terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Se faltasse o Fluminense no Mundo

O hino do Flamengo tem várias estrofes que não considero dignas de um clube que conquistou o que o conquistou. É de uma infelicidade total. Lamaratine Babo deve ter desfiado alguns fios de maliciosidade nas letras horrorosas do hino de bela melodia.
Para começar é o único hino que faz referência a um rival. No caso , o Fluminense, na "pé-triturada" estrofe "nos fla-flus é um ai, jesus".
Obrigado, agradecem os tricolores pela deferência da filial, invocando inclusive o nome de nosso senhor.
Mas o pior está por vir.
"Eu teria um desgosto profundo
Se faltasse o Flamengo no mundo."
A lógica nega a possibilidade de tal fato. Se não houvesse Flamengo, não se conheceria Flamengo, sequer saberia se suas cores são vermelho, preto, azul ou amarelo. Zizinho teria jogado no Andaraí. Zico no Bangu. Adílson no Vasco. Júnior no Friburguense. Silva, o Batuta, estaria com a eterna camisa vascaína. Não haveria existência rubro-negra, com repercussões fantásticas no comportamento dos estádios. A Raça seria América. A Urubuzada, naturalmente tricolor, queda esta já observada nos dias de hoje.
E aí, vazio total ocupa minha mente. E se faltasse o Fluminense no mundo, fato impossível, vaticinado pelos mais belos cronistas tricolores, que são unânimes: "O Fluminense veio do Caos para o Título", "Estava escrito há dois mil anos que o Fluminense seria campeão"?
Mas me permito descartar Descartes. Tornar a lógica ilógica e supor que se não houvesse o Fluminense no mundo, em vez de desgosto, minha alternativa recairia sobre clubes que no imaginário nebuloso meu, seu e nosso, mais se adequeriam à minha personalidade e ao meu modo de ser.
Sem considerar Américas, Juventus, Central de Caruaru e São Raimundo, times confiáveis e amadíssamos Brasil afora e sem considerar também estrangeiros, pois eu certamente torceria por um time de Reykjavik ou pelo nobilíssimo Real Madrid ( ninguém sabe porque raios o clube é Real), vou assumir uma postura de muito macho e me declarar "casaca" sem o ser. Segue minha auto-análise-psico-clubística.
Acho que eu seria fortemente pressionado a ser vascaíno, dada a origem lusitana de metade da minha família, ou são-paulino, dada a influência meio aristocrática paulistana da outra metade. Mas nem a analogia de três cores teria influência.
Creio que o clube que me seduziria seria o Cruzeiro. Em primeiro lugar porque quando comecei a acompanhar futebol, em fins da década de 60, fui ao estádio num jogo do Cruzeiro e naquela época, a camisa do time era de um azul-marinho profundo e não tinha escudo, apenas as cinco estrelas bordadas do lado esquerdo do peito. Em segundo lugar porque Tostão foi um jogador dos mais inteligentes que vi em campo. E como temos a tendência a torcer pelo mais fraco, me impressionava que Tostão fosse pequeno, assim como Dirceu Lopes, outro baixinho infernal, e jogasse aquele bolão e encarasse o monstruoso zagueiro Galhardo, do Fluminense, por exemplo. Observei a torcida do Cruzeiro e aquele mar azul foi uma imagem inesquecível. E mais, o Cruzeiro era um timaço, mas era o time do quase. Tirando a Taça Brasil em que o Cruzeiro pulverizou o Santos em 1966, que não vi porque tinha apenas 3 anos de idade, o Cruzeiro sempre se apresentava bem, mas nunca ganhava. Amaldiçoei Manga na final do Brasileiro de 1975 por ter fechado o gol contra a artilharia pesada de Nelinho, com chutes de curvas múltiplas, que eu não conseguia entender.
E a torcida do Cruzeiro tinha uma característica que era diferente da do Atlético, da do Flamengo, do Corinthians, do Palmeiras, do Botafogo ( que tinha um lamentável líder de uma espécie inferior chamado "Russão"), do Grêmio e do Vasco. Eu nunca via briga envolvendo a torcida do Cruzeiro. Deviam ter várias, claro, mas não havia aquele ícone de fúria, agressão física, tipo Fiel, Raça, Fúria, Gladiadores, Manchas, Máfias associados ao Cruzeiro...ou tinha ? Se tinha era discreta, eu não via e não percebia. Enfim o Cruzeiro era o time que contou com minha simpatia.
E se não houvesse nem Fluminense, nem Cruzeiro ? Eu seria Santos, sem dúvida. Na verdade, eu tinha raiva do Santos porque ver aquele time ganhar quase sempre me irritava. Mas eu era fã absoluto de Pelé e de um outro jogador que atuou no Santos e no São Paulo, o Toninho Guerreiro. Mas no fundo a raiva era atração. No estádio, vi pouco brilhantismo do Santos, exceto um Santos vs. Vasco que meu tio vascaíno me impôs e o Pelé e o Edu acabaram com o jogo que se não me engano foi uns 4 a 1 ou 4 a 0.
Mas tinha a mística. O Santos era o Barcelona de hoje, só craque em campo.
E, agora a atitude de macho mesmo. O crítico feroz ( e conheço um muito simpático que atende pelo nome de Gustavo) dirá: "assim é mole, está escolhendo times de ouras cidades e estados. É um argumento válido, principalmente pela época em que fiz a opção pelo Fluminense. Hoje, um jogo Flamengo vs. Palmeiras, em Uberlândia, apresenta espectadores rubro-negros em maioria diante dos palmeirenses ou pelo menos, os números se equivalem. Na década de 60 não. Lembro que o Fluminense foi jogar em Curitiba contra o Atlético Paranaense e ouvi pelo rádio o empate em 1 a 1 e os gols, dois dias depois no inesquecível "Ataque e Defesa "do Ruy Porto.
Então vamos lá. Eu seria vascaíno por livre e espontânea pressão familiar. Mas ocorreu um um fato, que não lembro se foi em março de 67 ou novembro de 69 que me chamou a atenção de um time que passei a acompanhar quase como o Fluminense, quando era possível : a Portuguesa da Ilha do Governador aplicou um chocolate qualquer no então imbatível Botafogo. Aquilo me encantou. A magia do mito Davi e Golias, viva ali, traduzida em gols não evitados pelo arqueiro Cao. E as cores da Portuguesa eram as mesmas do Fluminense. Pode ser que o fato de ser inevitavelmente sacaneado impiedosamente em qualquer ambiente ao declarar que era toredor da Portuguesa da Ilha acabassem me demovendo desta ideia e eu recaísse nas graças do Almirante ( clube que inclusive, até vir de Alfa Centauro o incrível Eurico Miranda, eu nutri certa simpatia até o dia que o Vasco bateu o Cruzeiro no Brasileiro de 1974 - fiquei indignado...achei que foi uma roubada histórica trazer o jogo para o Maracanã...). Quis o destino que num teste que fiz no Vasco em 1979 eu fosse barrado mas conduzido à Portuguesa, onde joguei por rês meses na então categoria juvenil, com direito a demissão sumária após o segundo jogo. E agora, neste instante, descubro que o mascote da Portuguesa é uma zebra de três cores...
Mas é isso, como essas possibilidades inexistem, pois o Fluminense começoua ganhar títulos quando ainda era o Caos, portanto, é eterno, fica a divagação, a reflexão sobre um hino cuja letra sempre me incomodou e a metafísica de Lamartine Babo, que, como se sabe, era genial o suficiente para ser depreciado por um deslize de Lógica.

Um comentário:

  1. Grato pela deferência, grato pelo texto. Não é muito bom, às vezes, bostejar (espero que entenda o sentido disso) sobre o nada?

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