terça-feira, 17 de novembro de 2009

Eu ouso criticar Orwell

Quase todo mundo leu "A Revolução dos Bichos", de Orwell. Eu o fiz já meio entrado em anos, mais precisamente em um final de semana de 1998. Comecei no sábado à tarde e terminei domingo de manhã numa bucólica paisagem que lembrava uma fazenda, de fato, em Itaipava. Ou seja, o ambiente favorecia a leitura e vice-versa.
O tempo passa e sempre ouvi um monte de coisas sobre a fábula dos bichos que se revoltam contra um fazendeiro beberrão e mal-educado para tomar conta de uma fazenda eles mesmos.
Como não se criam macacos em fazendas, principalmente na Grã-Bretanha, Orwell deve ter tido dificuldade para escolher o animal que ocuparia as funções de liderança na nova sociedade neo-zoolista ( termo que acaba de ser inventado por mim mesmo, e que, desconfio, soa estranho). Escolheu os porcos. Porcos são espertos, é verdade, mas ariscos. Também, e mesmo aqueles porquinhos cor-de-rosa ingleses, não primam muito pela higiene. Logo, acho que faltou algo para Orwell. Um bicho inteligente, mas que posto no poder, aos poucos sucumbisse ao conforto e às tentações deste mesmo poder.
Mas, realmente, se a fábula estava pronta na cabeça de Orwell sem contar com os porcos como protagonistas de poder, o que pode ter lhe passado pela cabeça ?
Em primeiro lugar, devemos situar o autor. O livro foi escrito na década de 40 e é uma nítida crítica aos rumos do comunismo soviético. No entanto, a URSS ainda não havia dividido a Europa com os Aliados Ocidentais e invadiria a Hungria somente em 1956, ano em que muito comunista de primeira hora e de paixão começou a desconfiar do modelo russo estendido para os países vizinhos. Ou seja, Orwell anteviu, acertou na mosca, mas ainda não haviam tantos dados para que ele montasse sua narrativa. Haviam sinais claros de problemas e assassinatos em massa promovidos por Stalin nas reformas agrária e cultural das décadas de 20 e 30. Havia também um prazer indescritível de determinada classe pensante russa quando visitava ou se refugiava no Ocidente, sugerindo que lá dentro do mundo comunista, as coisas eram ruins. Mas não estava na moda entre intelectuais ser reacionário, e aí entenda-se reacionário por anti-reformista e anti-reformista por um sujeito que via como alernativa ao capitalismo do rombo de 1929 o comunismo inexorável.
Orwell teve que equilibrar isto tudo. O fez com maestria em toda a fábula, mas, desculpem-me se pareço idiota insistindo neste assunto. Porque os porcos como classe dominante ? Que não fossem os macacos já entendemos porque. Fosse uma fazenda sul-africana ou bôere, e certamente um grupo de mandris ou gorilas ou chimpanzés seriam candidatos mais fortes.
Bem, examinemos a predisposição do mundo animal, pelo menos no âmbito doméstico rural, espécie por espécie.
O gato, por exemplo. Não daria um bom líder. Muito preguiçoso, de hábitos noturnos, esquivo, distante...ficou bem no livro.
Vacas e ovelhas e seus pares machos castrados então não dá nem para pensar. Totalmente pacíficos, provedores de ovos, leite e carne, abatidos aos poucos, sendo que os que sobram veem claramente o destino final do indivíduo sacrificado para alimentar outrem há séculos e ainda não aprenderam nada com isso. O carneiro, reprodutor, é, com o perdão da expressão, a definição mais clara que me vem à cabeça para traduzir o adjetivo "bundão". Entenderam ? Pois é. Sem maiores explicações.
Touros são ou comilões ou totalmente anti-sociais, como se veem em rodeios.
O galo seria um líder estranho, pois transmite valentia até a hora que chega a raposa, quando bate asa como a mais afetada galinha. Também não prima por ser muito inteligente.
Os gansos são corajosos e barulhentos. Poderiam ser uma espécie de Hugo Chávez, se alçados ao Poder. Muito barulho por nada, e tudo do jeito deles. Sem contar que, com toda a valentia, um bom Rottweiler liquida um ganso sem muito trabalho.
E os cães ? os melhores amigos do homem, inteligentes, que sabem andar pela casa, fazer truques, farejam, vigiam... Porque não dar o Poder aos cães ? Pois bem, nessa Orwell foi genial: a fortaleza do cão é sua dependência do homem, que chega à subserviência. No livro, os cães passam a ser a "polícia" dos porcos. É perfeito. Se me fosse dado o fardo de ser Presidente de um País, escolheria um cão super treinado como Ministro do Interior. Mas não escolheria nunca um cão como assessor. Iria me aconselhar mal e me adular demais.
Vejam a sinuca. Não sobra ninguém. Ahhh.... os cavalos. Orwell colocou os cavalos como proletários, servis, obedientes e explorados. Mas os garanhões não são exatamente assim. Padecem da mesma anti-sociabilidade dos touros, o que os desqualificaria também. Mas são garbosos, nobres. O que me leva a crer que se um puro-sangue fosse eleito presidente sofreria processo de impeachment em, no máximo, três anos. E numa ditadura não se preocupariam com coisas práticas a não ser desfilar, e acabariam muito mal.
E, finalmente, chegamos ao burro. Que qualidade, ou melhor, que defeito teria o burro para não ser o líder ? Confesso que venho comparando porcos e burros e não cheguei à minha preferência ainda.
No lugar de Orwell, talvez eu elegesse os porcos mesmo, para sutileza do texto.
Mas, observando de fato a realpolitik, as ditaduras, os tropeços de revoluções e de como seus líderes se comportam ao longo do tempo, os socialismos de século XXI, o conservadorismo norte-americano e a preservação do bem -estar europeu acima de tudo, eu fico com os burros.
Os burros !!! Esses sim, deveriam ser a classe dominante na "Revolução dos Bichos" !!!

4 comentários:

  1. Fábula bem difundida nos últimos anos:
    Um porco e uma galinha caminhavam pela rua. A galinha olha para o porco e diz:
    "Ei, porque não abrimos um restaurante?"
    O porco então pergunta:
    "Qual seria o nome?"
    A galinha pensa um pouco e responde:
    "Ovos e presuntos"
    O porco sacode a cabeça:
    "Não dará certo. Você está apenas envolvida enquanto eu estou comprometido"
    .
    A diferença entre estar envolvido e comprometido é que faz do porco um cidadão de primeira classe.
    .
    Orwell não previu que um dia alguém desenvolveria o Scrum como técnica de gerenciamento. Mas pelo menos deu ao porco a importância que merece.

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  2. Na lista de talentos perdidos, você é o Líder.
    Fantástico!

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  3. .
    Bela abstração, Elevê...
    .
    .
    Zoando...
    Mas, Burro s/dedo mínimo, pra presidente, no Brasil, não seria uma concreção?
    .
    E,
    ditadura de Cavalo, não seria uma... "patadura"?
    .
    Marcelo

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