terça-feira, 14 de julho de 2009

Aceitação

Havia prometido aos meus cada vez mais numerosos leitores que escreveria um texto sobre a experiência de um carioca ir, sem estar devidamente preparado, à Festa do Peão Boiadeiro de Barretos 2009. Mas os últimos dias foram atribulados e este escriba amador acabou envolvido em outras prioridades.
Para não deixar a Sheilla e o Rubinho congelados no Blog, busquei em um dos textos que já publiquei qual estaria mais ligado aos meus sentimentos atuais, e que, por uma incrível sequência de coincidências, observei que está afetando também muitas pessoas próximas.
Então segue um texto que tem 45 dias de publicado sob o título Negação, Raiva, Negociação, Depressão e Aceitação, de volta à tela.

Eu gostaria de evitar, mas sou forçado a mencionar um episódio de uma série de TV como uma pequena obra-prima que aborda as reflexões humanas diante da inevitabilidade da morte. Trata-se do primeiro episódio do segundo ano de "House", chamado Aceitação.
Nos 45 minutos do episódio há um intenso conflito de todos os envolvidos com o fato de que dois pacientes estão condenados à morte. Um deles, um prisioneiro do "corredor da morte", assassino quádruplo, que, na véspera de sua execução, tem alucinações e problemas cardíacos, e várias complicações estranhas. O outro, uma moça saudável e de conduta irrepreensível, que chega se queixando de cansaço e tosse.
O Dr. House se interessa mais pelo caso do prisioneiro. Aqui, então, começa um conflito com quase toda a sua equipe e com a direção do Hospital. Afinal, para que salvar a vida de um condenado à morte ? E porque o pouco caso com uma paciente cujo raio X indica um tumor no pulmão ?
A lógica e a ética começam a duelar. Seria lógico deixar o condenado morrer e concentrar os esforços na moça com diagnóstico precoce de câncer ?
A evolução da trama expõe a improvável convergência entre a lógica e a ética. O condenado irá morrer, mas não deveria ser por problemas de saúde, e sim por determinação do Estado. Estranho, mas é ético e lógico, não se pode negar.
Já a moça, pelo diagnóstico da biópsia, tem tumores malignos. O máximo que se pode fazer é prorrogar sua vida por alguns meses.
Ambos estão condenados a morrer. Um, pela lei. Outro, pela doença. É difícil aceitar que o condenado merece sim, morrer, mas não daquela forma. Como é difícil aceitar que uma moça jovem e saudável esteja com um diagnóstico fatal.
Neste ponto, a evolução dos sentimentos que surgem diante da certeza da morte vira o enredo do episódio. Negação, Raiva, Negociação, Depressão e Aceitação.
O que é genial no roteiro enxuto, é que todos, não só os doentes, acabem percorrendo estes estágios. Inclusive o Dr. House.
Ao saber ou lidar com uma morte iminente, vem a Negação, em primeiro lugar. Ou seja, o sonoro "não, aquilo não é possível". Em seguida vem a Raiva, a irritação com a condição, que toma conta das ações e faz com que as atitudes fiquem pouco racionais. Em seguida, a Negociação, ou Barganha, quando começam a aparecer contrapartidas, e aspectos que nada ou pouco tem a ver com a situação e são usados para obter piedade, ou regalias, ou, o mais importante, alguma coisa que sustente a esperança de reviravolta. A Depressão vem a seguir: velha companheira da Raiva, a Depressão se manifesta pela apatia, pela desistência da luta, pelo desânimo. Por fim, a Aceitação, que não significa resignação, mas um estágio de reconhecimento do fatal, do inevitável, e como lidar com isto, com qualidade e buscando o conforto.
Toda a trama só converge no estágio da Aceitação.
A propósito, o condenado sai andando do Hospital, voltando para o "corredor da morte". Uma última apelação seria tentada, mas sem o apoio do Dr. House.
Já a jovem moça recebe a confirmação de pouco tempo de vida. Chora e desaparece.
Na última cena, Dr. House, cuja conduta é tão controversa, se mostra coerente: deprimido, bebendo sozinho em seu consultório, se levanta e deixa no quadro da sala apenas uma palavra escrita: aceitação.

A palavra aceitação é uma palavra forte. E, por vezes, incompreensível. Até que acontece, sem maiores explicações. E, neste caso, fica claro seu significado.

Um comentário:

  1. De fato é uma coisa interessante este epsódio, uma metáfora do inexorável. Marcelo.

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