domingo, 3 de janeiro de 2010

Um canhota falador

Depois de um texto sobre o título de 1970, decidi escrever isoladamente sobre cada uma das figuras mais destacadas daquela que, para mim, foi a mãe de todas as Copas. A única em que haviam cinco equipes num mesmo patamar, prontinhas para ganhar o título ( Brasil, Itália, Alemanha, Uruguai e Inglaterra). A única que reuniu Pelé, Beckenbauer, Bobby Moore, Facchetti, Cubilla, Rivera, Uwe Seeler, Maneiro, Gordon Banks, Marzukiewicz e uma plêiade de outros brasileiros ( Tostão, Gerson, Rivelino, Felix). A única com média de gols acima de 3, depois da de 54. Enfim, a única em que para vencer, o time precisava ser de outro mundo, como o Brasil foi.
Não iria gastar minhas linhas escrevendo sobre Pelé e Zagalo. O primeiro, melhor do mundo e melhor daquela Copa. O segundo, um técnico abençoado por um elenco sobrenatural e que, de forma igualmnte sobrenatural, conseguiu acomodar todos os talentos no mesmo time.
Começarei, pois, por aquele que foi para mim, tão ou mais importante dentro de campo como Pelé e fora dele como Zagalo. Gerson, Gerson de Oliveira Nunes, niteroiense, jogando sua segunda e última Copa depois de 8 anos de serviços prestados ao futebol carioca ( Flamengo e Botafogo, com vários títulos estaduais).
Quando foi convocado, Gerson era jogador do São Paulo. Por pouco tempo, pois finda a Copa, Gerson voltou ao Rio para ser campeão novamente pelo Fluminense. O problema, e que todo mundo sabe : Gerson tem medo de viajar de avião.
Já no time de 67/68 do Botafogo, que tinha vários craques, Gerson era o líder. E como ser líder num time com Pelé ? Simples. Assistam aos jogos da Copa de 70. A bola rodava o meio de campo todo e passava pelo menos duas vezes nos pés de Gerson. Além disso, não pare de falar um minuto sequer durante os 90. Seu apelido pode virar Papagaio, mas vão te ouvir.
Jogando como meia avançado, Gerson já havia experimentado a necessidade de recuar no Botafogo, onde Jairizinho tinha mais explosão e velocidade para jogar na frente. Na Seleção, não se fez de rogado. Ficou ali ali...à frente de Clodoaldo, e numa linha bem atrás do quarteto Tostão-Pelé-Jairzinho-Rivelino.
A estreia naquela Copa, contra a Tchecoslováquia era simplesmente a reedição da final de oito anos antes, e os tchecos fizeram 1 a 0, aos 10 minutos...time nervoso ??? de jeito algum....todos queriam resolver do seu jeito, é incrível ver Gerson gritando com todo mundo. Gritava tanto que foi o único no Estadio Jalisco em Guadalajara que não viu a tentativa de Pelé encobrir o goleiro Viktor do meio-campo. O "canhota" estava parado de mãos nas cadeiras perguntando "Ô crioulo, endoidou, porra ?" Mas o Brasil empatou aos 24 e tranquilizou o time. Gerson então resolveu abrir sua caixinha de maldades. Em dois lançamentos primorosos, abriu o caminha da vitória, colocando um de 40 metros no peito e Pelé e um daqueles perfeitos, do qual era mestre, de 40 metros também e desmontando a linha de impedimento adversária, que pegou Jairzinho livre. Aí, sentiu e como 1970 era a primeira Copa em que substituições eram permitidas, acabou sendo o primeiro brasileiro oficialmente substituído em jogo de Copa do Mundo, dando lugar a Paulo Cesar Lima. Mas, antes, cantou a bola para seu substituto e para Zagalo, a mina é a direita....dêem a bola para o Jair que ele faz a festa, e Jair correspondeu e marcou o quarto gol.
A contusão o tirou do jogo contra a Inglaterra e do jogo contra a Romênia. Contra a Inglaterra, foi simplesmente substituído por Paulo Cesar. Contra a Romênia, Rivelino também estava machucado e Piazza foi para o meio, com Fontana entrando na zaga. No meio do jogo contra a Romênia, Zagalo entendeu que não estava dando muito certo, tirou Fontana, colocou o ponta esquerda Edu do Santos e recuou Paulo Cesar para o meio e Piazza para a zaga, em tentativa de simular a escalação original.
Contra o Peru, Rivelino mostrou logo que tinha se recuperado. Gerson não. Enquanto o primero fazia gol e corria muito Gerosn estava tímido.  Os peruanos também marcavam-no em cima, resultado de um amistoso de 1969 em que Gerson quebrara a perna de um meia peruano. Foi substituído.
Mas nos dois últimos jogos viria o solo de Gerson. Igualzinho aos tchecos, os uruguaios abriram o placar aos 19 minutos. Alguém nervoso aí ??? Pois surge a liderança de Gerson, conversando daqui e dali, Gerson fez Tostão se deslocar, observou que Jair recebia marcação dupla e desleal, assim como Pelé e ele próprio. Só que quem jogava bem e muito por estar num dia iluminado, era Rivelino. Bem...Gerson foi recuando, recuando, e de repente orientou Clodoaldo a se mandar...gol do Brasil, Clodoaldo, em passe de Tostão como se fora um ponta-esquerda...Gerson cantou a jogada.
Consta que no intervalo deste jogo, para afugentar de vez o fantasma de 1950, Gerson pediu a palavra e deu um dos poucos esporros da vida de Pelé, além de um dos piores esporros que os outros jogadores já ouviram.
O segundo tempo foi o "choque de futebol" total. Rivelino, inspiradíssimo, driblava, o meio-campo voltou a circular a bola, passando por Gerson. Pelé, nos seus 45 minutos mais vibrantes desde 1958. Só Jairizinho parecia desencontrado. Parecia. Bola de Gerson para Tostão que, no pivô, jogara para a velocidade de Jairizinho...ele e o goleiro sozinhos depois de deixar dois marcadores para trás....2 a 1.
Gerson troca bola com Pelé...Pelé com Tostão, com Pelé....e tá lá o negão na cara do gol, drible de corpo, mas caprichosamente a bola não entra. Lançamento de Gerson para Tostão que escora para Pelé. Ele mata e deve ouvir Rivelino pedir a bola que nem louco. Bomba de Rivelino....3 a 1 e fanstasma de 1950 devidamente liquidado...Gerson olha para Zagalo...trocam sorrisos...o time ia para a Final.
Contra a Itália, Gerson fez seu único gol na Copa. E que gol....Aos 19 minutos da etapa final, com a Italia totalmnte em "catenaccio"...pareciam não haver espaços. Bola para Jair que fugiu tentando alguma coisa na esquerda. Não conseguiu, mas Gerson pegou a sobra e soltou seu famoso tiro reto, que o fez famoso no Flamengo....2 a 1 Brasil, gol do tri. Gol do título.
Antes disso, Gerson havia visto a defesa brasileira falhar em conjunto e permitir o empate italaiano....bem, a bronca em campo dada por Gerson e Piazza foi ouvida por satélte aqui no Brasil.
Depois do seu gol , ele foi visto dando um lançamento de 40 metros para Pelé quase na pequena área, que não quis finalizar e deixou Jairzinho na cara do gol....3 a 1 Brasil.
Uma bronca, um golaço e um passe magistral. Definitivamente não podiam faltar estas três coisas com Gerson em campo. Um líder.

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