domingo, 5 de setembro de 2010

Sobre a Brevidade da Vida

O título não é autêntico. Lúcio Aneu Seneca o utilizou um pouco antes de mim,  em 62 d. C. Mas uma sucessão de eventos me fez refletir profundamente sobre o estoicismo implícito nesta frase. Na prática, a vida não é breve, e que me perdoem os espíritas e os católicos, até que eu seja presenteado com o beijo da morte e veja outra coisa diferente do nada que via antes de nascer, dificilmente serei convencido da imortalidade da alma. Na prática, a vida dura o que tem que durar. Mas aproveitemos esse tempo da melhor maneira possível. Dizia Lúcio, já.
O que me força, inconteste, a tomar Sêneca e seu breve relato como um ótimo guia para viver bem. Daí a conseguir é outra coisa. Mas o primeiro passo, reconhecer que estou ocupando uma janela de tempo na existência do Homo Sapiens, está dado.
Reforçou-me profundamente a tal sequência de eventos que já mencionei. Uma cirurgia delicada em mim mesmo, uma crise de depressão, a morte súbita de alguns conhecidos que caminhavam bipedescamente e tranquilamente há duas semanas antes de fulminados por enfermidades fatais, a escolha da leitura de Sêneca e uma manhã de domingo em que acordei leve, apenas levemente dolorido por um treino de Vela na véspera ( me fazendo refletir sobre a qualidade da vida atrelada à qualidade do bem-estar físico), e me deparei com um acidente em uma corrida de motos que vitimou um piloto japonês de 19 anos.
Pronto. Estavam todos os ingredientes postos para refletir sobre a brevidade de nossa existência. Sim, porque ninguém me convence de que viver 70 ou 100 anos faz muita diferença. Já que estou convencido que viver 19 ou 70 faz.
É de boa educação do escriba alertar o leitor que  não há a menor pretensão neste texto de ser um guia para viver bem. Ao contrário, sob o impacto dos fatos, é mais fácil que o leitor o tome por um guia pessimista, introspectivo, melancólico.
Mas nem assim, tomem como um guia. São reflexões apenas. Digressões, rupturas, roupa rasgada e garganta afônica de gritos, assim prefiro. Partindo de extratos de Sêneca que todo mundo admira sem lançar um olhar crítico, as vísceras aparecem. Não nego o velho filósofo romano ( quase uma contradição em termos), apenas reflito e repito o exercício de Nietzsche, de refletir ou formular aforismos para transmitir suas ideias.
O primeiro extrato de Sêneca, "Apressa-se a viver bem e pensa que cada dia, por si só é uma vida", contem uma óbvia contradição. Pressa em viver bem encerra um plano para isso. Ninguém alcança o Nirvana num estalo às duas da tarde. Viver bem requer tempo, plano, disciplina. Logo, ao pensar que em um dia vive-se uma vida, eliminam-se os planos. O outro jargão clássico, quase um corolário deste extrato de Sêneca, é aquele que diz que "o único dia em que posso fazer alguma coisa é o hoje, porque o ontem já passou e o amanhã está por vir." Também me parece estóico demais, coisa de inconsequentes mesmo. O ontem fez o hoje e o amanhã será resultado do somatório dos "ontens". Não é óbvio ? Claro fica que adiantando os ponteiros do relógio não modificamos absolutamente nada. Mais uma vez as 24 horas do dia não são uma vida com exceção do ponto de vista das efemérides e borboletas, que as tem com sua existência toda. Logo, ao afirmar que um dia é por si só uma vida, afirmamos que os deveres e haveres de amanhã fiquem em segundo plano e a tendência é que ao menosprezá-los, o amnhã seja menos feliz que o hoje.
Mais à frente, Sêneca faz uma pequena correção: "Trabalha como se fosse viver para sempre. Ama como se fosses morrer hoje." Creio que quanto ao fardo nosso de cada dia, o grande pensador romano ( quase uma contradição em termos) se redimiu, mas quanto ao amor...O amor efêmero, as paixões de uma forma geral, são ótimas quando vividas intensamente o que é bastante diferente de, ao fazê-las, imaginá-las como última. O que seriam dos esportistas, dos praticantes de qualquer hobby, que guardam paixão pelo que fazem se não tivessem preparação, planejamento, ideias, persistência, enfim, uma centena de vocábulos muito mais longos que mortes repentinas, mesmo que imaginárias ? Bem, e os relacionamentos ? Igualmente, intensidade e irresponsabilidade são incompatíveis nos bons relacionamentos. Paixões eternas que se dissiparam em meses são inúmeras. Neste ponto, e sem fazer qualquer defesa ou emitir qualquer parecer sobre religiões e seitas, me parece que o budismo e o cristianismo primitivo ( aquele que existiu antes da Igreja) foram muito mais felizes. Lembrando que Jesus bebeu da fonte dos escritos orientais e de Platão, em paralelo, ressalte-se que os estóicos não o conheceram.
Relacionamentos são como uma terceira pessoa vivida entre duas. E começa como começa a vida de uma pessoa. Sem enxergar, sem entender nada, dependente de quem se ocupa em cuidar. No caso dos relacionamentos, os pares. Isto requer trabalho, renúncia, desprendimento, e amor. Muito amor. É assim que vejo os relacionamentos que valeram a pena serem vividos. Sim, porque podem ser finitos, o que é diferente de "vida útil curta".
Para não causar enfado, pinça-se mais um extrato: "Dedica-se a esperar o futuro quem não vive o presente." A complexidade deste curto aforismo está na dicotomia "acontecerá- não acontecerá". Avaliar o que pode e o que não pode acontecer futuramente, salvo tudo que é absolutamente fortuito é a saída para esta inequação existencial. Pela lei das probabilidades, se uma ação minha hoje provoca  resultado futuro ou se as inúmeras variáveis e vetores que governam nossa vida parecem apontar um rumo, por vezes, é aconselhável esperar. Até porque o próprio Sêneca condena o "sofrimento por antecipação". Ora, é perfeitamete plausível abstrair-se um pouco do presente para aguardar algo futuro. Aí estão os adoradores do método da vingança para atingir a redenção, que não me deixam mentir. E esses adoradores, dentro de seu código moral, se realizam com suas vinganças, e assim, vivem bem. A generalização é por demais perigosa.
E para ilustrar o que foi tentado nessa curta missiva, gostaria de descrever a morte de dois personagens citados: o jovem piloto japonês e Sêneca.
Shoya Tomizawa. de 19 anos, subiu em sua moto, colocou o capacete e largou para aquela que seria sua última corrida. E posso apostar que segundos antes do acidente fatal estava concentrado e fazendo o que prega Sêneca. Talvez ainda não tenha se dado conta que morreu, dada a violência a que seu corpo foi submetido.
Sêneca, instrutor de Claudio, quando Nero ascendeu ao Poder em Roma (quase uma contradição em termos), sabia que seria perseguido. Mesmo se afastando da vida pública depois de um curto período em que Nero utilizou seus conhecimentos, sabia que tinha seus dias contados. E desandou a escrever, com conteúdo estóico e pano de fundo cético. Nero ordenou que se suicidasse. Ele teve que cumprir.
Temporalmente, o jovem japonês viveu breve, mas talvez tenha vivido como quis e morreu fazendo o que gostava. Sêneca viveu mais, mas passou 7 anos sabendo que sua vida dependia de uma simples decisão de alguém imprevisível.
Não sei do meu futuro, nem do de ninguém. E duvido de adivinhos e oráculos. Mas não seria perfeito termos uma vida com qualidade e chegada a nossa hora, que fosse exatamente no momento em que estamos fazendo o que mais gostamos ?

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