sábado, 11 de setembro de 2010

Fukuyama, 11 de setembro, Saramago e Dilma

Como uma mandala, o título sugere que os assuntos se relacionam e se retro-alimentam.
Será um bom exercício, resultado de uma divagação nada impossível, cujo conteúdo e espírito da coisa só poderão ser constatados ao final da missiva, pois é mister discorrer sobre os antecedentes.

Quando o Muro de Berlim caiu, em 1989, o comunismo ruiu e o que parecia ser a dialética política dominante semi-eterna acabou como num passe de mágica. Ecoonomistas se debruçaram sobre os indicadores dos países satélites da ex-URSS., e dessa própria, para tentar entender o súbito fenômeno. Capitalistas trataram de aproveitar a oportunidade e ganhar dinheiro em países onde essa cultura ( a de ganhar dinheiro) estava esquecida pelas duas geracões pós 1945. A China se deu conta que alimentar mais de um bilhão de almas e exercer controle rigoroso sobre tal contingente não valia a pena num mundo que visivelmente saltava para uma integração comercial e financeira plena e deu as costas para o comunismo de tabuada e implantou um regime comunista na filosofia e plenamente capitalista na prática.
E os historiadores e filósofos ? Li coisas diametralmente opostas, do receio e da crítica de Leandro Konder ao entusiasmo da turma de Chicago e de Harvard.

Mas um sujeito chamou mais a atenção que todos, o historiador e filósofo Francis Fukuyama, americano de origem distante nipônica, plenamente integrado à cultura ianque, que, em 1991, portanto um tanto ou quanto precipitadamente, lançou um livro chamado "O Fim da História" onde pregava que a História como processo, na concepção de Hegel e seguida por muitos, inclusive Marx, havia acabado, já que o liberalismo ocidental prevalecera com o colapso soviético e o mega-ajuste chinês. A História teria de ser modificada e, como disciplina em si, não fazia mais sentido.

Fukuyama é um grande pensador e ele mesmo começou a duvidar do que escreveu quando fatos nada afastados da doutrina de Hegel começaram a acontecer no Iraque/Kuwait, em vários pontos da África e principalmente, na Guerra dos Bálcãs que significou o esfacelamento da Iugoslávia com conotações religiosas e étnicas. Sem esquecer o duradouro impasse Israel-palestinos, que transcende o local e empolga todo o mundo árabe. A História estava viva. De certa forma, sob uma roupagem mais pontual, menos global, mas os princípios de Hegel lá estavam todos, fosse na Europa, na Ásia ( os já citados mais a questão tibetana e de Mianmar), na Oceania (Timor e Filipinas) e na América do Sul ( democracias novas lidando com problemas de conduta e crises econômicas).

Fukuyama lançou artigos corrigindo seu rumo, mas sem abandonar sua convicção. Curiosamente, em 2000 Fukuyama proferiu uma série de palestras praticamente abandonando a teoria do "fim da História"e seu sub-produto, "O Último Homem". Começou, talvez mais impressionado com os fatos ocorridos na Bósnia, para o qual contribuíram fortes vetores de religião e conflitos étnicos, a construir um novo raciocínio. Também foram aos ouvidos de Fukuyama os sacolejos nas economias argentina, mexicana, russa e brasileira ( janeiro de 1999), nesta ordem, que mostravam um fluxo de capitais intenso capaz de causar mais efeitos do que uma guerra ou decisões de gabinetes da diplomacia tradicional.

Incrível, mas Fukuyama previu que "...a História está desmembrada, mas viva, e acontecimentos dramáticos parecem cada vez mais imprevisíveis e de difícil estudo (....) não será impossível pequenas forças botarem potências de joelhos, como não será impossível que as potências e o capital destruam estas pequenas forças."
Algo de futurologia neste extrato se confirmaria dramaticamente em 11 de setembro de 2011, que hoje completa 9 anos e ainda provoca dúvidas e perplexidade. Definitivamente, o edifício de Fukuyama desabou junto com o World Trade Center. A História tinha um novo motor. O conflito religioso-moral com forte dose de tempero dos tempos coloniais.
O que veio depois, todos sabem. O Estados Unidos empreenderam campanhas no Iraque e no Afeganistão caríssimas, com resultados práticos pouco visíveis até agora. Uma China pujante crescendo a à velocidade de Mach 7 no PIB, e os países periféricos se ajustando e ganhando espaço no cenário mundial.

Hobsbawn previu também a Era do Controle. Paralelo a isso tudo o boom internético e de tecnologia digital permite hoje que qualquer cidadão seja observado 24 horas por dia. Saímos da Era do Confinamento para a Era do Controle das massas. Um tsunami que arrasa Sri Lanka é noticiado e com imagens no Brasil em um par de horas. Um boato sobre a dívida pública grega faz torrentes de dólares migrarem de ativos em minutos.

Para completar tudo isso, em 2008 o capitalismo quebrou. Seu antagonista, o comunismo, já havia deixado a disputa quando o predominante resolveu se auto-flagelar, criando mecanismos de crédito que simplesmente não correspondiam à producão e ao lastro em moeda existente. Protestos em todo o mundo, um país falido , sim um país inteiro falido - a Islândia - , privatizações nos corações do capitalismo, Wall Street e Detroit. O caos se avizinahava. Nem tanto. Os governos centrais mostraram fôlego para sustentar  o sistema financeiro, mas deixaram de fazer seus deveres de casa sociais.

Aí surge José Saramago. Em um livro não muito percebido, de 2004, pois foi publicado logo após o festejado "Ensaio sobre a Cegueira". Saramago antevê um estado de coisas em que os cidadãos se distanciam tanto do governo e este dos cidadãos, que num fictício país, todos, sem excecào, votam em branco numa importante eleição. Estados de sítio, teorias conspiratórias e tudo o que se possa imaginar acomete o governo do tal país. Mas os cidadão continuam votando em branco. Tanto faz como tanto fez quem sentará no Poder. As coisas não mudam mais ao sabor de uma vontade mas sim de uma quantidade de variáveis tão grande que é impossível prever se a figura A fará melhor governo que a figura B. O próprio governante está de carona e nào há necessidade de ninguém para governar. tanto que enquanto o governo do fictício país se desdobra para resolver o incrível vexame, a vida nas ruas segue normalmente, não há piquetes, não há protestos, todos vão ao trabalho normalmente, todos vão aos jogos de futebol, mas continuam a votar em branco. Saramago deu o nome a este livro de "Ensaio sobre a Lucidez", palavra última esta que não se apresenta em nenhum momento do texto, sugerindo que lúcido é esquecer o Poder em uma sociedade que caminha para um desconhecido destino, melhor ou pior, não será por obra e arte do mandatário. É como se o velho dito francês, após mais uma troca de república, "plus ça change, plus c'est la même chôse.", estivesse enraizado. Mudar para quê ?

E aí me ocorre o que se passa na atual corrida eleitoral no Brasil de 2010. O candidato dito da oposição renega o governo de seu partido oito anos antes e se parece mais com a situação do que nunca. A candidata da situação é figura polêmica, imprevisível talvez, mas está pasteurizada a um ponto que tudo leva a crer que o Brasil experimentará um continuísmo maquiado. E, neste ponto, não fosse a tradicional forca do clientelismo, do voto de cabresto e dos votos para beneficiar grupelhos que se apoderam de partes do Poder Público para enriquecer, coisa totalemente normal no Brasil, me arriscaria a dizer que seria uma eleicão fértil para abstencões e votos em branco. Votar em terceiros, sem chance, é como lavar as mãos, a indiferença provoca o sentimento do "tanto faz". E prevejo um "tanto faz"real.
Há os que temem o bolivarianismo do Brasil. Fukuyama, citado lá no início talvez concorde pois sempre  pensou que com exceção da Austrália, não há pecado ao Sul do Equador. Venezuela, Bolívia, Argentina, Equador e Paraguai são vizinhos. Estão mortos de saudades de Simón, na verdade para implantar um caudilhismo tipo "programa de auditório". Acerte as perguntas e ganhe um carnê da Revolução da Felicidade ! Só que os dados econômicos destes vizinhos não apontam um futuro muito glorioso e libertador não.
E o Brasil não é país que permite brincadeiras ou inconsequências mais. Seja quem for, não vai governar, vai ao sabor das ondas, ao contrário do que previu Fukuyama, forçado a mudar de ideia pelo 11 de setembro e pelo setembro de 2008, e de acordo com Saramago, tanto vai fazer como tanto vai deixar de fazer. Vai repartir o Poder para garantir mais um período de continuísmo e aquinhoar velhos abutres com seus quintais de carniça usuais.
O resto pode depender do deficit francês e da força do marco para continuar lastreando o euro, por exemplo. Diante de um cenário onde o euro desvaloriza muito, seja lá quem for, uma ex-terrorista ou um estudado político cheio de contradições e que renega o próprio partido, tanto faz, governará ao sabor da grande maré.

Um comentário:

  1. Mais uma vez, PARABÉNS!
    Lúcido, auto-explicativo, e muito bem fundamentado.
    Ótimo

    ResponderExcluir