segunda-feira, 27 de julho de 2009

Serginho não é um "virtuose"

Sergio Dutra dos Santos, de 34 anos, nascido na periferia pobre de São Paulo, detentor de 1,85 m de altura. Acabam aqui os dados biográficos oficiais pesquisados, porque este Blog vai ser escrito à base de emoção.
Este é o Serginho, o Escadinha, o líbero do time brasileiro de vôlei.
Ontem, em Belgrado, na Sérvia, este Sergio de nome brasileiríssimo se tornou o astro do vôlei mundial. O Brasil conquistou seu oitavo título da Liga, numa vitória épica sobre os donos da casa.
Ao longo do jogo, Giba fez valer o seu papel de capitão. Leandro Vissotto arrasou de oposto. Murilo, num quinto set primoroso, mostrou ao que veio. Bruninho, filho de Bernardinho, calou de vez os que acharam que ele estava lá pelo pedigree. O time ganhou sem ser favorito e depois de um ano de 2008 com algumas decepções.
Mas Serginho estava lá também. E quem viu o jogo não pode esquecer a atuação dele. Buscou bolas difíceis, fez defesas impossíveis, cobriu bloqueios sérvios que cairiam no chão brasileiro com certeza, ainda deu muito esporro em todos, até no Giba, também incentivou todos, e, quando a bola não ia de segunda para o Bruno, sem problemas, Serginho levantou. E bem. Até ponto de bola colocada o cara marcou.
Eu gostaria de saber se, no dia em que modificaram a regra do vôlei para permitir a entrada de um jogador exclusivo de defesa, que não poderia atacar, com uniforme diferente dos demais, que fica só nas três posições da linha de trás, que sai de quadra e retorna umas 60 vezes numa partida de 5 sets equilibrada, que não deve ser alto, e que, de cara, observou-se que era o "homem para levar porrada", alguém imaginou que um líbero ( nome impróprio para quem tem pouca liberdade em quadra) seria eleito o melhor jogador de uma competição internacional.
O vôlei é um esporte de plasticidade sensacional. A velocidade da bola, as jogadas sincronizadas, cortadas a 150 km/h, bloqueios de argamassa humana, fintas do levantador. Isso é espetacular. Defesas são espetaculares também, mas só algumas. E, só são espetaculares as que acontecem e com sucesso. As parciais, as que vão para fora, as "medalhas", essas não são nem registradas.
Mas Serginho começou a mudar isso. Já há uns cinco ou seis anos, quem acompanha vôlei tenta entender o domínio brasileiro neste século. Seriam atacantes brilhantes ? Seriam levantadores geniais ? Seria um bloqueio intransponível ?
Salvo uma estatística ou outra apontarem Giba o melhor pontuador, Gustavo o melhor bloqueador e Ricardinho o gênio dos levantamentos, aos poucos o segredo do Brasil foi sendo desfeito: é a defesa. Os times passaram então a dificultar ao máximo as coisas para a defesa brasileira com saques mirabolantes, ponteiros sensacionais que são acionados mais de 15 vezes num único set ( Poltavsky, Kraziski, Mijailovic, Leon...reparem o que esses caras são acionados num jogo contra o Brasil), meios de rede de 2,20 m...tudo vale para bater o Brasil.
A defesa no vôlei não interrompe o ataque adversário. O vôlei é o único esporte de equipe cujo contato físico inexiste. A defesa é uma percepção da tática de ataque adversária. É esperta, maliciosa, tenaz. Não precisa de força bruta, não precisa destruir a jogada adversária. Precisa evitar o contato da bola que chega com seu território, sua quadra. E, de quebra, jogar a bola para um lugar ou para o alto, que permita, o contra-ataque.
Este é o mapa mental do defensor. Bem...podemos dizer que ponteiros como Murilo e Giba são grandes defensores também. E são. Mas Serginho aprimorou a defesa a ponto de irritar os adversários. A bola tem seu contato evitado com o chão porque alguma parte do corpo de Serginho se colocou no caminho. E ainda fez mais: jogou-a para o alto, com tempo para o levantador armar um ataque.
Serginho se tornou o maior nesta arte: ele sabe como ninguém evitar que a bola vinda das mãos de um sérvio qualquer de dois andares de altura exploda na quadra. Ele sabe que quando Giba bate, deve se colocar ao seu lado e, se Giba for bloqueado, lá está ele para que a bola não caia no chão e mais uma tentativa seja possível.
Quem criou o líbero não sabia que ia existir um Serginho. Que de coadjuvante passou a protagonista. E que, de defensor, passou a ser o nascedouro de jogadas para os atacantes brilharem.
Ontem, isso foi observado. E muito bem observado. Até porque, se no final do jogo ainda tivessem dúvidas, Serginho encarregou-se de dirimi-las justamente no último ponto: ataque do Brasil e o bloqueio sérvio funciona e joga para o chão brasileiro, Serginho já estava lá, mas não era um movimento qualquer, e um peixinho providencial evitou o ponto sérvio e botou a bola magicamente na mão de Bruninho que inverteu o ataque e jogou para Giba apenas colocar, a meia-força, no chão, sim, no chão, no solo, na terra sérvia. Ponto. Set. Match. Campeonato. Dúvidas desfeitas. Serginho é o "cara", é escolhido o Most Valuable Player da Liga, o melhor jogador da Liga.
Do menino pobre que não sabia que esporte praticar, até ontem ser coadjuvante era o seu papel. Agora ele é o astro. E, finalmente, com reconhecimento justo, em uma competição dura. Sem a falsidade de pagamento de tributos tardios a "heróis secundários".
Valeu, Sergio Dutra dos Santos.
E que o vôlei e o Serginho nos inspirem a considerar o menos espetacular tão importante quanto o "virtuose".

4 comentários:

  1. LV, show!!! Faço minhas as palavras do Igor, você poderia escrever mais no boteco.

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  2. Parabéns! Não só pelo texto ,mto bem escrito , mas pela personagem glorificada por ele.Ontem tive a oportunidade de ver um especial da ESPN sobre Serginho, que em dado momento mostrou a foto de amigos de infância e comentou " este morreu ,meteu-se com drogas, este está viciado , hoje posso dizer que se não fosse o volei ,quem sabe nem estaria aqui" .Mtos políticos desse país e esportista deveriam ouvir esse depoimento e engajar-se por levar o esporte as periferias e favelas com programa a longo prazo e não p. emaltecer-se por alguns meses.
    Mais uma vez ,parabéns!!!!!!!!

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  3. Muito bom, gostei juito das lolocações e do texto !

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