dos Straits ao vivo e em apresentações de Mark em shows.
Mas existem outros filmes igualmente muito bons que, sabe-se lá porque, também não são encontrados no Brasil, não são exibidos nem nos canais mais estranhos de TV por assinatura, e também não localizei versões do DVD disponíveis para região 4 ( a que compreende o Brasil) ou "ALL" que podem ser tocados em qualquer aparelho de DVD. Seguem algumas lembranças minhas e espero que os meus 8 leitores usuais complementem a lista com outros bons filmes que foram omitidos do público brasileiro.

Peter's Friends - O nome do filme no Brasil foi "Para o Resto de Nossa Vidas", outro batismo muito ruim. Trata-se de um filme dirigido por Kenneth Branagh, entre Henrique V e Frankenstein de Mary Shelley, filmado em 1992, e, infelizmente, esquecido no Brasil. Colegas de faculdade resolvem se reunir na mansão do amigo Peter, interpretado por Stephen Fry, e descobrem que suas diferenças aumentaram muito, mas sua amizade também aumentou, numa proporção maior, a ponto de tolerarem o pedantismo de um que se tornou escritor famoso, de outro que casou com uma atriz de TV famosíssima ( ela também comparece na reunião), de uma bela mulher que nunca encontrou ninguém para um relacionamento sério e que só pensa nisso e de outro que teve seguidos surtos nervosos e está completamente sequelado. O elenco é simplesmente sensacional tendo, além de Stephen Fry, o próprio Kenneth Branagh, Emma Thompson, Hugh Laurie, Alphonsia Emannuel, Tony Slattery ( no papel do surtado, impagável), Imelda Staunton e Alex Lowe. Alguns nomes não são muito conhecidos, mas seus rostos são muito familiares, pois este grupo é mais ou menos o mesmo que se formou junto em Cambridge em Artes Dramáticas, e tiveram algum sucesso, embora tenham seguido caminhos distintos: Branagh viveu um ciclo shakesperiano, Fry, Laurie e Slattery fizeram programas cômicos de TV, e Laurie hoje é o Dr. House, da série de TV. Emma Thompson dispensa apresentações. Staunton e Lowe seguiram Branagh em vários outros filmes. A trilha sonora é um capítulo à parte para os que viveram a década de 80. A abertura do filme, por exemplo, é com "Everybody Wants to Rule the World", do Tears for Fears, que casa perfeitamente com a chegada dos amigos à mansão.
No final, o anfitrião Peter tem uma surpresa para seus convidados e percebe-se então um ciclo fechado de crítica mordaz, bem-humorada e equilibrada sobre os valores, problemas, vícios e virtudes de quem cruzou os anos 80 buscando um rumo na vida. Imperdível para quem está na casa dos 40 a 55 anos.

California Suite - Uma comédia de erros, passada integralmente num hotel de luxo da California onde estão hospedados simultaneamente 5 casais. O roteiro é de uma peça teatral que fez sucesso no grande circuito (Londres, Broadway e Los Angeles). Para o filme, foi composta uma trilha sonora especialíssima, de autoria de Claude Bolling, que compôs peças de jazz e clássico para Yo-Yo-Ma, Jean Pierre Rampal e Andrés Segovia, entre outros, dividida em cinco movimentos, cada um dos quais reproduz o clima do casal em destaque. O elenco contou com Jane Fonda, Alan Alda, Maggie Smith, Walter Matthau, Michael Caine, Richard Pryor, e Bill Cosby entre outros. Maggie Smith ganhou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante em 1979 por sua atuação. Alan Alda concorreu ao Oscar de Melhor Ator. O diretor Herbert Ross idem. O autor da peça original e roteirista Neil Simon perdeu o Oscar para Roteiro Adaptado, mas ganhou menção honrosa da Academia. Claude Bolling ganhou prêmio de melhor trilha no Tony, no British, no Goden Globe e na New York Academy, mas no Oscar não. Enfim, um filmaço. Mas que não conseguimos achar em DVD's no Brasil.

What's Up, Doc - Esse recebeu o pior nome possível no Brasil: "Essa Pequena é uma Parada". Trata-se de uma comédia repleta de referências dirigida por Peter Bogdanovich em 1972, que acabou mais conhecido por "Lua de Papel", de 1974. Estrelado por Barbra Streisand, Ryan O'Neal ( num incrível papel cômico, logo após o lacrimogêneo Love Story) e Madeleine Kahn, que estreou com este filme no cinema e abocanhou todos os prêmios de 1973, menos o Oscar. As referências começam no título original, o bordão do coelho Pernalonga, e repetido diversas vezes por Barbra Streisand. O roteiro se baseia numa confusa troca de maletas idênticas, que contém desde uma montanha de dinheiro de um mafioso até amostras de rochas para um congresso de Geologia e se passa num hotel e nas ladeiras de São Francisco. O filme tem números musicais, afinal Barbra Streisand não estaria no elenco à toa. Mas todos são irônicos e com referências, como "As Time Goes By", incluindo um "Play it again., Sam". A música ambiente do hotel é sempre de Cole Porter. Em uma cena em que os personagens se misturam a um evento em Chinatown, os chineses estão inexplicavelmente tocando "La Cucaracha".
Mas existem outras referências impagáveis. O carro utilizado numa fuga é um Fusca idêntico (sem o número) ao Herbie, do filme de Disney. Uma perseguição de carros é uma versão bem-humorada de "Bullit". Mas a melhor de todas vem no fim do filme quando Ryan O'Neal repete, com todas as sílabas, uma fala de seu personagem em Love Story, para, pensa e diz em seguida:
- Essa foi com certeza a pior frase que já disse em toda a minha vida.
Deboche puro.

Unfaithfully Yours - Finalmente uma tradução decente, que em Português recebeu o título de "Infielmente Tua". Uma comédia mal digerida por crítica e público, dirigida por um desconhecido em 1984, e, que não passava de uma refilmagem de um filme com Rex Harrison, de 1948, esse sim muito elogiado.
Mas a refilmagem é uma comédia mais ágil e Dudley Moore, no papel principal, é muito mais engracado que Rex Harrison. Ele interpreta um famoso maestro que suspeita que sua mulher (uma Nastassja Kinski deslumbrante) o trai com o violinista da orquestra. Antes de sair de casa para reger um concerto para violino, de Tchaikovski, ele vê sinais que confirmam sua suspeita. A mesma é reforçada pelo comportamento arrogante e irônico do violinista (Armand Assante).
Enquanto rege o concerto, ele imagina o plano perfeito para matar a mulher e o amante, e as cenas imaginadas por ele casam perfeitamente com a música. Daí ele decide colocar em prática o plano, que não sai nada parecido com o que imaginou enquanto regia o concerto, e a música de fundo passa a ser uma peça de Wagner.
Dudley Moore está impagável, e, além disso, foi escalado às pressas para um papel que seria de Peter Sellers, que morreu dias antes de começar as filmagens. Neste filme também fica claro um talento de Moore que poucos conhecem: ele era um exímio e dedicado pianista clássico, além de ator. Enfim, ele salva, e com honras, o que teria tudo para ser um filme totalmente esquecido. Vale pela atuação de Moore.

É isso. Se quiserem comprar, sites americanos tem todos, mas para região 1. Converter para região 4 é fácil, mas contente-se com legendas em inglês mesmo, ou, em alguns casos, em espanhol.
E aumentem a "lista dos filmes esquecidos".

terça-feira, 4 de agosto de 2009

De Valera e a personalização do Estado

De todas as biografias de políticos que tive a oportunidade de ler, nenhuma se igualou na capacidade de criar uma confusão tão grande sobre o papel de uma personagem histórica do século XX como a do onipresente Eamon de Valera. De 1916 a 1973, por 57 anos, portanto, este cidadão ocupou posições centrais na vida política irlandesa, e certamente, tem seu lugar na História. Exatamente qual lugar é que parece ser o problema. Um pequeno resumo de fatos biográficos e da incrível sobrevida deste pouco conhecido estadista europeu ( o mais longevo do século XX) pode ilustrar.
Para começar, não nasceu na Irlanda, e sim em Manhattan, nos Estados Unidos, em 1882, filho de um traficante de açúcar hispano-cubano chamado Juan de Valeros e de uma irlandesa. E foi batizado como Jorge de Valeros. Mas seu pai morreu em 1887 e sua mãe retornou à Irlanda onde seu nome tomou a forma gaélica-anglo-saxônica de Eamon de Valera. Estudou e se formou na Irlanda. Não se sabe ao certo quando se engajou na luta dos "Voluntários", grupo de jovens e intelectuais que lutavam pela independência da Irlanda do domínio inglês, mas é reconhecido por historiadores que de Valera era um orador e escritor excepcional e certamente durante a sua formação como Matemático abraçou a causa nacionalista irlandesa e tornou-se um católico fervoroso.
Em 1916 foi um dos líderes da "Revolta da Páscoa", uma espécie de tentativa de golpe contra as autoridades inglesas de Dublin e que terminou mal. Os líderes foram presos e condenados à morte. De Valera escapou, por ser cidadão com dupla nacionalidade, e, também porque em meio a uma guerra mundial complicada, os ingleses não pretendiam criar uma situacão sensível com os Estados Unidos. Um dos líderes da "Revolta da Páscoa" foi Michael Collins, um jovem e brilhante camponês de Cork, educado em Londres, que aliou como poucos a capacidade de liderança militar com a administrativa. Collins não foi preso porque era tão hábil que sua figura não era conhecida. De 1916 a 1922, Collins liderou a cena política irlandesa, mesmo por vezes sendo considerado uma espécie de mito. Cathal Brugha e Arthur Griffith também dividiram as atenções e a liderança, raramente questionada, de de Valera pós-"Revolta da Páscoa".
E aqui chegamos a um dos períodos inquietantes de sua biografia. Em primeiro lugar, é sabido que de Valera surtou durante a "Revolta da Páscoa". Sua inabilidade emocional para lidar com confrontos físicos o perseguiria por toda a vida. Em seguida, quando os "Voluntários" se organizaram como partido, o Sinn Fein, e decidiram por manter um braço armado, o IRA, quem sobressaiu de forma assustadora como líder foi Collins. Além de forte e corajoso, Collins organizou as finanças do movimento, inaugurou a guerrilha e montou praticamente sozinho as ações que sacudiram o poder central inglês. Cathal Brugha liderava o gabinete e Griffith as conversações com os representantes de Londres. Observando isso, de Valera decidiu em 1919 ir para os Estados Unidos com o fim de obter apoio da colônia irlandesa, do presidente Calvin Coolidge e de angariar fundos. A guerrilha recrudesceu e de Valera permanecia na América, sem enviar notícias precisas a Dublin. Retornou 1 ano e meio depois, sem apoio o político prometido na bagagem. Amenizou o tom de fracasso da estadia o fato de ter conseguido angariar fundos para o Sinn Fein, curiosamente usando mais a ascendência hispânica do que a irlandesa.
Mas de 1920 a 1921 os irlandeses, liderados por Collins, tinham liquidado praticamente toda a burocracia de governo inglesa em Dublin de forma violenta e incontestável. Londres aceitou negociar um Tratado de Paz em 1921. De Valera, nomeado Presidente pelo Parlamento ( Deáli) graças a uma manobra constitucional, se recusou a ir a Londres para negociar o Tratado. Nomeou Griffith e Collins, entre outros. Liquidou, então, a confidencialidade da figura de Collins. O Tratado, depois de 4 meses de negociação em que Collins acabou assumindo a liderança, não garantiu a independência completa da Irlanda, que teria um Parlamento, um Primeiro-Ministro irlandês, um Lorde Protetor inglês e reconheceria a soberania da Coroa Inglesa. Além disso, o Tratado dividia o país em duas partes, existentes até hoje, sendo que o Norte continuara parte do Reino Unido. De Valera se mostrou irritado com o resultado mas submeteu-o à aprovacão no Deáli. O Tratado foi aprovado por 64 a 57. De Valera abandonou o Deáli levando com ele cerca de 40 parlamentares. O Tratado também foi objeto de sufrágio, e população o aprovou por maioria, com exceção da situação da Irlanda do Norte. Collins assumiu a Presidência e um discurso moderado, surpreendente para quem tinha sido um guerrilheiro tão feroz. De Valera se refugiou no Sul do País e fundou o Fianna Feil, opositor do Sinn Fein. Muitos acreditam que de Valera não foi a Londres porque já sabia que os ingleses não cederiam e não gostaria de trazer a notícia ruim de volta para casa. No entanto, o carisma de Collins fez com que todos entendessem o Tratado como um primeiro passo para a Independência total. Restou a de Valera dividir o País. Outra decisão controversa foi a de atacar navios ingleses em Galway. Churchill ameaçou mandar forças para garantir os interesses ingleses. Collins disse que os irlandeses iriam lutar como pudessem, mas internamente buscava o diálogo com de Valera. Collins foi assassinado em 22 de agosto de 1922, quando seu comboio foi atacado justamente quando ia de Dublin a Cork para um encontro informal com de Valera.
Liam Lynch, sucessor de Collins foi assassinado em 1923, e o Sinn Fein solicitou um trégua ao Fianna Feil. De Valera, num discurso famoso em 1926 afirmou que a trégua era uma vitória do Fianna Feil e se intitulou Presidente do Conselho. A Irlanda estava imersa em uma crise econômica caótica, emigração em massa, ameaça de uma terceira crise de alimentos, e o Palamento (Deáli) ratificou a lideranca do Fianna Feil. A partir daí, até 1973, de Valera seria figura central na política irlandesa, sempre ocupando o topo da estrutura política, mesmo quando seu partido sofreu derrotas.
E, de fato, ao longo dos anos 30, com uma batalha comercial com os ingleses e grande esforço diplomático, a Irlanda, com o nome gaélico Eire, foi reconhecida por diversos países como república. Finalmente, em 1936, o Eire foi admitido na Liga das Nações. O papel de de Valera neste período custou caro aos irlandeses, que continuaram emigrando em massa, mas foi decisivo para o país obter o status de independente, com exceção da Irlanda do Norte.
Mas os episódios controversos continuaram. De Valera apoiou publicamente Francisco Franco na guerra Civil espanhola, permitiu a criação de um grupo fascista dentro do Fianna Feil, reprimindo-o depois, quando um dos líderes, um militar renomado, reclamou o Ministério de Relações Exteriores. Manteve um duro discurso anti-inglês, mas escancarou a economia irlandesa ao poder da libra, após 1936. Oscilou seu humor nas relações com os Estados Unidos, principalmente com Roosevelt. Reconheceu a União Soviética, mas proferiu vários discursos anti-comunistas.
Na Segunda Guerra, de Valera declarou a Irlanda neutra mas estabeleceu um "estado de sítio" disfarçado, o "The Emergency". Teoricamente, a Irlanda mantinha relações idênticas com os Aliados e com o Eixo, mas manteve representação diplomática junto ao governo colaboracionista de Vichy, o que equivale a reconhecer a legitimidade do mesmo. Até Pearl Harbour, a Irlanda franqueou suas águas a incursões de submarinos alemães. Após Pearl Harbour, franqueou seus portos para que navios aliados fizessem reparos e seu espaço aéreo à RAF, decisão esta que só se tornou conhecida a poucos anos.
A maior mancada de de Valera foi no dia do suicídio de Hitler. A Irlanda e Portugal foram os dois únicos países do mundo que declararam luto oficial pela morte do Fuerher. Portugal, sob a tutela de Salazar, colocou as bandeiras a meio-pau e só. De Valera fez uma visita oficial à representação diplomática alemã e participou da solenidade em memória a Hitler em Dublin. Conseguiu irritar até os suíços, igualmente neutros, que o censuraram publicamente. Mas, quinze dias depois do suicídio de Hitler, a Alemanha capitulou. De Valera, então, num espetáculo de incoerência inigualável, ordenou então que as comemorações "pela paz" tomassem as ruas do país. Foi a maior manifestação pró-inglesa da história da Irlanda, com mais de dois milhões de pessoas nas ruas bebendo e empunhando bandeiras dos Aliados, inclusive a 'Union Jack". Em um discurso ao fim da guerra, Churchill, um velho inimigo, criticou pesadamente a postura de de Valera, que o respondeu num discurso considerado histórico na Irlanda reiterando que seria impossível para a qualquer país colaborar com quem o escravizou por 700 anos, mesmo que isso parecesse o mais certo a fazer.
Em 1949, os Estados Unidos incluíram a Irlanda no Plano Marshall, e de Valera fez as pazes com de Gaulle. Em compensação, fechou a representação diplomática em Moscou. Cabe ressaltar que os russos, mesmo após Lênin, tiveram boas relações com os escoceses e irlandeses, por conta da pesca e de empreendimentos marítimos conjuntos. Mas o Comunismo era intolerável para o direitista e católico de Valera. Livros foram proibidos, a censura, que, já vigorava desde a década de 30, passou a ser dura. De Valera se alinhou entre os mais ferrenhos anti-comunistas dada que a "vocação católica da Irlanda seria eternamente incompatível com o socialismo".
A década de 50 viu de Valera no ostracismo por alguns anos. Não foi um afastemento total já que, a esta altura, ele era um herói vivo da independência do domínio britânico. Em 1959, assumiu a Presidência da Irlanda até 1973, sempre por eleições. Foi responsável pelo ingresso da Irlanda no Mercado Comum Europeu, embrião da Comunidade Européia. Aproximou-se dos Estados Unidos e da Inglaterra, tendo sido recebido várias vezes pela Rainha Elizabeth II.
Durante a década de 60, percebendo que o momento pedia outra postura, reabilitou todos os heróis do período de 1916 a 1936, incluindo desafetos célebres, como Griffith e sobretudo, Collins. Sobre este último, em 1966, de Valera disse que o povo irlandês reconhecerá o seu papel fundamental na independência, e seu martírio, e, a "seu juízo, colocará este peso nos meus próprios ombros". Uma forma muitíssimo elegante de reconhecer culpa, senão direta, já que foi provado que de Valera não ordenou o ataque que matou Collins, pelo menos por omissão, pois ele sabia que no trajeto entre Dublin e Cork haviam várias emboscadas prontas.
De fato, de Valera é um herói irlandês, apelidado de "Long Fella", ou o camarada para sempre. Os historiadores se dividem entre os seus erros e acertos. De Valera alcançou o seu objetivo como estadista, transformando a Irlanda, ou pelo menos 80% do seu território, em país livre e soberano. Questionam-se apenas se o preço pago pelos irlandeses poderia ter tido uma boa redução. E, se nas suas convicções nacionalistas não estava embutida uma ambição doentia e uma vaidade perigosa.
A propósito, o apelido de Collins era "Big Fella", ou o grande camarada.
Talvez em dupla, os camaradas fizessem mais, em menos tempo e expondo menos os irlandeses. Talvez com mais espírito de estadista e menos de ser o "espírito irlandês encarnado" ( como ele se definiu nos anos difíceis entre 1916 e 1922), melhor, mais nobre e menos controverso fosse o seu legado.
Como último comentário, um dado macro-econômico. Durante a vida de de Valera, o maior crescimento anualizado do PIB irlandês foi de 3%, com média de 1%. Depois de de Valera, a média passou a 3%, número chinês para a Europa.
Morreu em 1975, com 91 anos de idade. O clima em Dublin, no dia de sua morte, era difícil de definir. Mais ou menos como sua conduta.

domingo, 2 de agosto de 2009

Eu não sou a Regina Duarte !

Mas estou com medo.
Eu não sou, nem quero ser comparado à Regina Duarte. Na campanha das eleições de 2002, no horário reservado ao PSDB, ela disse que tinha medo do Lula. "Lula", no caso, me pareceu ser um pouco mais que o candidato. Ter medo do Lula deve ser coisa de quem tem mania de perseguição. Sozinho, Lula não mete medo em ninguém. Ele não sabe falar, mal sabe ler e deve escrever bisonhamente. Não deixará legado duradouro.
Por isso, não quero ser comparado à Regina Duarte.
Também não concordo com o partidarismo do "medo". Como não tenho medo do Lula, também não tenho medo do Serra, do Sarney, do Renan, do Garotinho, do Cabral, do FHC, do Stalin, do Hitler, do Saddam ou do Hugo Chávez, individualmente.
O que me dá medo é o aparelhamento do Estado com os quais todos estes, e mais umas várias dúzias que eu poderia citar, compactuaram. Sim, porque sozinhos nada teriam feito. O raciocínio pode ser explicitado por um fato histórico, notório e claro. O que seria de Hitler sem Goebbels e mais uma meia dúzia ?
Tenho amigos e conhecidos que vão de um extremo ao outro do espectro político. Conheço bem suas convicções e superficialmente as teorias que suportam estas convicções. Também não tenho medo da esquerda, da direita, do meio...
Por isso, por favor, não quero ser comparado à Regina Duarte.
Mas os fatos parecem querer me convencer de que devo ter medo.
Eu nunca vi tanto esforço conjunto para desmoronar as instituições como agora.
É coisa demais acontecendo ao mesmo tempo: crise no Senado, sem-vergonhice do Berlusconi, descrédito total do poder público estadual e municipal, cara-de-pau reincidente e grave do Lula, que ora defende ora se afasta das crises, Justiça com vísceras podres expostas, Polícia Federal fazendo investigação e divulgando aqui e acolá sabe-se lá porque, Igreja e igrejas completamente desnorteadas e temporais demais para quem almeja algo espiritual e, para acabar com toda a minha crença de que restou alguma coisa na qual eu possa repousar meus olhos e fazer uma leitura sem ter que abrir um caleidoscópio de inferências e ilações, escarafunchando entrelinhas e cruzando notícias aparentemente desconexas para formar uma idéia, a imprensa soçobrou. E feio. Não sobrou nada.
Não vou justificar meu ponto de vista com retrospectivas longas ou considerações profundas porque nem jornalista sou. Não acredito no PIG, nem no que venha a ser a sua oposição. Não tenho mais o menor respeito pelo Paulo Henrique Amorim, como também não tenho pela Míriam Leitão, que fique claro. Leio tudo o que posso e sou acometido de espanto, somente.
O fato recente, que mereceria repúdio coletivo da imprensa, fosse dos jornalões ditos membros do PIG, fosse das publicacões alinhadas com os partidos da "base aliada", é um desembargador conceder uma liminar para que um jornal pare de publicar gravações de investigações da Polícia Federal sobre um pessoal do Maranhão.
Isso não é de dar medo ?
Pouco importa como o jornal está obtendo as transcrições das gravações. Se for de forma ilícita, que se apure o ilícito. Pouco importa que o jornal esteja dando destaque às mesmas. Qualquer veículo de informação pode dar destaque à atuação do zagueiro do Arranca-Toco F.C., bem como ao último evento na Indonésia que vitimou umas três centenas de pessoas, pois a linha editorial do mesmo é, e deve ser sempre, independente. Leia-o e compre-o quem quiser.
Pouco importa também que seja o jornaleco do bairro ou o grande jornal de circulação paulistano-nacional.
É simples para mim. No estado de direito com garantias mínimas, qualquer um pode divulgar a notícia que bem entender, e que arque com as consequências de suas publicações. Mas não se deve impedir ninguém de divulgar nada. Das duas, uma: ou é verdade ou é calúnia. A ser apurado, após ter sido publicado ou dito, porque antes, para mim, é censura.
Mas vá lá que o tal jornal tenha extrapolado e mereça que a espada e a cegueira da Lei intercedam. Sabe o que me deixou com medo mesmo ? Foi ler muito pouco, ou nada, em outros grandes, ou pequenos jornais, sobre a tal liminar.
Se o resto da imprensa tolera, ou não combata, que um jornal, concorrente por sinal, seja impedido por liminar de publicar alguma coisa, trata-se de uma situação que pode ter diversas interpretacões, e Deus-me-livre-guarde de imaginá-las, porque já estou com muito medo.
Coincidentemente, o governo de Chávez, o da Venezuela, no mesmo dia do expediente do desembargador, fechou algumas dezenas de emissoras de rádio "não-bolivarianas".
Por favor, não quero ser comparado à Regina Duarte. Mas estou com medo.