sábado, 17 de outubro de 2009

Viajar e conhecer lugares

Por dever de ofício em 90 % das vezes, e a turismo em 10%, tive a oportunidade de conhecer o Brasil quase todo. Curiosamente, só me faltam no currículo dois destinos bem turísticos: Natal e Fernando de Noronha. O resto, pelo menos por 24 horas eu já estive. Desde vilas ribeirinhas isoladas do mundo na mais remota Amazônia até cidades de fronteira com o Uruguay onde se atravessa a rua desavisadamente e, pronto, saiu do país!
Mas, isso não importa nada. Cada vez que viajo continuo observando e aprendendo os costumes de cada local. E vendo novidades, e procurando alguma coisa para comprar no local que seja ao mesmo tempo original  e me lembre da minha passagem por lá. E, principalmente, me lembre do que gostei e do que me incomodou.
E, recentemente, viajei bastante pelo interior dos estados de São Paulo e Minas. Já tinha ido várias vezes. Fui sem expectativas. Mas, no fim das contas, cheguei à conclusão que, para uma pessoa que passa a maior parte de seu tempo em uma área pequena da cidade do Rio de Janeiro, sempre há o que conhecer e, sobretudo, aprender.
As paisagens tem sua importância, naturalmente, mas nada como observar as pessoas, hábitos, comidas, costumes,  e detalhes que formam o que chamo de micro-culturas, se apropriadamente ou não, deixo para o semânticos de plantão.
O interior de São Paulo, por exemplo não pode ser agrupado em uma coisa só. Ribeirão Preto e Bauru podem ser até parecidas, mas a coisa toda funciona completamente diferente num lugar e no outro. Explico melhor: há diferenças de sotaque, a atividade econômica predominante impõe costumes e atrai pessoas de formação e lugares distintos, alguns nomes de pessoas são mais comuns em um lugar e outros nomes em outro, enfim, há um "jeito" de ser distinto nas duas cidades.
E entre Ribeirão Preto e Barretos, que estão separadas por uma hora de estrada, também. A primeira é sucro-alcoleira, a segunda, pecuarista. Ribeirão tem uma dinâmica própria. Barretos tem uma vida no ritmo dos eventos. E quis o destino que eu estivesse nestas duas cidades justo na semana da Festa do Peão Boiadeiro 2009, de Barretos, considerada a maior do mundo. Muita gente vai para a festa a partir de Ribeirão. Quem faz isso, normalmente chega de avião, vem em família, tem um poder aquisitivo maior.
Conforme Barretos fica mais próximo, o pessoal que vai para a festa muda. Mais ônibus de turismo, mais  gente jovem, pessoas que chegam para acampar, aventureiros, viajantes de moto, caroneiros.
O pavilhão onde se realiza a Festa é um capítulo à parte. Não dá para descrever em poucas palavras. Primeiro, porque é realmente muito grande. Segundo porque a festa não me pareceu ter um caráter único.    É tradicional, é rural, mas também é americanizada. É grandioso, mas é kitsch. Tem coisas muito interessantes e outras absolutamente sem sentido algum, como três touros clonados do legendário touro "Bandido" (aliás, há um memorial ao dito cujo, tão bonito quando o de Portinari, que nasceu na vizinha Brodosqui, e na minha modesta opinião merecia mais homenagens que qualquer touro) e uma estátua gigantesca do peão que seria o fundador e mentor do Rodeio e  de quem esqueci o nome completamente. Prova que tamanho de estátua não é documento.
Mas, o saldo final é muito positivo. A Festa é realmente um evento que devia ser visto e presenciado pelo menos uma vez na vida por todos os brasileiros. As pessoas que estão lá estão alegres, dançando, vibrando com os cavalos, touros e montadores.
Mas depois, quando se sai do Pavilhão, a impressão é a de voltar para um Brasil mais real.
Como também impressiona a realidade do Sul de Minas. Recentemente, passei sete dias viajando por várias cidades da região. Fiquei baseado em Varginha. Ali, concluí que não se deve confundir um tricordiano ( natural de Três Corações) com um varginhense (natural de Varginha). Vi que a complicada história ( ou estória) do ET de Varginha tem duas facetas. Uma, de ser utilizada como atrativo para a cidade. Tem uma praça com um boneco de um suposto ET verde e uma torre com um disco-voador em cima. Mais mau gosto impossível. E outra faceta, a de que os habitantes levam a coisa no maior espírito esportivo.
Descobri também que, com toda a simplicidade das pessoas do interior mineiro e com uma velocidade para fazer as coisas muito própria também, há uma ótica em Varginha artesanal que salvou um par de óculos que me custou os olhos que eles teoricamente deveriam ajudar a enxergar melhor, mas que quebrou de repente. Nesta ótica, um senhor muito idoso examinou as lentes por muito mais tempo que eu gostaria. Me mostrou umas 38 armações novas diferentes para tentar recortar e encaixar as lentes. Resolvi deixar as lentes, caríssimas, e apostar no trabalho do velho, atencioso, mas muito lento ( pensava eu) fabricante de lentes e óculos. Ele me pediu duas horas para o serviço. Não acreditei. Mas ele fez e fez um trabalho belíssimo. Como uso lente multifocal, se ele recortasse errado, era pegar o par de óculos, testar e usar ou jogar fora. Ficou melhor que na armação anterior, feita numa ótica bacana do centro do Rio.
Observei também as meninas. Muitas, bonitas mas deselegantes nas roupas, no andar, na maquiagem. Lembrei até do verso de Caetano para as mulheres e São Paulo ( "...da deselegância discreta de tuas meninas"). Mas, quem sou eu para julgar isso ? O forasteiro era eu. Aos olhos dos locais, o deselegante deveria ser eu. Talvez esquisito como o ET da praça de Varginha.
Como o deslocado em Barretos era eu.
Como, quando vou a Manaus, ouço sempre as lendas de botos, iaras, amazonas e me contenho quando alguma explicação parece sobrenatural demais. Lá, eu sou o sobrenatural. Sou eu que não compreendo o óbvio da vida ribeirinha.
Como, quando vou ao Rio Grande do Sul, aceito o chimarrão e como carne de ovelha.
Para mim, viajar e tirar fotografias não é o mesmo que viajar. Atualmente, eu tenho que conviver com as pessoas dos locais para poder dizer que realmente conheci o lugar.
Em uma dessas situações meio complicadas de explicar, certa vez me vi na cidade sérvia de Novi Sad. A guerra da Bósnia, ali do lado, estava a toda. No total, passei umas quatro horas na cidade e, depois embarquei num avião e nunca mais voltei. Vi a cidade nas margens do Danúbio, vi um imponente castelo, mas haviam, por todos os lugares, soldados sérvios de 2 m de altura e barbas por fazer. No ano passado um amigo meu esteve nesta cidade e me mostrou as fotos. Vi o Danúbio e vi o castelo, iguais. Mas vi uma foto com uma praça cheia de gente, com mesinhas espalhadas, e restaurantes abertos. Conclusão: eu não conheci Novi Sad.
E quando vou para algum lugar, atualmente, mesmo que já tenha ido, vou com espírito de primeira vez.
É mais divertido.

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