terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Se faltasse o Fluminense no Mundo

O hino do Flamengo tem várias estrofes que não considero dignas de um clube que conquistou o que o conquistou. É de uma infelicidade total. Lamaratine Babo deve ter desfiado alguns fios de maliciosidade nas letras horrorosas do hino de bela melodia.
Para começar é o único hino que faz referência a um rival. No caso , o Fluminense, na "pé-triturada" estrofe "nos fla-flus é um ai, jesus".
Obrigado, agradecem os tricolores pela deferência da filial, invocando inclusive o nome de nosso senhor.
Mas o pior está por vir.
"Eu teria um desgosto profundo
Se faltasse o Flamengo no mundo."
A lógica nega a possibilidade de tal fato. Se não houvesse Flamengo, não se conheceria Flamengo, sequer saberia se suas cores são vermelho, preto, azul ou amarelo. Zizinho teria jogado no Andaraí. Zico no Bangu. Adílson no Vasco. Júnior no Friburguense. Silva, o Batuta, estaria com a eterna camisa vascaína. Não haveria existência rubro-negra, com repercussões fantásticas no comportamento dos estádios. A Raça seria América. A Urubuzada, naturalmente tricolor, queda esta já observada nos dias de hoje.
E aí, vazio total ocupa minha mente. E se faltasse o Fluminense no mundo, fato impossível, vaticinado pelos mais belos cronistas tricolores, que são unânimes: "O Fluminense veio do Caos para o Título", "Estava escrito há dois mil anos que o Fluminense seria campeão"?
Mas me permito descartar Descartes. Tornar a lógica ilógica e supor que se não houvesse o Fluminense no mundo, em vez de desgosto, minha alternativa recairia sobre clubes que no imaginário nebuloso meu, seu e nosso, mais se adequeriam à minha personalidade e ao meu modo de ser.
Sem considerar Américas, Juventus, Central de Caruaru e São Raimundo, times confiáveis e amadíssamos Brasil afora e sem considerar também estrangeiros, pois eu certamente torceria por um time de Reykjavik ou pelo nobilíssimo Real Madrid ( ninguém sabe porque raios o clube é Real), vou assumir uma postura de muito macho e me declarar "casaca" sem o ser. Segue minha auto-análise-psico-clubística.
Acho que eu seria fortemente pressionado a ser vascaíno, dada a origem lusitana de metade da minha família, ou são-paulino, dada a influência meio aristocrática paulistana da outra metade. Mas nem a analogia de três cores teria influência.
Creio que o clube que me seduziria seria o Cruzeiro. Em primeiro lugar porque quando comecei a acompanhar futebol, em fins da década de 60, fui ao estádio num jogo do Cruzeiro e naquela época, a camisa do time era de um azul-marinho profundo e não tinha escudo, apenas as cinco estrelas bordadas do lado esquerdo do peito. Em segundo lugar porque Tostão foi um jogador dos mais inteligentes que vi em campo. E como temos a tendência a torcer pelo mais fraco, me impressionava que Tostão fosse pequeno, assim como Dirceu Lopes, outro baixinho infernal, e jogasse aquele bolão e encarasse o monstruoso zagueiro Galhardo, do Fluminense, por exemplo. Observei a torcida do Cruzeiro e aquele mar azul foi uma imagem inesquecível. E mais, o Cruzeiro era um timaço, mas era o time do quase. Tirando a Taça Brasil em que o Cruzeiro pulverizou o Santos em 1966, que não vi porque tinha apenas 3 anos de idade, o Cruzeiro sempre se apresentava bem, mas nunca ganhava. Amaldiçoei Manga na final do Brasileiro de 1975 por ter fechado o gol contra a artilharia pesada de Nelinho, com chutes de curvas múltiplas, que eu não conseguia entender.
E a torcida do Cruzeiro tinha uma característica que era diferente da do Atlético, da do Flamengo, do Corinthians, do Palmeiras, do Botafogo ( que tinha um lamentável líder de uma espécie inferior chamado "Russão"), do Grêmio e do Vasco. Eu nunca via briga envolvendo a torcida do Cruzeiro. Deviam ter várias, claro, mas não havia aquele ícone de fúria, agressão física, tipo Fiel, Raça, Fúria, Gladiadores, Manchas, Máfias associados ao Cruzeiro...ou tinha ? Se tinha era discreta, eu não via e não percebia. Enfim o Cruzeiro era o time que contou com minha simpatia.
E se não houvesse nem Fluminense, nem Cruzeiro ? Eu seria Santos, sem dúvida. Na verdade, eu tinha raiva do Santos porque ver aquele time ganhar quase sempre me irritava. Mas eu era fã absoluto de Pelé e de um outro jogador que atuou no Santos e no São Paulo, o Toninho Guerreiro. Mas no fundo a raiva era atração. No estádio, vi pouco brilhantismo do Santos, exceto um Santos vs. Vasco que meu tio vascaíno me impôs e o Pelé e o Edu acabaram com o jogo que se não me engano foi uns 4 a 1 ou 4 a 0.
Mas tinha a mística. O Santos era o Barcelona de hoje, só craque em campo.
E, agora a atitude de macho mesmo. O crítico feroz ( e conheço um muito simpático que atende pelo nome de Gustavo) dirá: "assim é mole, está escolhendo times de ouras cidades e estados. É um argumento válido, principalmente pela época em que fiz a opção pelo Fluminense. Hoje, um jogo Flamengo vs. Palmeiras, em Uberlândia, apresenta espectadores rubro-negros em maioria diante dos palmeirenses ou pelo menos, os números se equivalem. Na década de 60 não. Lembro que o Fluminense foi jogar em Curitiba contra o Atlético Paranaense e ouvi pelo rádio o empate em 1 a 1 e os gols, dois dias depois no inesquecível "Ataque e Defesa "do Ruy Porto.
Então vamos lá. Eu seria vascaíno por livre e espontânea pressão familiar. Mas ocorreu um um fato, que não lembro se foi em março de 67 ou novembro de 69 que me chamou a atenção de um time que passei a acompanhar quase como o Fluminense, quando era possível : a Portuguesa da Ilha do Governador aplicou um chocolate qualquer no então imbatível Botafogo. Aquilo me encantou. A magia do mito Davi e Golias, viva ali, traduzida em gols não evitados pelo arqueiro Cao. E as cores da Portuguesa eram as mesmas do Fluminense. Pode ser que o fato de ser inevitavelmente sacaneado impiedosamente em qualquer ambiente ao declarar que era toredor da Portuguesa da Ilha acabassem me demovendo desta ideia e eu recaísse nas graças do Almirante ( clube que inclusive, até vir de Alfa Centauro o incrível Eurico Miranda, eu nutri certa simpatia até o dia que o Vasco bateu o Cruzeiro no Brasileiro de 1974 - fiquei indignado...achei que foi uma roubada histórica trazer o jogo para o Maracanã...). Quis o destino que num teste que fiz no Vasco em 1979 eu fosse barrado mas conduzido à Portuguesa, onde joguei por rês meses na então categoria juvenil, com direito a demissão sumária após o segundo jogo. E agora, neste instante, descubro que o mascote da Portuguesa é uma zebra de três cores...
Mas é isso, como essas possibilidades inexistem, pois o Fluminense começoua ganhar títulos quando ainda era o Caos, portanto, é eterno, fica a divagação, a reflexão sobre um hino cuja letra sempre me incomodou e a metafísica de Lamartine Babo, que, como se sabe, era genial o suficiente para ser depreciado por um deslize de Lógica.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Muricy revogou a "Lei de Muricí"

Dito popular famoso quando a situação se desenha algo complicada e é impossível articular ação conjunta ou em grupo: "Agora é a Lei de Muricí, cada um por si".

Pois um personagem egresso do cada vez mais egocêntrico e estelar meio futebolístico, que chega de fato, por vezes, a provocar indignação com as extravagâncias e malfeitorias de algumas figuras típicas do meio do esporte, surgiu como padroeiro de que o referido ditado popular prega. E, curioso, tem o nome que serve à rima.

Atende o cidadão pelo nome de Muricy Ramalho, e sua atual profissão é a de técnico de futebol. Antes da digressão sobre a revogação da Lei, faz-se necessário um parênteses sobre uma característica deste pretenso blogueiro: eu torço pelo Fluminense, dois mil anos antes do meu nascimento eu já torcia pelo Fluminense, e mais que isso, fui sócio, e atleta do mais alto nível de mediocridade, defendendo as três cores que traduzem tradição. Portanto, sou muito pouco neutro ao falar do Fluminense. E, talvez, sempre o serei.

Mas o mote deste texto não é o fato de o Fluminense ontem ter conquistado, após uns bons vinte e seis anos recheados de episódios tristíssimos, o título de campeão brasileiro de futebol de 2010.

As linhas são dedicadas a um personagem deste título sim, mas não no seu mérito na conquista. Mérito, aliás, que a esta altura é incontestável. Não há voz que se erga e diga: o técnico Muricy Ramalho errou aqui, mudou mal ali, pensou errado acolá, coisa que aliás é bem típico do brasileiro, que como todo mundo sabe, nasce técnico de time de futebol.

As linhas são dedicadas a um profissional que impressiona por uma correção, coerência, coragem, força, controle emocional, inteligência e capacidade de reverter adversidades que bem poderiam caber num super-herói, ou num protótipo de super-herói, um herói humano como muitos outros líderes.

Para ficar apenas no campo do esporte, no que Muricy deixa a desejar se comparado a um Vanderlei Luxemburgo, um Zico, um Bernardinho, um Beckenbauer, um Fritz Walter, um Stanley Rous, um Cruijff entre outros e heresia das heresias, a um Pelé ? Na minha opinião nada, e, bem dito, talvez supere em muito alguns dos enumerados.

Nunca vi em minha vida um cidadão que se dedicou a uma pugna desportiva de proporções maratonísticas, como o Campeonato Brasileiro, tendo o conquistado ao final e se auto-elogiar sem modificar em absolutamente nada a expressão, o tom de voz e a lucidez quanto elogiou Conca, Washington, Leandro Euzébio e Fred ( sim, Fred, o quase candidato a "vilão por omissão do ano"). As declarações em caso de vitórias são sempre de divisão de responsabilidaes e ajudas inestimáveis, ressaltando o grupo e o trabalho em equipe, mesmo em esportes individuais ( Guga e Larri Passos são o exemplo que mais me reluz neste quesito). Recentemente, vimos um Sebastian Vettel chorar ao ser campeão mundial agradecendo a meia população da Áustria a colaboração recebida pelo título mundial de Fórmula 1. Vettel se cansou de fazer besteira o ano todo, inclusive bater no companheiro de equipe numa disputa pelo primeiro lugar em uma prova que tirou os dois carros da equipe da corrida. Mas dirigiu como ninguém na hora que importava. Eu não ouvi ele dizer que ele sabia ser mais rápido que os rivais quando o era. Apesar de ser velocidade absoluta.

Muricy falou, calmo, frio, quase como um diagnóstico médico banal: "minha importância para o título foi grande, quando o time precisou de um técnico eu fui o técnico que o time precisava, atuei nas dificuldades, arrisquei, investi em jogadores que andavam desacreditados e fizeram um belo trabalho, tenho certeza que minha contribuição foi decisiva" . Tá bom, coloquei entre aspas um texto que ele não falou. Mas que bem poderia ter sido falado por Muricy se somadas suas declarações logo após o último jogo do campeonato.

E quem ousou contestar ? O próprio tom com que o auto-elogio foi proferido não deu brecha a questionamento algum. Até mesmo quem poderia ter alguma autoridade para falar alguma coisa sobre algum momento em que a liderança de Muricy deixou a desejar, fez coro ao técnico, o jogador mais valioso do elenco na conquista, o argentino Dario Conca. O lacônico argentino simplesmente declarou nunca haver trabalhado com um técnico tão agregador quanto Muricy.

O técnico do Fluminense se viu em grandes enrascadas ao longo do campeonato. A primeira delas, logo após a Copa, o convite de Ricardo Teixeira, aberto, na imprensa, para que ele assumisse a Seleção. Naquele momento, o Fluminense já liderava o campeonato e Muricy tinha seu nome gritado nas arquibancadas. A torcida tricolor acusou o golpe. Eis que veio a surpresa. Muricy declinou do convite. E, meses depois, com todas as suposições estudadas e analisadas, afastou-se a possibilidade de qualquer interferência ameaçadora de dirigentes ou patrocinadores do clube, ou falta de acordo financeiro. A história foi clara. Muricy foi ético. Se a CBF procurasse o Fluminense e negociasse com o clube a rescisão do seu contrato e aí sim, o consultassem, talvez Muricy estivese hoje trabalhando com a geração Neymar. Mas Ricardo Teixeira, ou seja lá quem o fez na CBF foi diretamente ao técnico, deixando o clube à margem. A postura desagradou a Muricy. E quando a Diretoria do Fluminense foi ouvi-lo ( sim porque nem no Fluminense acreditavam que ele ficaria), e ele deixou claro que o contato tinha sido direto ao mesmo tempo em que era informado que o clube não recebeu nenhum representante da CBF, o trato com o Fluminense foi mantido.

É lógico que Muricy gostaria de dirigir a Seleção Brasileira. Neste momento, o homem Muricy mostrou que mais importante que metas individuais, valem os acordos. Mudar regra do jogo enquanto o jogo está sendo jogado é mau caratismo. No jantar definitivo, Ricardo Teixeira saboreou a sobremesa sozinho. Muricy se retirou da mesa, preferindo o compromisso ético.

Em seguida vieram os problemas com o Maracanã. Onde o Fluminense mandaria seus jogos ? ( Uma boa lição para os dirigentes tricolores pensarem seriamente em investir num estádio, ou como a moda determina, numa arena própria, ou em sociedade com outro clube desabrigado). Na siderúrgica Volta Redonda ? No desajeitado Engenhão ? Muricy defendeu arduamente o Engenhão. Sabia da importância da torcida em um clube que havia beirado a degola meses antes. O acordo com o Botafogo saiu por um pedido de Muricy para que os dirigentes levassem a bom termo a conversa com os dirigentes botafoguenses. E, dizem, por uma conversa que ele teve com Joel Santana. Mas esta fica para o rol das lendas.

Pois o Engenhão se mostrou uma moradia desconfortável. O time perdeu pontos importantes jogando lá. Até que Muricy lançou o apelo, seguido pelo elenco, para a torcida ir ao estádio. Justo no jogo contra o Grêmio, time que fez a melhor campanha do segundo turno do campeonato. E uma firme vitória de 2 a 0 sobre os gaúchos ratificou o que Muricy sabia: aquele time era movido a motivação, no sentido mais puro desta palavra, já que não ocorrerarm atrasos em prêmios e outros problemas financeiros com jogadores como é comum ocorrer.

Outro abacaxi indigesto foi lidar com jogadores de renome com seguidas contusões e tendo que lançar mão de alguns novatos, já que os substitutos naturais, por força,obra e graça de empresários, debandavam do clube. Montar e remontar o time, trabalhar egos para mudanças de função, crises existenciais de alguns jogadores ( me recuso a usar a terminlogia "peça") como Washington e Fred. Aproveitar os exemplos de profissionalismo de Deco, Marquinhos e Conca para os demais componentes do grupo e, simplesmente, falar a linguagem dos jogadores. Nisso, Muricy já era reconhecido. Foi um meia veloz e inteligente que habitou o meio de campo do São Paulo junto com Pedro Rocha, entre outros.

O que chama a atenção em Muricy é que ele é um líder que não parece ter estudado para isso. Não é elegante, exibe uma extensa barriga, cabelos desalinhados, pouca preocupação em escolher palavras suaves. Não me parece que tenha frequentado seminários de liderança e motivação. Não me parece que tenha assessores de imagem, ou atue no esquema de dupla com um segundo obscuro no melhor estilo Murtosa.

Mas é um líder. O grupo reconheceu. Nas fases mais complicadas, depositaram a confiança no técnico. Uma única vez, Conca reclamou de uma substituição. Meia hora depois já havia entendido. Muricy ouviu o técnico adversário dar a ordem para "quebrarem o Conca", e um Neanderthal começou a segui-lo pelo campo.

Em outra situacão, o meia Marquinhos insistia em ter lugar no time. Muricy o fez ver que realmente tinha. Vários, de meia, de volante, de lateral-esquerdo e de ponta esquerda.

Washington quase expeliu seus "stents" com o jejum de gols. Muricy o elogiava ao final dos jogos. Bem, o gol do título saiu de uma bola desviada por Washington.

Fred, rebelde, foi chamado às falas. Pouco fez, mas tê-lo em campo foi importante na reta final. Os goleiros apresentaram seguidos problemas. O time encerrou o campeonato com o seu terceiro goleiro sendo saudado como um dos heróis.

Pois é, Muricy tem razão, ele agiu, mas, ao contrário do ditado popular, não por si, mas pelo grupo, e fez o grupo agir pelo grupo, ainda que um ou outro episódio estressante tenha ocorrido.

Sem dúvida, Muricy Ramalho é um dos mais gratos personagens do esporte, e justo no futebol, onde ética, correção, trabalho em grupo, observar o indivíduo e seu potencial, e sobretudo, com isso tudo, ser um vencedor.

A única pessoa que conheço que revogou a Lei que tem seu nome.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Sociopsicologia de nomes de Lisboa

Recuperei num sebo um dos livros mais curiosos que li em minha vida. De autoria do então membro da Academia Brasileira de Letras Raymundo Magalhães Júnior, trata-se de uma pesquisa muito interessante, com explanações precisas em História, Sociologia, Política e Psicologia dos prenomes, sobrenomes e nomes em geral ( até os indígenas recebem tratamento). Li o livro no final da década de 70 e guardei como livro de cabeceira por uns bons anos. A primeira edicão é de 1974. Famoso por biografias polêmicas como as de Ruy Barbosa e de Machado de Assis, Magalhães Jr. não chegou a surpreender com o livro, chamado "Como você se chama?", já que havia compilado dicionários de ditos populares e folclóricos.
Mas o livro não é um dicionário. Em 22 capítulos, o autor vai de teorias psicológicas que o nome do indivíduo exerce sobre o mesmo até casos de nomes extravagantes e bizarros, com discussão jurídica sobre a troca de nomes bizarros.
No capítulo 21, o autor faz um estudo na onomástica portuguesa e valendo-se apenas da lista telefônica ( da década de 70) de Lisboa desfila uma série de nomes curiosos. Igualmente curioso é que estes nomes não tenham migrado para o Brasil.
Há inspiração em vários aspectos da vida, tanto naturais como produzidos pelo homem, como os nomes de alimentos preparados, que estão exemplificados por Manuel Jesus Chouriço, e outros chouriços até o Raimundo Chouriço. José Lopes Manteiga e Gil Ribeiro Manteiga representam os laticínios. Há um Manuel Toucinho e um um Manuel João Presunto. E 29 com sobrenome banha, como o Alfredo Silva Banha.
Aves e pássaros também parecem populares por lá São inúmeros os Canários, como o sr. Sivino Canário. Os Pelicano ( que tem um ramo no Brasil) ostentam um representante com nome frágil para trocadilhos; o sr. Nuno Grande Pelicano.. Há Gaviões, Marrecas, Bicudos e Perdizes, Além de três Perdigotos, como o sr. Bernardino Antunes Perdigoto. 29 Faisões e 48 Melros mostram como as aves são queridas em Portugal. E os Galinha, como Antonio Santos Galinha e  Mário Gonçalves Galinha. Há um José Joaquim Correia Galinheiro e um João Antônio Ganço, com cedilha mesmo, mas há o sr. Álvaro Ganso, com "s"mesmo, 75 pessoas tem o sobrenome Pardal. E 3 Picanço, que no Brasil vem a ser o pica-pau.. Temos 43 Patos, sendo que há um Nuno Bulhão Pato. e um incrível Patinhas, como o personagem de Walt Disney.Ainda nas aves, temos Corvos e Cotovios e uma Joana Sengo Peru.
Como país marinho, de navegadores, o mar não podia ficar de fora.Vários "Tainha", "Pescada", "Peixe". "Peixinho" e um Manuel Corvina.Temos um  Antonio Silva Tubarão. um Carlos Alberto Garoupa, e 13 com sobrenome "Arraia". Não podia ficar de fora o Bacalhau, cuja lista começa com Albino Encarnação Bacalhau e termina com Vitor Bacalhau.Muitos da família"Boto", e da família "Lampreia". Há um Carapau, o sr. João Carapau. Há os Marujo e vários Marinheiro, inclusive a sra. Ana Lança Marinheiro.
Dos bichinhos terrestres temos muitos Gatos., mas 5 tem o sobrenome "Gata". Nove lisboetas ostenatm o sobrenome "Vaca"e 18 o de "Vaquinhas". 32 tem o sobrenome "Camelo". E os incríveis Texugo, como o sr. Casimiro Santos Texugo. Há um Mário Augusto Cachorreiro. E alguns "Preguiça", como o sr. Aires Abreu Preguiça. Temos 7 da família "Zorro" e o imponente Tenente Antonio Traça. Háo Sr. Alberto Carrapato, e o sr. Samuel Caramujo. Dna Adelaide Besouro, o sr, Fernando Caracol, e Roberto  Caranguejeiro são exemplares únicos de suas espécie. Mas em compensação. são mais de 200 "Grilo"ou "Grillo". como são numerosos os Carneiros. O curioso fica por conta do sr. Armando Furtado Carneiro. O sr. Dario Ovelha e mais cinco assinantes representam o feminino dos ovinos.
As plantas enriquecem sobremaneira os nomes pouco comuns. O sr. Antonio Caroço,  o sr, Jesus Tremoço, o sr, Cipriano Tomate, a sra. Silvia Limão, o sr, Vicente Cebola, e o tropical João J. E. Coco, por exemplo.
O sr. Luís Ginza Azeitona, a dra, Maria Antonieta Hortelão, a sra, Maria Pêssego, o sr, Norberto Simões Arroz, o sr. Antonio da Encarnação Batata, o sr. Joaquim Gorgulho Melão.o sr. Saraiva Pimentão, a Sra. Ângela Salça, o o sr. Manuel Madreira Nabo, a sra, Maria de Lourdes Giló, o sr, Francisco Marmelada, o sr, Manuel Melancia,  e o sr, Jaime Cidra são representantes de famílias mais numerosas ou escassas, mas lá estão.
A religião povoa os sobrenomes da Língua Portuguesa, mas em Lisboa, há a família Calvário, e a família Igreja. Deus existe e 56 pessoas tem esse sobrenome, como a sra. Raquel Sacramento Deus. Muitos "Vigário", inclusive mulheres como a sra. Gertrudes Vigário. O sobrenome Jesus é comuníssimo. Mas as combinações Amélia de Jesus Gago, Francisco de Jesus Catarro, e José Luís Jesus Tocha merecem destaque. Gregório Beato, Alfredo Carola e Carlos Freirinha também são combnações curiosas.
As partes anatômicas são inúmeras em Lisboa. O sr. Fernando Testa, a sra, Carla Perna, o sr. Vasco Barba, o sr. Domingos Bigode, o sr, José Carlos Bochecha, o sr, Vicente Barriga, o sr. Clemente Bexiga e o sr, Afonso Dentinho representam famílias diminutas, Temos um sr. Antonio Pezinho e um Julio Pé-curto ( com hífem mesmo). Há os inspirados por Carlos Magno, como o o Sr. Manoel Grosso, o sr. Pedro Carlos Gordo, o sr. Gregório Gorducho. Sobrenome comum é Braço-Forte, como o sr. José Pereira Braço-Forte e o sr, Manuel Braço-Forte. São quatro com sobrenome Tripa, como o sr. Aldo Tripa. E uma sra. Maria Constança Dodes Pança.
No ramo da construção civil, há um isolado José Santos Paredão, embora muitos Paredes. Há 9 Janelas, como o sr. Jorga Janela.Impressionantes são o sr, Manoel Boeiro e o sr. Liberato Banheiro !
Ligados a guerras há vários. O sr. Manuel Trabuco, o sr, João Pelouro, o sr. Carlos Granadeiro, muitos Fragata, Marujos mas apenas um Joaquim Coronha e um Inácio Corneta da Alvorada. Curiso são os Canhão,com 44 assinantes. Mas a sra. Linda Canhão merece mencão honrosa.. Tal como o sr. Pacífico Cavaleiro.
A lista engrossa com temas variados. Há a família Triste.como a sra. Mercedes Hernadez Triste.E outros: o sr, Luís Chora, o sr, Paulo Chorão, a sra. Natércia Chorosa, a sra. Judite Asseado e 44 com sobrenome Bizarro, como o sr. Gustavo Bizarro, O prenome Jacinto se presta a vários trocadilhos. Pois o autor achou o srs. Jacinto Fronteira, Jacinto Carvalho Arranhado, Jacinto Fadigas, Jacinto Dores, Jacinto Farinha e Jacinto Fortuna.
Alista poderia se prolongar muito, mas vamos ficar com alguns nomes pouco usuais, como o olímpico sr. Joaquim Carvoeiro Tocha, o sr, Pedro Louças, o sr. Alberto Gaiteiro, a sr.a Vera Carapuça, o sr. José Antonio Calças e o sr. João Antonio Conserva.
Mal ou bem, esses sobrenomes significam substantivos. Mas o que dizer do sr. Raul Coito, acompanhado de mais 36 com o mesmo sobrenome ? E de Dna Alda Cabaço ? E a sra. Maria Rachadinha ? E os Bicha. ? Em Portugal bicha é fila, mas a conotação brasileira já se popularizou em Portugal e dá pena do sr. Alberto Bicha e do sr.  Manuel Bicha. Bolina é uma peça náutica e 7 lisboetas ostentavam o artefato como sobrenome, como a Sra. Adelina Leme Bolina, quase um barco inteiro no nome. O palavrão brasileiro "pica"batiza vários assinantes, os exemplares com nomes mais curiosos são o sr. Felizberto Pica, o sr, Manuel Maria Pica e o sr. Eugênio Madeira Pica.
R. Magalhães Jr. passa então a listar nomes curisosos variados. São duas páginas de nomes pouco usuais e cacófonos como o sr. Jerônimo Charuto, o sr. Antônio Paraíso Tacanho, o sr. José Trem, o sr. Sebastião Frio, o espetacular João Jota Fazenda Gíria, o sr. Jaime Barril, o sr. Antônio Haja-bem, o sr. Adriano Costa Vaso Veludo, a dupla dos srs. Jose Pagará e Domingos Pagou, o sr. Alfredo Mau. a sra. Alice Céu Garimpo, o sr. João Figueiredo Verdade, a sra, Eugênia Tapada, o sr. Ângelo Menino de Ouro, o sr. Vitor Fitas Ouro, o sr. Ezequiel Palhaça (no feminino), o sr. Domingos Aresta, o sr. João Assédio, o sr. Antônio Rodrigues Pandeiro. o sr. Antonio Pechincha, o sr. Antônio Pedaço Júnior, o sr. Antônio Taful, o sr. Aníbal Ganãncia, o o sr. João Rodrigues Paratudo. o Sr. João Peste, o clérigo Dom José Porém, o sr. Rodolfo Catarro, que tem muitos parentes, o Engenheiro Antônio José Pau-Preto e seu quase homônimo Antônio José Pau-Branco.o sr. Casimiro Arrebenta, o sr. Eduardo Arriscado. a sra. Fernanda Nunes Saco, a sra, Maria Olinda Madeira Forte, o sr. Antônio Completo Pito, a sra. Rosa Perpétua, o sr. Joseé Ameixa Perna, o sr. Jorge Consciência, o sr, Ivo Cativo, o sr, José Amado Noivo Júnior, o sr. João Cristóvão China, e 9 da família Cambalacho, como o sr. Armando Cambalacho.
Curiosamente há brasilianidades na lista como vários Brasil e 7 Carioca como o sr. Domingos Freire Carioca. Há sobrenomes baseados nos meses do ano sendo janeiro o mais comum. São poucos os fevereiro como o sr. Orlando Fevereiro. O mês de abril reserva o nome menos desejado, o da sra. Maria dos Prazeres Abril.
Não faltam as cores, como o sr. Cesário Verde, o sr Joaquim Amarelo, o sr. Tomás Vermelho, o sr. Vítor Torres Preto, o sr, Carlos Roxo, e o sr. Inácio Pardo.
Como se observa, apesar da criatividade nos sobrenomes, os portugueses não primam pela mesma qualidade na  escolha de prenomes. Assim, em 1974 haviam 900 João Santos. Calcula-se que hoje essa combiinação ultrpasse o milhar o que deve causar embraços aos seus portadores. Igualmente comum é o de Manuel Santos.
Seja como for, há de se tirar o chpéu para o acadêmico Raymundo Magalhães Júnior de escolher a lista de asinantes de Lisboa para esta amostragem da onomástica portuguesa.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Eu sou a Regina Duarte da vez !!!

Regina Duarte, na campanha de 2002 provocou polêmica ao dizer que tinha "medo do Lula". O futuro mostrou que salvo uma mudançazinha aqui, outra ali, um bolsa-aqui, um bolsa-acolá, o governo Lula se transformou numa continuação do programa do governo de FH, aliás, muito mais democrático em termos de governo, pois o plano de FH não tinha a assinatura FH. E Regina virou caricatura com seu medo.
Já o do PT, como disse, continuísta em 90%, tinha uma impressão digital ( assinatura do Lula) e mais, no máximo, três: Pallocci, Dirceu e Dilma. Os dois primeiros foram afastados por corrupção. A terceira virou a xerife do espólio. E Lula deu sorte. Surfou num momento de tranquilidade financeira internacional e ao afastar os temores de investimentos no Brasil, ao adotar um discurso beócio-populista-moderado, tranquilizou. O Brasil estava com fundamentos da economia bem montadinhos depois do sufoco de janeiro de 1999 ( diga-se de passagem, alicerçado em cabeças com pouca afinidade ideológica como Malan, Fraga ( um capitalista de alta patente), Ciro Gomes ( memória curta a nossa, não) entre outros.
Lula, sem candidato, jogou na mesa Dilma. Uma técnica de gabinete, brilhante em planos, principalmente de assaltos. Aliás, o Planalto, com Dilma e Franklin Martins virou casa de asilo de ex-terroristas. Admiro a coragem deles de, nos anoas de chumbo, enfrentar o então Poder constituído. Mas coragem e inconformismo semi-juvenil não levam a muita coisa, como aliás, não levou, e na minha visão está longe de credenciar alguém para ser gestor público.
Dando um salto para 2010, vemos os institutos de pesquisa apontando a vitória da simpaticíssima Dilma ainda no primeiro turno. Relaxei e gozei. Afinal supositório geral, na pior das hipóteses, no dos outros é consolo. Eu me dou mal, mas relativamente não. Porque todo mundo se dá mal. É um consolo idiota, concordo. Mas leva à resignação, pelo menos.
Mas os nossos institutos de pesquisa são muito precisos, como se sabe, e a margem de tolerância se aplicou nos limites. Dilma para baixo, Serra para cima. Um improvável segundo turno então aconteceria. Isso se repetiu em outros estados. Noves fora os erros meio grosseiros, a fase agora era outra. A exposição da Dilma iria aumentar. Na mídia, em discursos, em debates.
Aí eu virei a Regina Duarte. Fiquei com medinho. Dilma é um factóide mal feito, mal preparado, intolerante, deselegante, e o PT, uma polícia partidária no melhor estilo Nazista.
Hoje, o candidato da oposição José Serra fazia campanha na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Nesta eleicão ainda não havia sido registrada nenhuma pancadaria entre correligionários de partidos diferentes. As caminhadas, os eventos de campanha, por mais ridículos e insípidos que sejam, não replicaram o encontro da torcida do Palmeiras e do Corinthians, ou do Vasco e do Flamengo na entrada no estádio, desandando em confusão, xingamentos e o mais baixo, de tudo, agressões físicas.
Pois bem. Serra caminhava num ambiente tenso, afinal, por vários motivos, a região tem miltância petista  efetiva. Procurei explicações em Tropa de Elite 2. Tive surtos de epifania, mas o filme deixa vácuos, mas enfim, lá, sabe porque cargas d'água, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, há militância petista feroz, para usar adjetivo suave.
Bem, a certo ponto, o pau roncou na casa de Noca. Impossível atribuir a confusão a desavenças entre militantes do PSDB. Coincidência ou não, a militância petista entrou em cena, truculenta. Se a careca do Serra arranhou ou ele teve traumatismo craniano, é irrelevante. Trata-se de agressão a um candidato num estado democrático. Isso é inconcebível. Patrulhar campanha, provocar distúrbios e afins me parece um método chavista de praticar democracia, uma contradição em termos, óbvio.
Essa truculência denota medo. medo justifica muita coisa. A militância petista deve estar preocupada com uma derrota da Dilma. Como se sabe. O governo democrático do PT não passou de loteamento político de tudo. De empresas estatais, a ONGS, a escolha de fornecedores do Governo. Para os amigos, tudo. Para os inimigos, porrada.
E como tenho uma visão que acho que é maior que dois palmos além do meu próprio nariz, creio que um governo Dilma não mudará essa ação entre amigos e ainda por cima com um "amigão"de mãos dadas que é o balcão de negócios que atende pelo nome de PMDB.
O recrudescimento da campanha, a ponto de se sentar a porrada num candidato, mostra que a motivação não é ideológica. É de jogo de poder baixo, sórdido, de toma-lá-dá-cá.
E encarenei Regina Duarte de 2002. Estou com medo. Medo do patrulhamento, de reações adversas, de colocar gente no ostracismo por que "não é dos nossos", de boicote a órgãos de imprensa, do uso de outros órgãos de imprensa ( e poderia citar mas não quero ser leviano) para plantar notícias que desqualificam a oposição, enfim, da subversão no limite da legalidade e no extremo da cara-de-pau de princípios democráticos.
Meu período de ócio me permitiu um trabalhinho de reportagem. Nos Estados onde o PT ganhou o governo no primeiro turno, há temor. Principalmente onde há forte economia rural. No Rio Grande do Sul, o número de membros do MST praticamente dobrou em dois meses. Não devem estar lá para tomar chimarrão. Na Bahia, no oeste baiano, unhas são roídas, embora o Nordeste seja alvo pouco visado da milícia terrorista rural oficial subvencionada.
Deixemos de hipocrisia. O MST é o braço maoísta truculento da truculência do PT.
Não há espaço para isso hoje no Brasil. Vote em Dilma e alinhe-se a Evo Morales, e, principalmente Hugo Chávez, onde o nacionalismo legitima tudo. Até cacetada no candidato oposicionista.
Virei Regina Duarte versão 2010.

sábado, 11 de setembro de 2010

Fukuyama, 11 de setembro, Saramago e Dilma

Como uma mandala, o título sugere que os assuntos se relacionam e se retro-alimentam.
Será um bom exercício, resultado de uma divagação nada impossível, cujo conteúdo e espírito da coisa só poderão ser constatados ao final da missiva, pois é mister discorrer sobre os antecedentes.

Quando o Muro de Berlim caiu, em 1989, o comunismo ruiu e o que parecia ser a dialética política dominante semi-eterna acabou como num passe de mágica. Ecoonomistas se debruçaram sobre os indicadores dos países satélites da ex-URSS., e dessa própria, para tentar entender o súbito fenômeno. Capitalistas trataram de aproveitar a oportunidade e ganhar dinheiro em países onde essa cultura ( a de ganhar dinheiro) estava esquecida pelas duas geracões pós 1945. A China se deu conta que alimentar mais de um bilhão de almas e exercer controle rigoroso sobre tal contingente não valia a pena num mundo que visivelmente saltava para uma integração comercial e financeira plena e deu as costas para o comunismo de tabuada e implantou um regime comunista na filosofia e plenamente capitalista na prática.
E os historiadores e filósofos ? Li coisas diametralmente opostas, do receio e da crítica de Leandro Konder ao entusiasmo da turma de Chicago e de Harvard.

Mas um sujeito chamou mais a atenção que todos, o historiador e filósofo Francis Fukuyama, americano de origem distante nipônica, plenamente integrado à cultura ianque, que, em 1991, portanto um tanto ou quanto precipitadamente, lançou um livro chamado "O Fim da História" onde pregava que a História como processo, na concepção de Hegel e seguida por muitos, inclusive Marx, havia acabado, já que o liberalismo ocidental prevalecera com o colapso soviético e o mega-ajuste chinês. A História teria de ser modificada e, como disciplina em si, não fazia mais sentido.

Fukuyama é um grande pensador e ele mesmo começou a duvidar do que escreveu quando fatos nada afastados da doutrina de Hegel começaram a acontecer no Iraque/Kuwait, em vários pontos da África e principalmente, na Guerra dos Bálcãs que significou o esfacelamento da Iugoslávia com conotações religiosas e étnicas. Sem esquecer o duradouro impasse Israel-palestinos, que transcende o local e empolga todo o mundo árabe. A História estava viva. De certa forma, sob uma roupagem mais pontual, menos global, mas os princípios de Hegel lá estavam todos, fosse na Europa, na Ásia ( os já citados mais a questão tibetana e de Mianmar), na Oceania (Timor e Filipinas) e na América do Sul ( democracias novas lidando com problemas de conduta e crises econômicas).

Fukuyama lançou artigos corrigindo seu rumo, mas sem abandonar sua convicção. Curiosamente, em 2000 Fukuyama proferiu uma série de palestras praticamente abandonando a teoria do "fim da História"e seu sub-produto, "O Último Homem". Começou, talvez mais impressionado com os fatos ocorridos na Bósnia, para o qual contribuíram fortes vetores de religião e conflitos étnicos, a construir um novo raciocínio. Também foram aos ouvidos de Fukuyama os sacolejos nas economias argentina, mexicana, russa e brasileira ( janeiro de 1999), nesta ordem, que mostravam um fluxo de capitais intenso capaz de causar mais efeitos do que uma guerra ou decisões de gabinetes da diplomacia tradicional.

Incrível, mas Fukuyama previu que "...a História está desmembrada, mas viva, e acontecimentos dramáticos parecem cada vez mais imprevisíveis e de difícil estudo (....) não será impossível pequenas forças botarem potências de joelhos, como não será impossível que as potências e o capital destruam estas pequenas forças."
Algo de futurologia neste extrato se confirmaria dramaticamente em 11 de setembro de 2011, que hoje completa 9 anos e ainda provoca dúvidas e perplexidade. Definitivamente, o edifício de Fukuyama desabou junto com o World Trade Center. A História tinha um novo motor. O conflito religioso-moral com forte dose de tempero dos tempos coloniais.
O que veio depois, todos sabem. O Estados Unidos empreenderam campanhas no Iraque e no Afeganistão caríssimas, com resultados práticos pouco visíveis até agora. Uma China pujante crescendo a à velocidade de Mach 7 no PIB, e os países periféricos se ajustando e ganhando espaço no cenário mundial.

Hobsbawn previu também a Era do Controle. Paralelo a isso tudo o boom internético e de tecnologia digital permite hoje que qualquer cidadão seja observado 24 horas por dia. Saímos da Era do Confinamento para a Era do Controle das massas. Um tsunami que arrasa Sri Lanka é noticiado e com imagens no Brasil em um par de horas. Um boato sobre a dívida pública grega faz torrentes de dólares migrarem de ativos em minutos.

Para completar tudo isso, em 2008 o capitalismo quebrou. Seu antagonista, o comunismo, já havia deixado a disputa quando o predominante resolveu se auto-flagelar, criando mecanismos de crédito que simplesmente não correspondiam à producão e ao lastro em moeda existente. Protestos em todo o mundo, um país falido , sim um país inteiro falido - a Islândia - , privatizações nos corações do capitalismo, Wall Street e Detroit. O caos se avizinahava. Nem tanto. Os governos centrais mostraram fôlego para sustentar  o sistema financeiro, mas deixaram de fazer seus deveres de casa sociais.

Aí surge José Saramago. Em um livro não muito percebido, de 2004, pois foi publicado logo após o festejado "Ensaio sobre a Cegueira". Saramago antevê um estado de coisas em que os cidadãos se distanciam tanto do governo e este dos cidadãos, que num fictício país, todos, sem excecào, votam em branco numa importante eleição. Estados de sítio, teorias conspiratórias e tudo o que se possa imaginar acomete o governo do tal país. Mas os cidadão continuam votando em branco. Tanto faz como tanto fez quem sentará no Poder. As coisas não mudam mais ao sabor de uma vontade mas sim de uma quantidade de variáveis tão grande que é impossível prever se a figura A fará melhor governo que a figura B. O próprio governante está de carona e nào há necessidade de ninguém para governar. tanto que enquanto o governo do fictício país se desdobra para resolver o incrível vexame, a vida nas ruas segue normalmente, não há piquetes, não há protestos, todos vão ao trabalho normalmente, todos vão aos jogos de futebol, mas continuam a votar em branco. Saramago deu o nome a este livro de "Ensaio sobre a Lucidez", palavra última esta que não se apresenta em nenhum momento do texto, sugerindo que lúcido é esquecer o Poder em uma sociedade que caminha para um desconhecido destino, melhor ou pior, não será por obra e arte do mandatário. É como se o velho dito francês, após mais uma troca de república, "plus ça change, plus c'est la même chôse.", estivesse enraizado. Mudar para quê ?

E aí me ocorre o que se passa na atual corrida eleitoral no Brasil de 2010. O candidato dito da oposição renega o governo de seu partido oito anos antes e se parece mais com a situação do que nunca. A candidata da situação é figura polêmica, imprevisível talvez, mas está pasteurizada a um ponto que tudo leva a crer que o Brasil experimentará um continuísmo maquiado. E, neste ponto, não fosse a tradicional forca do clientelismo, do voto de cabresto e dos votos para beneficiar grupelhos que se apoderam de partes do Poder Público para enriquecer, coisa totalemente normal no Brasil, me arriscaria a dizer que seria uma eleicão fértil para abstencões e votos em branco. Votar em terceiros, sem chance, é como lavar as mãos, a indiferença provoca o sentimento do "tanto faz". E prevejo um "tanto faz"real.
Há os que temem o bolivarianismo do Brasil. Fukuyama, citado lá no início talvez concorde pois sempre  pensou que com exceção da Austrália, não há pecado ao Sul do Equador. Venezuela, Bolívia, Argentina, Equador e Paraguai são vizinhos. Estão mortos de saudades de Simón, na verdade para implantar um caudilhismo tipo "programa de auditório". Acerte as perguntas e ganhe um carnê da Revolução da Felicidade ! Só que os dados econômicos destes vizinhos não apontam um futuro muito glorioso e libertador não.
E o Brasil não é país que permite brincadeiras ou inconsequências mais. Seja quem for, não vai governar, vai ao sabor das ondas, ao contrário do que previu Fukuyama, forçado a mudar de ideia pelo 11 de setembro e pelo setembro de 2008, e de acordo com Saramago, tanto vai fazer como tanto vai deixar de fazer. Vai repartir o Poder para garantir mais um período de continuísmo e aquinhoar velhos abutres com seus quintais de carniça usuais.
O resto pode depender do deficit francês e da força do marco para continuar lastreando o euro, por exemplo. Diante de um cenário onde o euro desvaloriza muito, seja lá quem for, uma ex-terrorista ou um estudado político cheio de contradições e que renega o próprio partido, tanto faz, governará ao sabor da grande maré.

domingo, 5 de setembro de 2010

Sobre a Brevidade da Vida

O título não é autêntico. Lúcio Aneu Seneca o utilizou um pouco antes de mim,  em 62 d. C. Mas uma sucessão de eventos me fez refletir profundamente sobre o estoicismo implícito nesta frase. Na prática, a vida não é breve, e que me perdoem os espíritas e os católicos, até que eu seja presenteado com o beijo da morte e veja outra coisa diferente do nada que via antes de nascer, dificilmente serei convencido da imortalidade da alma. Na prática, a vida dura o que tem que durar. Mas aproveitemos esse tempo da melhor maneira possível. Dizia Lúcio, já.
O que me força, inconteste, a tomar Sêneca e seu breve relato como um ótimo guia para viver bem. Daí a conseguir é outra coisa. Mas o primeiro passo, reconhecer que estou ocupando uma janela de tempo na existência do Homo Sapiens, está dado.
Reforçou-me profundamente a tal sequência de eventos que já mencionei. Uma cirurgia delicada em mim mesmo, uma crise de depressão, a morte súbita de alguns conhecidos que caminhavam bipedescamente e tranquilamente há duas semanas antes de fulminados por enfermidades fatais, a escolha da leitura de Sêneca e uma manhã de domingo em que acordei leve, apenas levemente dolorido por um treino de Vela na véspera ( me fazendo refletir sobre a qualidade da vida atrelada à qualidade do bem-estar físico), e me deparei com um acidente em uma corrida de motos que vitimou um piloto japonês de 19 anos.
Pronto. Estavam todos os ingredientes postos para refletir sobre a brevidade de nossa existência. Sim, porque ninguém me convence de que viver 70 ou 100 anos faz muita diferença. Já que estou convencido que viver 19 ou 70 faz.
É de boa educação do escriba alertar o leitor que  não há a menor pretensão neste texto de ser um guia para viver bem. Ao contrário, sob o impacto dos fatos, é mais fácil que o leitor o tome por um guia pessimista, introspectivo, melancólico.
Mas nem assim, tomem como um guia. São reflexões apenas. Digressões, rupturas, roupa rasgada e garganta afônica de gritos, assim prefiro. Partindo de extratos de Sêneca que todo mundo admira sem lançar um olhar crítico, as vísceras aparecem. Não nego o velho filósofo romano ( quase uma contradição em termos), apenas reflito e repito o exercício de Nietzsche, de refletir ou formular aforismos para transmitir suas ideias.
O primeiro extrato de Sêneca, "Apressa-se a viver bem e pensa que cada dia, por si só é uma vida", contem uma óbvia contradição. Pressa em viver bem encerra um plano para isso. Ninguém alcança o Nirvana num estalo às duas da tarde. Viver bem requer tempo, plano, disciplina. Logo, ao pensar que em um dia vive-se uma vida, eliminam-se os planos. O outro jargão clássico, quase um corolário deste extrato de Sêneca, é aquele que diz que "o único dia em que posso fazer alguma coisa é o hoje, porque o ontem já passou e o amanhã está por vir." Também me parece estóico demais, coisa de inconsequentes mesmo. O ontem fez o hoje e o amanhã será resultado do somatório dos "ontens". Não é óbvio ? Claro fica que adiantando os ponteiros do relógio não modificamos absolutamente nada. Mais uma vez as 24 horas do dia não são uma vida com exceção do ponto de vista das efemérides e borboletas, que as tem com sua existência toda. Logo, ao afirmar que um dia é por si só uma vida, afirmamos que os deveres e haveres de amanhã fiquem em segundo plano e a tendência é que ao menosprezá-los, o amnhã seja menos feliz que o hoje.
Mais à frente, Sêneca faz uma pequena correção: "Trabalha como se fosse viver para sempre. Ama como se fosses morrer hoje." Creio que quanto ao fardo nosso de cada dia, o grande pensador romano ( quase uma contradição em termos) se redimiu, mas quanto ao amor...O amor efêmero, as paixões de uma forma geral, são ótimas quando vividas intensamente o que é bastante diferente de, ao fazê-las, imaginá-las como última. O que seriam dos esportistas, dos praticantes de qualquer hobby, que guardam paixão pelo que fazem se não tivessem preparação, planejamento, ideias, persistência, enfim, uma centena de vocábulos muito mais longos que mortes repentinas, mesmo que imaginárias ? Bem, e os relacionamentos ? Igualmente, intensidade e irresponsabilidade são incompatíveis nos bons relacionamentos. Paixões eternas que se dissiparam em meses são inúmeras. Neste ponto, e sem fazer qualquer defesa ou emitir qualquer parecer sobre religiões e seitas, me parece que o budismo e o cristianismo primitivo ( aquele que existiu antes da Igreja) foram muito mais felizes. Lembrando que Jesus bebeu da fonte dos escritos orientais e de Platão, em paralelo, ressalte-se que os estóicos não o conheceram.
Relacionamentos são como uma terceira pessoa vivida entre duas. E começa como começa a vida de uma pessoa. Sem enxergar, sem entender nada, dependente de quem se ocupa em cuidar. No caso dos relacionamentos, os pares. Isto requer trabalho, renúncia, desprendimento, e amor. Muito amor. É assim que vejo os relacionamentos que valeram a pena serem vividos. Sim, porque podem ser finitos, o que é diferente de "vida útil curta".
Para não causar enfado, pinça-se mais um extrato: "Dedica-se a esperar o futuro quem não vive o presente." A complexidade deste curto aforismo está na dicotomia "acontecerá- não acontecerá". Avaliar o que pode e o que não pode acontecer futuramente, salvo tudo que é absolutamente fortuito é a saída para esta inequação existencial. Pela lei das probabilidades, se uma ação minha hoje provoca  resultado futuro ou se as inúmeras variáveis e vetores que governam nossa vida parecem apontar um rumo, por vezes, é aconselhável esperar. Até porque o próprio Sêneca condena o "sofrimento por antecipação". Ora, é perfeitamete plausível abstrair-se um pouco do presente para aguardar algo futuro. Aí estão os adoradores do método da vingança para atingir a redenção, que não me deixam mentir. E esses adoradores, dentro de seu código moral, se realizam com suas vinganças, e assim, vivem bem. A generalização é por demais perigosa.
E para ilustrar o que foi tentado nessa curta missiva, gostaria de descrever a morte de dois personagens citados: o jovem piloto japonês e Sêneca.
Shoya Tomizawa. de 19 anos, subiu em sua moto, colocou o capacete e largou para aquela que seria sua última corrida. E posso apostar que segundos antes do acidente fatal estava concentrado e fazendo o que prega Sêneca. Talvez ainda não tenha se dado conta que morreu, dada a violência a que seu corpo foi submetido.
Sêneca, instrutor de Claudio, quando Nero ascendeu ao Poder em Roma (quase uma contradição em termos), sabia que seria perseguido. Mesmo se afastando da vida pública depois de um curto período em que Nero utilizou seus conhecimentos, sabia que tinha seus dias contados. E desandou a escrever, com conteúdo estóico e pano de fundo cético. Nero ordenou que se suicidasse. Ele teve que cumprir.
Temporalmente, o jovem japonês viveu breve, mas talvez tenha vivido como quis e morreu fazendo o que gostava. Sêneca viveu mais, mas passou 7 anos sabendo que sua vida dependia de uma simples decisão de alguém imprevisível.
Não sei do meu futuro, nem do de ninguém. E duvido de adivinhos e oráculos. Mas não seria perfeito termos uma vida com qualidade e chegada a nossa hora, que fosse exatamente no momento em que estamos fazendo o que mais gostamos ?

domingo, 27 de junho de 2010

Ave, Maria

Joaquim havia passado o dia cuidando da parte dos fundos da pequena propriedade nos arredores de Jerusalém. A cerca havia sido derrubada por membros de uma seita messiânica-anarquista. Joaquim, casado com Ana, era, como Ana também, descendente de David. Os descendenetes de Saul, David e Salomão passavam por dias difíceis.
Entrou na casa de barro e madeira, simples mas aconchegante, cansado e irritado. Os romanos insuflavam os anarquistas e os messiânicos, para enfraquecer as milenares tradições dos hebreus. Então Joaquim vociferava e estava quase determinado a se juntar a um pequeno grupo de resistentes, às margens do Mar Morto.
Joaquim e Ana não tinham filhos e estavam livres para ir para outro lugar. Ana, no entanto, frequentava o Templo e sua linhagem lhe proporcionava algum prestígio em Jerusalém. Apesar da vida simples, podia se dizer que o casal era abastado. Tinham terras nas nascentes da Samaria e outros bens materiais. Joaquim se perturbava por não conseguir prestígio. Ana badalava em Jerusalém.
Mas, dizíamos que Joaquim entrava em casa mal-humorado. Pois bem, não é que se deparou com Ana em uma túnica quase transparente transbordando desejo e se insinuando ?
Joaquim estava preocupado com os sábios do Templo e resolveu comparecer ao dever de esposo. Enquanto penetrava em Ana pensava, pensava, até que se deu conta que Ana poderia estar num período fértil. Isso o iluminou. Satisfez Ana como poucas vezes, embora, coitada, nem imaginava que seu prazer tinha sido quase resultado do maquiavelismo de Joaquim. Sim, Joaquim queria um filho. E faria deste filho um mito, um líder, um revolucionário.
Ana percebeu a gravidez só depois de 90 dias. Afastou-se um pouco do Templo e se preparou para a chegada da criança. Joaquim imaginava um rapaz forte, alto como ele, mas com os traços mais harmônicos de Ana.
Bem, veio ao mundo uma menina, para frustração de Joaquim. Não se fez de rogado. Batizou-a de Mirian, que em grego pronunciava-se M'ria, ou Maria, e cujo significado é "rebelião".
Desde cedo, Joaquim seguiu todos os passos de Maria. Via na jovem determinação e coragem. O que sempre o animava.
O casal teve ainda mais dois filhos, Marta e Eliazar. Marta parecia viver à sombra de Maria mas era muito mais alta e teve uma puberdade precoce, sendo mãe com apenas treze anos de idade. Todos achavam Marta feia, desajeitada e envelhecida alguns anos mais  que Maria. Joaquim ardilosamente deixava a crença correr. Marta era uma inútil e até para preparar um licor de uva pedia ajuda a Maria que fazia tão rapidamente que alguns se assustavam.
Eliazar era um tormento para os pais. Fraco, doente física e mentalmente. Parecia precisar de um empurrão para tudo. No templo, era zombado e seu nome em grego, Lázaro, motivo de trocadilhos da época.
Maria foi crescendo, sempre determinada, e muito bonita. Era o orgulho de Joaquim. Ana a apresentava com igual orgulho no Templo. Todos a cortejavam mas Maria mantinha uma altivez de musa. Joaquim lhe ensinava muito. Maria gostava do que ouvia, entendia cada vez mais os problemas do domínio romano, da forma como subvertiam os clãs tradicionais judeus, ou cooptando ou jogando às feras, no sentido de alimentar que revoltosos maltrapilhos e malucos gnósticos os considerassem inimigos. Joaquim estava neste segundo grupo. Maria percebeu isso rápido.
Visitou os essenos, seita gnóstica que acreditava que o Messias já havia chegado e esperavam seus sinais. Foi a oráculos, visitou o Egito, teve acesso a manuscritos gregos em Alexandria, graças à sua grande beleza e capacidade de diálogo. Enfim, Maria se tornava uma mulher completamente diferente de suas contemporâneas. Para não provocar suspeitas ou inveja, ia ao Templo, comportava-se em público como as outras mulheres, presenciava o apedrejamento de prostitutas com o comportamento que convinha embora aquilo lhe causasse enorme revolta.
Aos poucos, foi traçando um plano mental, catalisado por Joaquim. Era necessário criar um fato, um mito, uma forma que aglutinasse os judeus contra o domínio romano, contra costumes auto-destrutivos e resgatar o brilho dos tempos de Salomão. Além dos romanos, preocupavam os judeus a enorme quantidade de tribos árabes nômades, cujas religiões tribais e rituais de sacrifício assustavam a população rural. Era preciso inspirar essas tribos também. Brigas entre fariseus, saduceus e essênios completavam o cenário de caos.....
O filho mais velho de Isabel, João, era carismático. Maria começou por manipulá-lo. Estudava horas seguidas com ele, principalmente sobre a influência dos escritos gregos. Colocou em João a noção do "demiurgo". Um belo dia João despareceu.
Maria não sabia o que fazer com o tempo perdido. Estava então com 22 anos e seu pai dava sinais de que não duraria muito tempo. Logo, Joaquim morreu. Lázaro arrasou-se, mudou-se para o sul e passou a viver uma vida de pastor.
Muito cortejada, Maria pensou num casamento de conveniência, com um oligarca, confiando em si para emprenhar neurônios adentro de seu marido as suas ideias.
Nesse meio tempo, João reapareceu como uma figura exótica. Vivia maltrapilho, de doações, com meia dúzia de seguidores às margens do Jordão e inventou um ritual próprio que atraía cada vez mais gente - o batismo. Tratava-se de mergulhar o transeunte curioso no Mar Morto, recitar algumas orações antigas tradicionais judias com algumas palavras da seitas gnósticas. O cidadão saía atordoado e de certa forma acalentado pela bondade e atenção de João, que logo foi apelidado de "Batista". Maria pensou de novo em João. Sentou-se com ele para conversar. Depois de algumas horas, João pediu licença a Maria e voltou com uma pequena cigarrilha, cujo fumo era adocicado. Maria perguntou o que era. Uma erva, que João, em suas andanças pela Etiópia havia experimentado. Maria quis provar. Logo percebeu o efeito do fumo. Sentiu-se estranha, ausente, calma, com memória prejudicada. Quando o efeito passou, apesar de ter feito gosto, concluiu que aquilo não levaria ninguém a lugar nenhum e que João não era a pessoa para liderar, ou para ser elevado à condição de um mito ou símbolo. Além disso, João esperava o Messias. Maria não gostava de associar suas ideias ao Messias. Segundo os escritos, o Messias chegando, os problemas terminariam, e ela sabia que não terminariam, que a luta era árdua.
Um belo dia, Maria tropeçou numa trilha e torceu o tornozelo. Anoitecia e ela tinha dificuldade de se locomover. Surgiu um senhor mais velho, educado, alto, forte, com rosto vincado e raros olhos azuis. Não era bonito, mas era um tipo diferente. Ajudou Maria a caminhar um pouco e colocou-a numa carroça, cheia de peças de madeira. Seu nome era José. Era tarde e José resolveu abrigar Maria, sempre tratando-a com muito respeito. Morava numa oficina de carpintaria que tinha lá seu charme. Maria começou a simpatizar com José embora a diferenca de idade entre os dois parecesse considerável. Conversaram muito. José era inteligente, mas parecia pouco ativo. Também era da linhagem de David, embora nunca tivesse tido contato com Joaquim.
Ao amanhecer, Maria levantou. Tinha a certeza de estar na casa de um homem forte de boa índole. Perguntou se poderia ir ao Templo em sua companhia. José ficou encabulado, mas aceitou. Ele olhava Maria como uma moça bonita e seu coração estava partido por relacionamentos anteriores que fracassaram.
Maria e José se tornaram próximos e um dia, já tarde da noite, na oficina de José, Maria seduziu-o. José estava sem jeito, mas Maria era realmente uma mulher admirável. Maria era virgem, a relação não poderia se consumar sem a comunicação às famílias e os rituais do matrimônio. Mas a temperatura entre os dois elevava-se. José penetrou com cuidado. Maria nunca sentiu nada parecido com aquilo. Apesar da dor, puxava José contra seu corpo e beijava-o com sentimento verdadeiro.
Estava consumada a união. José não tinha ascendentes vivos. Maria apresentou-o a Ana que não fez gosto. Queria Maria com um dos grandes do Templo. Maria rompeu com Ana.
Decidiram-se mudar para Nazaré. José era um excelente carpinteiro, o sustento estava garantido. Maria, com sua personalidade forte foi à Samaria e negociou um dos lotes que tinha uma nascente que era de Joaquim. Estavam ambos estabelecidos.
Mas Maria não via suas ideias caminharem e decidiu que não era ela que iria conduzir. Precisava de outra pessoa.
Certa noite, Maria acordou e levantou-se para beber água. Viu então um jovem sentado ao lado da janela e estranhou. Observou ser um romano em roupa de legionário. Antes que pronunciasse qualquer coisa ouviu: "Ave, Maria. és bela, tem graça, os judeus e os romanos precisam de ti, do vosso ventre deverá sair um fruto bendito que será o responsável por tudo. Agora me despeço. Ave." E entregou um pedaço de papel escrito em grego e que dizia "Apóstolos".
O fato confundiu Maria bem por dois dias a ponto de José estranhar. No terceiro dia, Maria decidiu ter um filho. José estranhou o furor de Maria, mas, até gostou, pois a vida em Nazaré estava pacata demais.
O primeiro filho de Maria recebeu um nome grego, contrário à tradição hebraica. Tadeu. O que louva a deus. Parte do plano de Maria, o nome tinha que ser mais que um nome, uma marca.
Tadeu era alto como o pai e o avô. Trabalhador, correto, desde muito cedo mostrou que era ativo. Mas não era intelectualmente bem dotado. Até um pouco inocente e distraído demais em determinados momentos.
O segundo filho de Maria recebeu o nome hebraico de Jeshua. Era um filho indesejado. Maria nem sabia quando teria dado início sua gravidez. Teve logo depois o terceiro filho, Jacob. No parto de Jacob, Maria qusse morreu e decidiram que mais filhos não teriam.
Maria continuava a ler, estudar, mas tinha três filhos...estava num momento de desistir de seus planos de fomentar uma revolta, ou inaugurar um movimento consistente que fosse.
Mas eis que um dia, Maria vai ao Templo com Jeshua. O pequeno tinha apenas 4 anos de idade. Como sempre, os velhacos do templo cercaram Maria e a cortejaram.
Foi nesse momento que Jeshua olhou em volta e falou: "Os senhores carregam falsidade e vaidade em suas faces. Seu objetivo único é comer minha mãe."
Um choque total. Maria inclusive se intimidou.
Jeshua continuou: "E isso aqui é um Templo ou uma Termas disfarçada ? Honram a quem ? A Deus ? Aos romanos? Vocês não são homens, são fantoches, imbecis, que mal sabem ler..."
Neste momento, um dos sábios do Templo interrompeu o garoto e disse em tom jocoso "E por acaso, o pequeno, sabe ler ?". Jeshua fulminou-o com os olhos e todos perceberam, e ficaram assustados. "Se sei ler ? Sei ler e sei ver além dos livros, mas isso não vem ao caso. Discursaria por muito tempo aqui e os senhores não entenderiam nada, e não vim aqui para isso, só estou expressando meu desagrado."
O clima ficou insustentável, Maria recolheu Jeshua e foi embora, Os sábios do templo se entreolhavam. Era um petiz e falava como um rei...
Em casa Maria repreendeu Jeshua. Ouviu o que não queria. "Mãe, sei o que você pensa. Não trabalho como Tadeu mas li tudo o que você tem guardado. Já entendi o que querias na vida. Saiu errado, né ? Mas sou seu filho e gostei da ideia. Preciso lhe revelar um segredo. mas que fique entre nós dois só". Maria parecia não acreditar no que ouvia de um garoto de 4 anos, estava em choque e ao mesmo tempo com esperanças retomadas.
"Mãe, quando eu estava um dia brincando lá pelos outros lados da colina um pastor de ovelhas tocava seu rebanho com dificuldades. Resolvi perguntar se ele precisava de ajuda. O homem estava exausto. Conversamos um pouco, tomamos leite juntos, mas o homem me parecia muito cansado. Suas últimas palavras foram "...droga de Messias...esperamos e nada, minha vida se desgraçou graças a Herodes e aos romanos...." e morreu com a cabeça pendendo sobre meu colo.
"Ninguém me obstruirá, minha mãe de minha revolta, de minhas atitudes. Pagarão caro pelo que fizeram. O Messias viria para salvar o mundo, eu venho para expor o que ele tem de pior."
Essas palavras bateram fundo em Maria. E era verdade...salvar o mundo....ora, que falácia...expor os podres é a melhor forma de provocar mudanças.
Curioso que Jeshua se comportava como uma criança normal em boa parte do tempo. Brincava igual aos irmãos, fazia perguntas típicas de crianças, mas por vezes seu olhar parava e ficava fixo no horizonte. Também passava muito tempo em silêncio e lia muito. Cresceu forte como Joaquim e Tadeu. Ambos eram maiores que Jacob, que também era de altura superior à média da população.
José tinha uma relação tranquila com seu filho do meio. Respeitavam-se. Na verdade, quando Jeshua completou doze anos, Tadeu, cinco anos mais velho, dominava a carpintaria, ele próprio Jeshua também estava indo bem no ofício e José estava cansado.
Um dia, José morreu. Maria o sepultou, como membro da linhagem de David, junto a Joaquim. Os três filhos deveriam agora prover o sustento da casa. Jeshua decidiu que era hora de botar em prática o que ele e Maria sabiam. Maria, que conseguia manipular Jeshua quase sempre não o demoveu de viajar.
Jeshua passou 8 anos viajando. Foi a Alexandria, conseguiu embarcar num navio para Creta e de lá para Atenas, reuniu o que pode de leitura, debateu com filósofos e pensadores gregos e resolveu arriscar e ir a Roma. O risco de virar escravo ou gladiador era enorme. Jeshua tinha se tornado um homem forte fisicamente e de raríssimos olhos azuis. Ainda por cima aprendera com egípcios e espartanos técnicas de luta e combate. Desembarcou num porto do Adrático e andou pela península italiana até Roma.
Certa vez uma patrulha de cinco legionários o abordou. Quem era e o que queria. Jeshua desprezava os romanos e seu comportamento não agradou a patrulha que resolveu detê-lo. Jeshua matou os cinco legionários em menos de dez minutos. A notícia do massacre correu o Lácio e Jeshua passou a ser procurado e temido ao mesmo tempo.
Entrou em Roma com roupas impróprias, mesmo para um plebeu. A guarda pretoriana o deteve. Possuído de uma força  que parecia vir de dez homens, Jeshua resistiu, acumulou mais oito em sua coleção de homicídios, mas acabou detido. Foi levado a um militar de alta patente, Pôncio Pilatos. Pilatos ordenou que o mesmo fosse levado à prisão e depois ser lançado às feras no Circo. A mulher de Pôncio estava vendo e pediu ao marido que o deixasse partir, era apenas um camponês que não falava latim e não parecia ameaça de tão maltrapilho que estava. Merecia o exílio apenas. Pilatos ordenou então que remasse nas galés de volta à Palestina. Entre este dia e o embarque, se passaram quatro dias em que Jeshua e a mulher de Pilatos passaram fazendo sexo ininterruptamente.
Logo após a partida, o romance entre os dois se tornou conhecido de Pilatos. Este entrou em depressão, perdeu prestígio em Roma e foi deslocado para ser o chefe da remota província da Palestina.
Voltando à Palestina, Jeshua reencontrou sua mãe. Maria estava furiosa e desta vez, deu as cartas. Jeshua estava arrependido de suas aventuras inconsequentes, mas tinha acumulado enorme conhecimento e falava grego fluentemente.
Maria resolveu que faria um período de monitoramento de Jeshua. Foram convidados para um casamento em Caná. Jeshua flertava com uma vadia de Magdala na festa quando Maria o chamou. "Acabou o vinho...a festa vai acabar, vamos embora." Jeshua perguntou se havia água em tonéis. Escondido, deu dois dracmas para um sujeito trazer vinho vagabundo de um lugar qualquer e trocou os tonéis.
Maria percebeu o ardil, mas ninguém acreditou que ele não tivesse transformado água em vinho. Seguiram-se uma série de fatos que lhe deram fama de milagreiro. Ao mesmo tempo, Jeshua encontrou o cartão com a palavra "Apóstolos" que sua mãe recebera há 30 anos. Resolveu que para empreender o que queria precisava de uma espécie de guarda pessoal. Maria entendeu e tratou de providenciar. Foi para a alcova com alguns legionários. Travou conversas com famílias conhecidas. Alguns apenas se aproveitaram de Maria. Outros prometeram pelo menos ouvir o que seu filho tinha a dizer e largaram a carreira militar. Os filhos de algumas famílias tradicionais de Nazaré se juntaram. Os "apóstolos"estavam reunidos. Eram em cerca de cinquenta, entre legionários romanos desiludidos, hebreus recrutados na base da negociação, pescadores do Mar da Galiléia. 
Jeshua cuidava da doutrina e das táticas e Maria da logística e das operações de risco, como a invasão do Templo, quando tudo foi quebrado, num escândalo de enormes proporções.
O nome de Jeshua crescia em popularidade na Palestina. Os romanos já o temiam, Pilatos queria-o morto, e a elite judaica que o mito se desfizesse. Naqueles tempos apareciam Messias de dois em dois anos, todos caindo em descrédito. Jeshua era ungido, sem querer porque não era essa sua proposta, como o verdadeiro Messias. Isso assustava a elite judaica
Certa ocasião, em uma colina perto de Jerusalém, Jeshua reuniu mais de 5 mil pessoas para ouvi-lo. O movimento popular começava a ganhar corpo e importância. Maria negociava no Templo como amenizar a situação. A esta altura, outra Maria, a de Magdala, acompanhava Jeshua. Maria não a suportava como não suportava nenhum relacionamento afetivo do filho. Tadeu e Tiago largaram a carpintaria e tornaram-se "apóstolos". Tadeu, particularmente, como sempre, era disciplinado e disciplinador. Era o guarda-costas pessoal de Jeshua.
Milagres lhe eram atribuídos. Uma oliveira atingida por um raio assustou os "apóstolos". Jeshua se irritou e atribuíram o raio à sua irritação, mas, ledo engano, Jeshua era um ecologista. Ficou furioso com a destruição de uma árvore, como demonstrava enorme apreço por animais e plantas. 
Um dia Marta comunicou a Maria que Lázaro havia morrido e que Jeshua, poderia tentar, com seus poderes, ressuscitar o tio.
Jeshua viu uma oportunidade de dar uma lição em Maria e naqueles que o usavam como "mito vivo". Foi à tumba de Lázaro e constatou que havia ainda batimentos cardíacos muito fracos ( graças às suas leituras de grego, aprendeu um básico de anatomia). Pediu que preparassem um elixir complicadíssimo, cheio de ervas e de uma planta que ele usava de vez em quando para mascar que lhe tirava o apetite e lhe injetava uma energia adicional. Fez um teatro, gritou, gesticulou, deu a Lázaro, desacordado, o elixir,  e em meia hora o moribundo apresentava sinais de vida, para hora e meia depois pedir um prato de comida.
Maria ficou absolutamente pasma. Como ele tinha feito isso ?
Carregou sua curiosidade durante todo o caminho de volta a Nazaré. Jeshua tinha um indisfarçado sorriso cínico. Quando Maria o interpelou e perguntou como fez, Jeshua foi esquivo: "Meu tio era um fraco, merece morrer duas vezes." Maria se horrorizou. Jeshua era um homem com princípios que conflitavam com o de um profeta ou de um líder de uma revolta.
Jeshua estava se cansando e sendo solicitado demais. Num domingo, sentado num burrinho, foi a Jerusalém. A notícia se espalhou. De novo, uma temeridade, mas Jeshua estava absolutamente certo que tinha conseguido apoio popular suficiente para que não o fizessem de mártir. Maria concordou com a ida a Jerusalém justamente pelo motivo oposto. Já via a exposição do filho como forma de torná-lo mito. Os dois finalmente tinham se tornado opositores dentro da mesma causa.
A população de Jerusalém recebeu Jeshua como uma celebridade. Jeshua foi ao Templo, rezou com os "apóstolos" e se retirou, acampando na colina próxima chamada "das Oliveiras". Montou seu quartel general. Além dos apóstolos, já contava com apoio de muitas pessoas, infelizmente despreparadas e pensando apenas no movimento "espiritual".
Um espiâo mandado por Herodes e Pilatos foi ao acampamento. Voltou e descreveu a figura de Jeshua. A espinha de Pilatos gelou. Seria o mesmo homem que havia sido perdoado em Roma e comido sua mulher ?
Exigiu confirmações. Precisava ver o homem de perto.
Maria torcia por uma batida dos romanos. Que levasse ao cadafalso, ou à cruz aquela turba que visava o poder temporal. Descobriu entre os apóstolos um ex-legionário romano, conhecido como Iscariotes. Ofereceu-lhe uma quantia em dinheiro para informar aos romanos onde estava Jeshua, pois ela previa um conflito sangrento e queria negociar. O trânsito de Maria no templo a credenciava para tal. Iscariotes aceitou o acordo.
O plano de Maria era o de fazer Jeshua fugir e reaparecer em outra região e assim continuar o mito.
Os romanos apareceram de madrugada, quase pela manhã. Seguiu-se um banho de sangue. Vários apóstolos pereceram, restando apenas doze deles, Jeshua não teve oportunidade de reação. Foi acorrentado. Maria chorava pois a coisa não saiu como planejado e a outra Maria, de Magdala, fugiu para não ser estuprada.
Levado ao Palácio onde ficava o Governador romano, Jeshua pensava no que fazer e, principalmente, como se safar. Sentia que a coisa estava ficando complicada para seu lado, pois os guardas eram muitos e de elite.  Tentou todos os seus truques e sua habilidade em lutas mas nada funcionou.
Chegando cara a cara com Pilatos, pode se dizer que talvez ali tenha começado a maior sessão de humilhação que um ser humano já passou. Pilatos o reconheceu como o perdoado que o traíra com a mulher. Jeshua foi surrado por uma horda de guardas romanos e Pilatos o chicoteava e cuspia. Em meio à surra, um representante dos sábios do Templo adentrou o salão e falou com Pilatos: "Estamos na Pessach. Vamos reforçar nossa autoridade perante os revolucionários com o sacrifício deste farsante."
Pilatos entendeu rápido. O sacrifício seria público horas antes do Shabat. E, ao contrário das crucificações de transgressores famosos não seria no deserto e sim na colina Gólgota.
Maria tentou acesso ao Palácio e ao Templo. Não conseguiu. Seu desejo de ofuscar o estrelato de Jeshua tinha passado dos limites para o coração de uma mãe, que disparado, só tinha alívio na constatação de que Tadeu e Jacob sobreviveram.
Ainda na cela, Jeshua continuou a sofrer atrocidades. Num acesso de fúria, conseguiu estrangular um despreparado guarda de Herodes e gritou: "Não se trata desta forma um herdeiro de David."
Essa frase ecoou degraus acima do palácio e providenciaram-lhe a coroa de David que julgava merecedor. Infelizmente a mesma havia de ser cravada e não colocada. Preso por correntes, Jeshua recebeu a coroa que lhe feriu o perímetro craniano profundamente. 
Manipulando o que sabia ser seu fim pediu que lhe fosse concedido um último desejo. Herodes pessoalmente foi saber do que se tratava. Jeshua pediu ervas. Uma africana e outra dos caules do lótus. Herodes riu e aceitou. Jeshua orientou como preparar cada uma e ingeriu. Além do efeito alucinógeno da africana e da sensação de paz que a mesma transmitia, e com a de lótus preparou um poderosíssimo analgésico.
Enquanto isso, divulgava-se o martírio de Jeshua. Maria estava inconsolável. Mesmo divergindo do filho, era demais para uma mãe se sentir culpada. Não tinha ideia do que ainda veria.
Após o meio-dia, Jeshua foi levado para exposição pública. Estava arrebentado e o sangue que corria do alto da cabeça o cobria até os pés. No entanto, seu semblante estava sereno e algo ausente, fruto dos preparados com as ervas. Ao olhar o rosto de Jeshua a população se assustou. Como podia um homem sofrer tanto e se manter sereno ? Era o filho de Deus !!! Era o Messias !!!
Pilatos e Herodes perceberam que o plano poderia ir contra o planejador e resolveram abreviar tudo.
Mandaram Jeshua carregar as toras da cruz até o Gólgota sob chicotes. Jeshua tombou três vezes no caminho. Na terceira, um desavisado tentou ajudá-lo. Ao olhar sua expressão serena, contribuiu para espalhar que era o Messias.
Maria via tudo à distância e chorava. Queria sua própria morte agora no lugar da do filho. Maria, a outra, de Magdala, carregava o bebê que só ela sabia quem era o pai e sentia que o único homem que amou de verdade morreria em breve.
Sem delongas, espetaram com enormes cravos e pregos Jeshua na cruz. Levantaram a cruz no topo do Gólgota. Dois outros condenados seriam crucificados próximos. Um deles, ouvindo os gritos de Messias, pediu perdão a Jeshua. Jeshua respondeu: "Como sois covarde. É fácil pedir perdão por tudo à porta da morte. O Mal o espera". O outro o ironizou. "Se és o Messias porque não te salvas?"Jeshua gritou: "És autêntico, não perdes a ironia nem na agonia. Tens fibra. Estaremos juntos  aos vermes em breve."
Jeshua agonizou sob o sol da segunda lua após o equiñócio da primavera. E esta seria a data da celebração, coincidindo com a Pessach judaica.
Maria recebeu o consolo de um velho amigo influente, Jose de Arimatea. Assistia a uma certa distância.
Pode se dizer que a inauguração do Cristianismo foi neste momento. Maria viu a cruz, o martírio e o povo acreditando estar diante do Messias.
O movimento revolucionário tinha um ícone, um símbolo. Era a cruz. A partir deste instante, e por dois mil anos, a cruz se tornaria onipresente onde estivesse o culto ao Cristo, ao Crucificado. Maria visualizou  a singela geometria da cruz como a insígnia e o sacrifício como o símbolo do desprendimento em nome das ideias.
Quando os legionários se afastaram para deixar os chacais e corvos devorarem o cadáver, Maria e Arimatea retiraram o corpo da cruz e o levaram a uma gruta, untado em óleo e em um rolo de tecido.
Maria convocou como pode os apóstolos sobreviventes e juntos começaram a traçar os planos de como sobreviveriam e as ideias de Jeshua seriam transmitidas a mais pessoas. A primeira providência foi analisar o que havia ocorrido no Monte das Oliveiras. Apontado como culpado, Iscariotes foi amarrado a uma tamareira e linchado até a morte.
Dois dias depois, Maria e os apóstolos deram início ao plano, que não podia demorar. Retiraram o corpo da gruta onde estava e que já começava a se tornar local de visitação e levaram ao mesmo sítio onde estavam sepultados Joaquim e José. Arimatea cuidava das financas e de acalmar os temerosos líderes religiosos judeus e os romanos, que sentiram que a flecha saíra ao contrário do alabarde.
Combinaram de se encontrar em 40 dias, e nesse meio tempo, espalharem-se pela Galiléia espalhando o martírio de Jeshua e o desaparecimento de seu corpo. O povo ouvia, incrédulo, Jeshua morreu e seu corpo sumiu. Muita gente jurou ver e ouvir Jeshua. No sul, lembraram do caso de Lázaro e a suposta ressurreição do suposto Messias ganhou corpo.
Quarenta dias passados, Maria e os apóstolos, que agora já eram muito mais que os onze remanescentes, se reuniram. A esta reunião utilizaram o código de Espírito Santo que ganharia outros contornos com o tempo.A repressão romana e do judeus crescia. Fariseus, zelotes e romanos não só perseguiam os essênios e outros messiânicos, como tinham conflitos sérios entre si. Era hora de abandonar a Galiléia. Decidiram viajar para a Fenícia, Egito e Constantinopla.
Neste momento, Kephat, talvez o mais obtuso de todos os mais próximos de Jeshua, reinvindicou o posto de líder. que lhe teria sido conferido pelo próprio Jeshua. Maria não questionou e o sacramentou como o primeiro representante de Jeshua, o primaz. A ele caberia também escolher seu sucessor, de forma que haveria sempre um homem vivo santo e imbuído dos poderes de Jeshua. Isso só servia para aumentar o mito.
Maria foi para Éfeso, onde ficou muito tempo. Juntou-se a ela Maria de Magdala, que ganhou a simpatia de Maria quando apresentou o casal de filhos de Jeshua, David e Hannah. Os apóstolos saíram fugindo e deixando lenda, como Jakob, irmão mais novo de Jeshua que chegou, pelos árabes e tribos bérberes a entrar nos domínios romanos pela Península Ibérica e deixou a lenda de Santiago. Kephat, já adotando o nome latinizado de Pedro, almejou grandes feitos. Depois de Éfeso, foi para Roma onde foi inapelavelmente assassinado. Pouco ou nada acrescentou. Muito mais fizeram Saulo, vítima de um estratagema de Maria para aderir à causa cristã, André, Tomé, e os irmãos de Jeshua.
A turbulência na Galiléia crescia e tornou-se imprudente insistir na base da nova religião ( só entendida como tal cinquenta anos depois da morte de Jeshua) em Jerusalem ou Cesarea, a Jerusalem rebatizada.
Maria não se sentia segura em Éfeso. e lentamente arriscou-se pelos domínios romanos.
Foi quando observou, com satisfação o culto a Jeshua na forma de cruz e a ela, Maria. Na verdade, em algumas regiões, Maria era a heroína primária, sendo Jeshua um revolucionário brilhante mas pouco prudente. Haviam cerimônias específicas em honra a Maria. 
Ao passar pelo Norte da Itália, Maria encontrou-se com o romano convertido Lino, nomeado por Pedro seu sucessor. Passaram uma semana juntos conversando e delineando as doutrinas e estratégias. A libertação da Galiléia deveria começar por Roma. Combater o inimigo estando dentro dele, como uma doenca, como um vírus. Sacramentou Lino e seus sucessores e o presenteou com o pano que envolvera o corpo de Jeshua enquanto esteve na gruta. Fomentou a revolta em Roma e nas principais cidades do Império. Lino a obedeceu e este passou a ser o segredo mais bem guardado dos que passariam a se sentar no "trono de Pedro"
Maria já era uma senhora, sentia a vida chegar ao fim e queria proteger os netos, já iniciados nos ensinamentos mas que estavam longe da genialidade de Jeshua.  
Maria ordenou que os escritos oficiais não falassem mal dos romanos, ao contrário, deveriam seduzi-los. A arte que Maria sabia melhor que ninguém. Seguiu pelas Gálias onde a convivência de romanos com tribos do oeste europeu eram pacíficas. Sentiu-se segura por fim junto aos bretões, primeiro os do continente e depois os insulares. Morreu ao sul da fortaleza romana no rio Tâmisa, conhecida como Londinium. Maria de Magdala ficou no continente. Os netos de Maria fizeram bem o dever de casa. Pregaram a divindade de Maria e Jeshua junto às comunidades romanas remotas e as não-romanas.
O cristianismo estava com seus alicerces montados. Deus, uno e Todo-Poderoso, uma versão modernizada do Javé dos judeus, Jeshua, seu porta-voz e guerreiro e Maria, a mãe do enviado de Deus.
Os romanos adotaram o cristianismo como religião oficial uma vez que o paganismo estava emprenhando valores que a sociedade romana precisava extirpar e o cristianismo trazia disciplina, ascetismo, e rituais muito mais pacíficos.
O Império Romano do Ocidente caiu. O Império Romano do Oriente, em que pese boa parte dos invasores da Europa aderirem aos ensinamentos cristãos, ficou como guardião do Cristianismo oficial. A influência oriental em Bizâncio era grande. A aceitação de uma presença feminina forte era totalmente contra os tradicionais costumes, contra o tradicional papel da mulher no Oriente. A mulher seduzia, desviava o homem de suas atribuições primárias. Fortunas se perdiam por causa de mulheres. Eram capazes de ganharem seu sustento com a fraqueza maior do homem, o sexo, enfim, eram inconvenientes à estrutura do poder bizantino que se replicava na Igreja.
Em 431, na mesma Éfeso que acolheu Maria por vários anos, realizou-se um Concílio, por ordem do imperador Teodósio e de um patriarca homossexual de Constantinopla, Nestório.
A história contada acima, sobre Maria, foi então apagada e destruída, bem como a união de Jesus com Maria Magdalena e a existência de seus sucessores. Para não desagradar totalmente os cultuadores de Maria, deram-lhe o papel de mulher santa e virgem, que nunca experimentou prazer carnal, era a mãe do Deus terreno, apenas isso, uma espécie de rainha, sem papel ativo algum. 
Mas o inconsciente coletivo transmitido fez com que várias aparições de Maria vistos por esquizofrênicos ou forjados, a colocassem num panteão de santidade. 
A mulher que foi forte, inteligente, corajosa e por vezes pragmática, calculista e porque não, maquiavélica, deu lugar a uma santa pura e sofredora, um modelo para a mulher cristã.
Contrário à natureza de Maria e das mulheres, claro.