quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Zelaya e a falta de zelo

Em 28 de junho deste ano, escrevi aqui mesmo sobre a mudança abrupta no comando do Executivo de Honduras.
Me surpreendi ao reler o que tinha sido escrito. Na minha opinião àquela época, o assunto era merecedor de muito pouco interesse da opinião pública, mas eu, de alguma forma, havia me interessado. Na época li sobre a História de Honduras e cheguei a analisar dados da sua economia, de sua balança de pagamentos e de sua balança comercial. Concluí que um país tão pequeno, cuja população tem 45 % de jovens menores e 15 anos, e tão dependente dos Estados Unidos economicamente não poderia ter sido o cenário de um "golpe de estado" tão limpo quanto foi o afastamento de Manuel Zelaya do poder. Senão, relembremos: o tal Zelaya, à margem da Suprema Corte e do Legislativo, resolveu sustentar um plebiscito sobre a extensão do mandato presidencial, fato que não foi bem aceito nem pala Suprema Corte e pelo Legislativo, o que parece bastante óbvio, mas recebeu também a oposição das Forças Armadas. Pois bem, com o impasse criado e com o Presidente Zelaya descumprindo visivelmente o rito constitucional do País, um grupo se articulou e, em vez de mandar o Zelaya desta para melhor, como costuma acontecer na América latina, resolveu exportá-lo compulsoriamente para a Costa Rica. Sem uma gota de sangue derramado sequer.
Algum tempo depois, atendendo a apelos de Hugo Chávez e da condenação que o "golpe" recebeu da OEA é que começaram os distúrbios em Honduras. Zelaya foi recebido em alguns países. Inclusive no Brasil.
E então a história começou a despertar interesse por aqui.
Mas eu jamais poderia imaginar, em 28 de junho, que o Brasil se envolveria de forma tão intensiva, controversa e central em um imbroglio em um país pequeno e distante, que deveria despertar interesse menor ou pequeno na geopolítica racional de um governo brasileiro. Nem em meus piores pesadelos imaginaria que o que escrevi até com ironia tinha o profético tom de causar o embate ideológico que se sucedeu e culminar com a estapafúrdia situação atual. Senão, mais uma vez, relembremos: Zelaya, já na Costa Rica, recebeu primeiro o apoio incondicional do alucinado Hugo Chávez, e depois dos líderes adeptos da "democracia direta", o inca equatoriano e o bugre boliviano. Uma adesão pouco prudente e estranha, a da presidente do Chile, Michele Bachelet, depois veio o anúncio da OEA condenando o golpe, aí sim entrou em cena o Brasil. O retrado da entrada do Brasil no clamor internacional pode ter sido só resultado do caráter semanal do badaladíssimo programa de rádio "Café com o Presidente". Mas o tom do Brasil foi duro. Depois vieram os países do Primeiro Mundo, mais exatamente França e Estados Unidos, com manifestacões tímidas.
Bom, lamento profundamente dizer que todas estas manifestações estavam inundadas de salvas à democracia, mas vazias em conhecimentos básicos sobre o caso hondurenho. Primeiro, Zelaya é um populista, adepto da ideologia da democracia anti-democrática em voga no hemisfério, e pesavam sobre ele denúncias de corrupção e perepetuação no cargo. Em segundo, porque o bigode e o chapéu dele formam um figurino que é impossível associar a alguém normal. Em terceiro, porque manobrava para driblar a Constituição. Em quarto, porque ele se isolou dos dois outros poderes tradicionais da República, o Judiciário e o Legislativo. Em quinto, porque ameaçou as instituições todas com a elite da Polícia. E em sexto, porque a Constituição hondurenha, por mais esquisita que seja, prevê a remoção do Chefe do Executivo em caso de descumprimento de duas decisões da Suprema Corte, como Manoel Zelaya se achou capaz de fazer. Então, cabe a pergunta: foi golpe ?
Mas vá lá, o rito hondurenho é sumário demais. Para comparar, Collor teria perdido o timão do navio em duas semanas, se fosse hondurenho e, por aqui, só foi posto no bote salva-vidas uns meses mais tarde. E ninguém achou anti-democrático.
A ignorância então pareceu dar lugar ao casuísmo ideológico lulo-bolivariano. Afinal, Zelaya joga no time de Lula, de Chávez, de Morales, de Kirchner, do Ortega, do Correa. E ganhou visitas com status de chefe de Estado em todos este países, inclusive em Brasília.
Tentou voltar à Honduras uma vez. Ficou no Posto de Fronteria.
E tentou uma segunda, aparecendo na embaixada...do Brasil !!!
Agora que a coisa está esquentando é que resolveram analisar o caso com mais calma. Mas agora é tarde. E o mais triste de tudo: o Brasil  ocupa posição central e dúbia na questão. Afinal, o sujeito é hóspede da embaixada brasileira em Tegucigalpa.
Alega-se que Zelaya está asilado na Embaixada. Mas quem é idiota de acreditar nisto ? Asilo é matéria difusa no Direito Constitucional e no Direito Internacional. O cidadão que pede asilo em uma representação diplomática estrangeira, o faz porque não reconhece que suas garantias pessoais estão sendo respeitadas pela autoridade de seu país e nascimento. Mas cada caso é um caso. Um "serial-killer", um traficante ou um pedófilo, pode se sentir assim e pedir asilo, o que não quer dizer absolutamente que esteja certo. O Cesare Battisti, por exemplo: era militante do falido PCB italiano, e em sua ideologia cabia a praxis de atentados que subtraíam vidas de pessoas que nada ou pouco tinham a ver com o diálogo político. Ele merece a condição de refugiado político no Brasil ? Certamente não. Seja lá o que for decidido no Supremo, ele sabe, eu sei, o Tarso Genro sabe, e a Itália toda sabe que o sujeito matou gente.
Mas voltando ao Zelaya, asilado do quê ? De ter tentado entrar num país que, apesar de exótico, o inclui na pauta de exportações com pleno respaldo constitucional e com rara convergência de interesses, de tão fulminante que foi ? Mais uma vez, eu sei, o Lula sabe, o Zelaya sabe e todo mundo sabe que a forma certa era obter o respaldo da comunidade internacional. E ele estava conseguindo !!!
Voltar ao país parece pouco oportuno e, sobretudo, pouco patriótico, pois o confronto seria certo. Era óbvio que sua volta mergulharia Honduras numa confusão só. E o Brasil, salvo maiores explicações, parece ter patrocinado o tumulto !!!  Sinceramente, eu sei, o guarda da Embaixada brasileira sabe e o Amorim sabe que o sujeito não apareceu disfarçado, às duas da manhã, tocando a campainha da Embaixada e avisou pelo interfone:
- Hola, que tal ? Acá es Zelaya ? Tienes abrigo ?
E a porta se abriu e ele entrou.
E agora a batata assa à hondurenha. E está claro que o Brasil sozinho não resolve.
Ou seja, o asilo do Zelaya é questão de zelo. Ou de falta dele.

4 comentários:

  1. Parabéns, LV. Análise clara e precisa.

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  2. Muito bom, Luiz Otávio, como sempre...
    mrich.1@hotmail.com

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  3. Bem, para mim apear um presidente do poder e mandá-lo para o aeroporto quase de pijama, é golpe, mesmo que esteja escrito na constituição que se deva usar o exército para invadir de madrugada os aposentos do presidente em exercício para fazer isto.

    Só acho que se meter neste vespeiro não é lá muito bom a menos que alguém esteja em busca de notoriedade internacional.

    Mas não é sobre isto que vim aqui. É para passar uma dica que não é minha. Leia a dica número 7 do texto 10 Useful Usability Findings and Guidelines em http://www.smashingmagazine.com/2009/09/24/10-useful-usability-findings-and-guidelines/

    Abraços

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  4. Postei meu comentário mas o blogspot comeu, repito só o link http://www.smashingmagazine.com/2009/09/24/10-useful-usability-findings-and-guidelines/

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