sábado, 5 de setembro de 2009

Petróleo mal temperado

Em o "Cravo bem Temperado", Bach inovou em composição. Abusou de contrapontos, usou dissonâncias. Isso soava muito estranho na época de vida do célebre compositor alemão. Mas, a informação é introdutória e voltaremos ao Johann Sebastian lá pelo final do texto.
A formação geológica onde recentemente foram descobertas grandes reservas de petróleo alardeadas pela empresa estatal brasileira e pelo Governo Brasileiro foram batizadas de reservas da camada Pré-sal. O nome tem a ver com o posicionamento geológico destas reservas, que ficam em profundidades superiores a uma extensa e insistentemente inconveniente camada de sal que, por sua vez, está em profundidades maiores que as reservas de petróleo já encontradas no Brasil, notadamente na plataforma continental, em alto-mar.
Ao contrário do que dizem, não se trata exatamente de uma benção. Não gosto de Geologia e acho que meus 5,75 leitores também não devem achar interessante o tema. Mas me parece natural que, se essas acumulações de petróleo foram encontradas ao largo da costa da Lulolândia, também devem ocorrer em outros países e lugares. Por exemplo, Angola. Lá tem Pré-sal. No Golfo do México tem também. E em outras situações, descobertas similares devem ocorrer. Se são comerciais ou não, cabe avaliar caso a caso. As do Brasil, ao que parecem, são, salvo uma queda livre dos preços do petróleo no mercado internacional. O raciocínio é simples, e qualquer cidadão que tenha resolvido furar um poço artesiano no quintal de casa, sabe. Quanto mais profundo o lençol de água, mais caro é o poço. E este petróleo do Pré-Sal está bem longe da superfície habitada pelos terráqueos. Então custa mais caro que o petróleo que não está.
Se o preço do petróleo cair, trazer essa benção para a superfície pode perder o caráter divino e se tornar maldição.
Isto dito, de forma pouquíssimo técnica, partamos para relembrar Daniel Yergin, autor do primeiro compêndio histórico e econômico sobre o petróleo, de respeito e isento. Ele publicou seu best-seller "The Prize" em 1982 e ganhou o Pulitzer no ano seguinte. No livro está narrada com precisão de detalhes a história do petróleo desde 1861, ano que marca a introdução do "óleo de pedra" como mercadoria, na Pennsylvania, até a véspera da publicação. Depois foi reeditado e atualizado até o início da década de 90, quando George Bush, o pai, teve uma escaramuça com o Iraque, por causa da invasão do Kuwait, mas ao contrário do filho, alguns anos depois, em vez de varrer o Iraque e mandar desta para melhor a turma de Saddam Hussein, se deteve e lançou uma política de apaziguamento com os países do Oriente Médio.
Yergin nos conta bastidores das manobras que permitiram o desmonte do monopólio da Standard Oil, de Rockefeller. Conta também como Stálin, líder sindicalista georgiano, explodiu tudo na província petrolífera de Baku para contestar o regime monárquico russo, em 1905. Conta também como foi a criação da Opep. Enfim, nos dá o sentido que a história do petróleo é uma história de poder, de guerras, de raciocínios complexos de geopolítica, influências, controles econômicos das nações desenvolvidas sobre as nacões pobres em desenvolvimento e ricas em petróleo.
Pois bem. Logo após a publicação do livro, os preços do petróleo apresentaram uma queda acentuada. O perigeu foi em 1998 e 1999 quando o barril chegou a ser negociado a US$ 12,00.
Daí para a frente, e acompanhado por uma crescente preocupação sobre mudanças climáticas, o petróleo continuou estratégico, mas adquiriu um caráter de "commodity livre" cada vez mais acentuado. Com isto, provocará menos guerras, senão nenhuma, e o estratégico não é mais ser abençoado por Alá para ter grandes reservas.
Os preços passaram a flutuar ao sabor da oferta e demanda, já que os lados fornecedores e compradores, que sempre foram cartelizados, racharam, uma vez que não havia convergência de interesses. A OPEP não conseguia disciplinar seus associados a respeitaram a cotas de produção. As grandes empresas petrolíferas ( sempre acompanhadas da alcunha "'Sete Irmãs", embora o número possa ter variado de 5 a 20, dependendo do critério) começaram uma briga de foice pelas fatias de mercado, e buscaram fusões para sobreviver, como a Exxon e a Mobil, a BP e Amoco, a Chevron e a Texaco, a Repsol e a YPF, a Total/Fina/Elf.
Em 2008 o petróleo atingiu US$ 140, recorde histórico, mas despencou com a surpreendente crise de liquidez a cerca de US$ 35. Deve se estabilizar em torno dos US$ 70 a US$ 100. Mas começa a sofrer fortes pressões por ser o vilão na emanação de gases do efeito estufa. Além disso, seria de uma tolice absoluta supormos que grande economias como a japonesa, a norte-americana, a francesa e a alemã já não diversificaram, ou estão em vias de diversificar, suas matrizes energéticas para não ficarem reféns de hidrocarbonetos. Novas tecnologias limpas e renováveis surgem em velocidade assustadora. E é pouco provável e pouco prudente acreditar que o petróleo terá a mesma importância que tem hoje daqui a uns 30 anos. O petróleo bruto está virando uma "commodity livre" e, em breve, com outras substitutas para competir.
Mas, voltemos ao Pré-Sal. Diante disto, e considerando que o Brasil mudou seu marco regulatório monopolístico e anacrônico ( tinha sido estabelecido em 1953...) em 1997, seria necessária mesmo uma miríade de Projetos de Lei, confusos, estatizantes, que mexem com estruturas que se consolidam há somente dez anos no Brasil, demandam debates legislativos complexos e carregados de ideologias e pouco conhecimento técnico para mudar, de novo, o marco regulatório porque foi encontrada uma nova reserva ? Seria ?
Se fosse uma necessidade absoluta e urgente, seria interessante também, por equivalência de precaução, definir políticas e marcos regulatórios para o uso da energia nuclear, para o desenvolvimento de centros de pesquisas de fontes de energia das marés, de origem geotermal e de células de Hidrogênio, por exemplo, estas sim, mudando em técnica, e economicidade em grande velocidade.
Petróleo com sal, sem sal, com pimenta, com cominho, manjericão ou qualquer ingrediente deste tipo, ao entrar na Refinaria, sai como combustível do mesmo jeito. Ou como insumo para a indústria petroquímica, que, por sinal, reavalia seu portfolio de insumos também com bastante velocidade, buscando alternativas aos derivados de petróleo.
Se, há, de fato, preocupações sobre a distribuição da riqueza proveniente destas novas reservas, o marco regulatório que aí está atende plenamente, prevendo inclusive regimes excepcionais que poderiam ser aplicados em um caso ou outro. E, caso se mostrassem insuficientes, há formas menos bruscas e sem alteracão do texto constitucional, com previsão expressa em Lei que, já hoje, podem adequar as regras.
Na edição do marco regulatório do Pré-Sal sobrou acomodação de interesses e há senso de oportunismo político explícito. E é desnecessário e retrógrado. O petróleo caminha para um processo de "commoditização" livre, com preços e oportunidades fluindo conforme o mercado estabelece, e não conforme um governo ou uma empresa estabelece. Não é possível que isto não esteja visível.
Além do sal, o governo adicionou tanto tempero na nova Lei, que o prato está difícil de ser engolido.
E voltamos a Johann Sebastian Bach, que temperou seu cravo para produzir uma das peças clássicas mais importantes da Hitória da Música.
Essas novas regras do Pré-Sal são tão temperadas que, tal como um Bach às avessas, estamos correndo o risco de produzir um dos sistemas de regulação de uma atividade extrativista que deixará de herança a exposição das mentes que o elaboraram como patéticas, atrasadas, vistas aos olhos do mundo como excentricidades. E pior, deixar uma parte desta riqueza lá onde está, por excesso de tempero.
O dinheiro não gosta de lugares excêntricos. O mito do petróleo como garantidor de soberania e independência foi para o ralo há duas décadas. Petróleo é empreendimento, é atividade que gera lucro. Não tem pátria, não tem coração.
O cravo de Bach não era um fim em si mesmo. O cravo de Bach era um instrumento. Conhecemos o gênio de Bach pelo que ele fez ao tocar cravo. Não se conhecem gênios que fizeram alguma coisa na ordem inversa, ou seja, serem tocados pelos seus instrumentos.
Até a próxima descoberta geológica, que deve gerar outra extensa, espetacular e desnecessária discussão. E que a carga de tempero seja mais apetitosa.

Um comentário:

  1. Já estava demorando um texto teu sobre este ufanismo todo, bela análise

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